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“Fazer resplandecer sua grande divindade”: notas preliminares sobre as nuances de um verbo acadiano

“Making her great divinity resplendent ”: preliminary notes on the nuances of an Akkadian verb

Leandro Penna Ranieri
Universidade de São Paulo, Brasil

“Fazer resplandecer sua grande divindade”: notas preliminares sobre as nuances de um verbo acadiano

Classica - Revista Brasileira de Estudos Clássicos, vol. 35, núm. 1, pp. 1-21, 2022

Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos

Recepción: 11 Octubre 2021

Aprobación: 11 Enero 2022

Resumo: Este artigo apresenta os resultados preliminares de um mapeamento de ocorrências de uma raiz da língua acadiana, šrh, conhecida também por sua forma verbal padrão, šarāhu. A raiz tem sua principal acepção dentro do campo semântico do esplendor e da magnificência. Nas Inscrições Reais Assírias, essa raiz traz implicações com a luminosidade e a experiência visual, veiculando, assim defendemos, um significado material. Assim, há a associação entre o campo semântico do esplendor, portando conotações relativas à luz, ao brilho e à irradiação, e uma dimensão material.

Palavras-chave: Mesopotâmia, acadiano, Inscrições Reais Assírias, esplendor.

Abstract: This paper presents the preliminary results of a survey among the occurrences of Akkadian root, šrh, which is known as the basic verbal form šarāhu as well. This root has its main meaning connected to the semantic field of splendour and magnificence. In the Assyrian Royal Inscriptions, this root implies luminosity and visual perception, and it carries, we argue, a material meaning. Thus, there is an association between the semantic field of splendour, with connotations related to light, brightness and radiance, and a material dimension.

Keywords: Mesopotamia, Akkadian, Assyrian Royal Inscriptions, splendour.

Introdução1

Este estudo apresenta os resultados preliminares de um mapeamento de ocorrências de uma raiz da língua acadiana, šrh, conhecida por sua forma verbal padrão, šarāhu.2 Essa raiz expressa um campo semântico compósito, que tem, por um lado, tanto positiva como negativamente o sentido de orgulho, por outro, significa esplendor, magnificência e glória (CAD Š-2, p. 36-40; 61-3; Š-3, p. 133-4; 360-1). Quando a palavra é traduzida como esplendor, a partir das derivações dos sistemas verbais e especialmente nas edições das Inscrições Reais Assírias (IRA) em língua inglesa, ela aparece relacionada à construção de monumentos, em excertos que chamamos de seções de construção. Não obstante, em nossa visão, não é claro se e quando uma coisa esplendorosa é descrita como tal devido a alguma de suas propriedades físicas e materiais, que realçam as qualidades visuais e luminosas.

A ambiguidade do esplendor como algo abstrato ou como algo material nos leva a perscrutar o significado de šrh como uma qualidade que possui, acreditamos, aspectos relacionados a propriedades físicas e, potencialmente, a fenômenos luminosos – daí a existência de uma relação entre esplendor e algo irradiante, brilhante, cintilante e reluzente. Assim, contando com nosso mapeamento,3 o objetivo aqui é contextualizar referências a šrh nas IRA, enfocando seu subcampo semântico relativo ao esplendor. O interesse por essa palavra engloba a consideração de muitas outras que ocorrem em contexto textual próximo, como namru, šalummatu e melammu, dentre outras, todas com acepção em torno do campo semântico do brilho, da irradiação e da luminosidade. Na oportunidade deste artigo, essas outras ocorrências, como veremos, ­ajudarão em nossa argumentação sobre a conotação material de šrh.

Sobre o esplendor na Mesopotâmia

Uma primeira publicação direcionada a um vocabulário relacionado ao brilho e à irradiação em textos mesopotâmicos é a de Oppenheim (1943). O autor destaca dois termos, puluhtu e melammu, associados tanto a um terror irradiado, como à majestade e glória. O autor nota as distinções entre os usos dos termos: mesmo que ambos sirvam para descrever não somente divindades e reis, mas também objetos divinos, puluhtu é uma espécie de coberta sobrenatural (p. 34), enquanto melammu “denota um atributo característico dos deuses, consistindo em uma auréola ou círculo de luz extremamente brilhante que envolve a divindade” (p. 31), assim como parece estar localizado corporalmente na cabeça e se referir a uma máscara (p. 34). Em síntese, o sentido dos termos engloba “formato corporal, semelhança, personalidade, por um lado, e máscara com a implicação de admiração e terror, por outro” (p. 34).

Posteriormente, Cassin (1968) se debruça sobre as manifestações de brilho e esplendor relativas sobretudo às manifestações divinas em textos mesopotâmicos. A autora analisa os termos que aparecem em textos religiosos: namrirrû (brilhar, ser luminoso), especialmente voltado à emanação luminosa de um ser divino ou de algo considerado sobre-humano, como as insígnias de uma divindade ou os muros de um templo (p. 2); rasubbatu, como esplendor flamejante oriundo de objetos incandescentes; palāhu e derivados da raiz plh, como puluhtu e pulhu, como uma espécie de irradiação poderosa que é instilada seja por astros celestes, seja pelas divindades e pela realeza (p. 3-4); melammu (uma espécie de brilho aparente de certas divindades), que contém o aspecto de incandescência e irradiação, em muitos casos centrado na cabeça da divindade, mas que também é aplicado a construções (p. 5-6); e šalummatu (completo, perfeito). Para a autora, há uma ambivalência, pois esses termos qualificam tanto o que é considerado benéfico, favorável e admirável, como o que é tido por nefasto, perigoso e temoroso (p. 7).

Cassin caracteriza dois tipos de esplendor: uma irradiação que parte do corpo de um deus ou de sua manifestação material (por exemplo, o templo, as armas) em direção ao exterior (p. 17); e a irradiação que envelopa seu corpo, sendo, então, um brilho não irradiado, mas concentrado no objeto que o emana (p. 17; 20). Melammu parece partir de uma parte específica do corpo da divindade, como já tinha apontado Oppenheim,4 e isso se relaciona com alguns verbos próximos a melammu, como portar (našû), colocar (na) ou cobrir a cabeça (apāru, p. 23). Assim, o termo se diferencia dos outros por sua localização na cabeça da divindade, inclusive implicando um objeto posto na cabeça e possuindo, então, um correlato material específico, cuja peculiaridade conflui para seu sentido como objeto de onde se propaga a irradiação luminosa (p. 26). Em síntese, ela conclui:

No pensamento dos mesopotâmios, toda forma intensa de vitalidade – tomando essa palavra num sentido bem largo: beleza, juventude, alegria, poder, vigor, seja aquele do guerreiro, seja do vigor sexual, tudo que é transbordamento da vida, como que é perfeitamente puro e íntegro – se manifesta por uma emanação deslumbrante de luz. (Cassin, 1968, p. 121)

[...]

Brilho, irradiação, cintilação, auréola luminosa que caracterizam não somente os deuses, mas também os reis; brilho e irradiação do homem são e puro; soberania, virtude militar, força física, potência sexual, beleza; prazer, volúpia, fertilidade e exuberância da terra e das águas; beleza florescente das obras de arte, nós vimos que tudo isso se exprime em “termos de luz” e traduz uma mesma realidade. (Cassin, 1968, p. 132)

Também mencionando Cassin, Garelli (1990) enquadra o brilho luminoso na noção de beleza, sobretudo a partir da descrição das obras realizadas pelos soberanos nas inscrições reais, que manifestam o poder real e o esplendor das construções – que brilham como o dia – e das oferendas suntuosas (p. 173-4). É essa acepção, de suntuosidade, que ele associa a šarāhu, assim como magnificência e majestade. Os feitos construtivos, com o emprego custoso de materiais, possuem um brilho luminoso que evoca admiração (p. 174-6), ou seja, as construções não são simplesmente belas, mas possuem uma “suntuosidade deslumbrante” e projetam uma “irradiação luminosa” (p. 176).

Posteriormente, Winter (1994) trata do valor da irradiação, especialmente associado à palavra melammu, enquadrada numa perspectiva estética. A autora destaca a luminosidade em textos mesopotâmicos, onde aparecem o brilho dos principais astros celestes, a intensidade do fogo, o cintilar das águas, o lampejo de metais preciosos e de outros materiais. Em suas palavras, “[...] a combinação de luz mais brilho é produtora de um tipo de luzir que é visto como particularmente positivo e auspicioso” (p. 123) e “[...] o observador informado verá o luzir não somente como propriedade física, mas como um sinal que porta uma carga afetiva altamente positiva” (p. 124). A menção aos templos que brilham como astros não se resume somente à prática de colocação de metais e pedras reluzentes nas paredes, mas ao valor associado à luz como manifestação divina. Na mesma linha, as menções às estátuas que brilham nada mais são do que uma manifestação da divindade no mundo material (p. 124). Além disso, o elemento luminoso é também associado a um poder emanador, que provoca admiração e terror, tanto da parte dos deuses, como, por extensão, dos reis. Nesse sentido, Winter trata melammu como esplendor genérico que é considerado uma emanação física ou uma aura em torno de seu portador (p. 125).

Em outro texto, Winter (2012) defende que propriedades reluzentes do ouro têm significância, ao lado de sua escassez, imutabilidade e seu custo de obtenção e de manejo (p. 153; 156-7). Reitera que o “[...] contato com o divino é frequentemente manifestado como luz, materiais que brilham eram vistos como sinais de pureza e sacralidade” (p. 157-8). Ou seja, essa irradiação, que aparece com termos namru ou melammu, é “manifestação luminosa visível, associada com poder protetivo e destrutivo, frequentemente associada com a cabeça” (p. 159).

Já Ataç (2007) relaciona a irradiação divina aos aspectos cosmológicos e metafísicos, bem como à noção de epifania na religião mesopotâmica (p. 295). Revisitando as publicações prévias, o autor foca no poder transformador da experiência religiosa sobre quem é exposto à manifestação divina por meio da irradiação deslumbrante (p. 296). Por sua vez, Pongratz-Leisten (2012) relembra o sentido amplo de melammu, destacando tanto a acepção corrente de irradiação e de instilar admiração ou deslumbramento, como a relação com a luminosidade e o esplendor. Considera também o potencial destrutivo desse atributo e que ele seja um elemento importante na habilitação do rei (e de sua aparência) à realeza.

Até aqui, a síntese de Hundley é representativa da tematização sobre esses termos:

Na maior parte, seja ou não sua divindade inerente ou herdada, deuses são percebidos como envoltos por uma irradiação divina, especialmente no primeiro milênio. Esse brilho atrativo é mais associado ao termo melammu e mais frequentemente aplicado a divindades antropomórficas. Não obstante, a mesma linguagem é aplicada a corpos celestes, que brilham com uma irradiação divina, e mesmo se estende às imagens divinas de culto, as quais partilham conceitual e literalmente da irradiação divina, já que elas são feitas de elementos mais preciosos do mundo material. Por extensão, já que os elementos mais preciosos fazem a imagem divina e são frequentemente mais preciosos por causa de sua luminosidade, eles também partilham da irradiação divina, especialmente quando são estreitamente ligados a uma divindade. (Hundley, 2013, p. 80)

Benzel (2015) investiga as noções de pureza, luminosidade e sacralidade sobretudo da prata e do ouro, considerando quais são “propriedades físicas inerentes” e quais são “qualidades atribuídas pelos agentes humanos”, e como ambas interagem (p. 89).5 Busca entender também como e por que esses materiais têm a capacidade de animar objetos com sacralidade, ou seja, como produzem o divino, em vez de somente reproduzi-lo (p. 89). Sua proposta questiona se a sacralidade se dá pela associação do material com objeto em construção, ou se o próprio material anima o objeto (p. 93). A tese da autora é a de que

[...] em certos contextos, as propriedades naturais, inerentes, de certos materiais têm o potencial intrínseco de dar aos humanos (fazedores e consumidores) uma percepção de sacralidade e divindade inerente, que, por sua vez, habilita esses fazedores e consumidores a atribuir sacralidade e divindade como uma qualidade de volta ao próprio material, e não só ao objeto que ele se torna. (Benzel, 2015, p. 96)

Ou seja, não só objetos manufaturados emanam o sagrado, a pureza e o divino, mas assim são considerados também pelo valor inerentemente sagrado dos materiais que os compõem, dadas suas propriedades de brilho e pureza (p. 98-99).6 Thavapalan (2018) realça que “devido à íntima conexão entre brilho e o divino no pensamento mesopotâmico, o primeiro é uma força palpável, um poder emanador que evoca admiração, temor ou terror em quem o encontra” (p. VII-14), o que vale especialmente para a acepção ampla de melammu. Segundo a autora, a palavra é frequentemente traduzida envolvendo luminosidade e esplendor, mas tais traduções perdem a ideia de que melammu seja uma “propriedade e uma força ativa”, e não um mero atributo de objetos feitos de matérias-primas preciosas (p. VII-15) – e que são reluzentes.

Após essa passagem em revista das pesquisas sobre os termos relacionados ao esplendor e à irradiação, especialmente associados ao divino, observamos que, em meio a esse vocabulário mormente formado por substantivos e adjetivos, derivados ou não de raízes verbais, aparece uma raiz que tem sido comumente traduzida no campo semântico do esplendor: šrh / šarāhu. Contudo, do mesmo modo que esses estudos prévios o fazem para os outros vocábulos, as nuances dessa palavra foram pouco estudadas. Ao nosso ver, a qualificação pela raiz šrh se refere a um fenômeno que ultrapassa e que é realçado, algo incomum, e que se liga a uma base material e luminosa. Os fenômenos luminosos, bem como seus efeitos e qualificações, precisam ser enquadrados num conjunto de referências a princípio utilizado de modo abstrato para qualificar coisas, mas que tem uma conexão material.

no contexto das Inscrições Reais Assírias

Neste artigo, lançaremos mão de uma seleção de exemplos após levantamento completo nas Inscrições Reais Assírias (IRA), dentre cerca de 180 ocorrências da raiz šrh.7 Os exemplos trazidos aqui são representativos das categorias em que o verbo e suas derivações se enquadram.

Com relação às fontes, as IRA foram exumadas sobretudo de construções monumentais das capitais assírias e datam do segundo e do primeiro milênio a.C. Elas contêm narrativas das principais conquistas dos reis assírios, especialmente relacionadas aos feitos militares e às construções monumentais, ambas precedidas por epítetos e titulações da realeza e sucedidas por fórmulas destinadas às futuras gerações e aos deuses. Por meio das IRA, nós observamos: 1) quem é o rei e por que lhe é dado o comando; 2) o que e como o rei conquista, destrói e recebe tributos e espólios, como consequência de suas ações militares; 3) o que e como o rei (re)constrói e faz oferendas adequadas aos deuses; e 4) como as gerações futuras devem cuidar de suas inscrições.

Geralmente, na segunda metade de inscrições mais longas, as quais foram feitas em suportes materiais maiores (como cilindros e prismas), descrevem-se os projetos de construção monumental. A descrição dos projetos de construção, principalmente palácios e templos, tem função literária, servindo para destacar a grandeza das conquistas de construções – que envolviam também a obtenção difícil de matérias-primas prestigiosas – e a originalidade em superar as ações de soberanos prévios, bem como para mostrar a magnificência em dedicações de todos os feitos alcançados pelos reis.

As ocorrências de šrh nas IRA começam a aparecer durante o período Médio Assírio (sécs. XIV-XI a.C.). A palavra é usada para qualificar positivamente deuses, reis e rainhas, construções monumentais e suas propriedades, tais como paredes, portas, soquetes, tetos, decorações, estátuas de deuses, patamares para os tronos e portais. Esses objetos incomuns parecem ser valorizados tanto pelo emprego de matérias-primas preciosas, como metais e pedras, como pela habilidade artesanal empregada.8 Por outro lado, pessoas, como os inimigos dos assírios, e suas ações podem ser pejorativamente qualificadas pela palavra. Ambos os casos servem para caracterizar uma qualificação, seja visualmente como “esplendor, magnificência”, ou em termos de caráter ou comportamento, que por sua vez têm o sentido positivo de “orgulho”, ou o sentido negativo de “presunção”.

Outrossim, šrh é atestada nas IRA em diferentes padrões ou sistemas de base verbal da língua acadiana: G (verbos ativos, sentido básico) e D (conotação de fazer a ação expressa por um verbo no sistema G). No sistema G, nós encontramos os adjetivos verbais (šarhu/šaruhtu, CAD Š-2, p. 61-3), o infinitivo Gt (šitrahu/šitarhu, usado como adjetivo, cf. CAD Š-3, p. 133-4) e o particípio Gt (muštarhu, CAD M, p. 192; 286-7).9 Já no sistema D, nós encontramos a forma finita do pretérito (ušarrih/Dt uštarrih) e o infinitivo D (šurruhu, CAD Š-3, p. 360-1), usado adjetivalmente. A forma nominal no sistema D, tašrihtu (CAD T, p. 295-6), ocorre mormente para descrever algum tipo de oferenda, relacionada ou não a algum tipo de festival. Por fim, temos as formas šutarruhūtu (um substantivo derivado do sistema Dt, “glorificação, louvor”, CAD Š-3, p. 398) e šutarruhu (forma do estativo no sistema Dt, traduzido como adjetivo “exaltado”).

A forma finita no sistema D ušarrih é aplicada a coisas, no sentido de “fazer algo esplêndido”, “fazer algo esplendidamente”, ou “fazer algo resplandecer”, forma que somente ocorre na descrição de projetos construtivos nas IRA. Nessas seções, há menções a matérias-primas de destaque, seja por sua preciosidade, seja por alguma de suas propriedades físicas.

As nuances de šrh foram agrupadas em quatro tipos de ocorrências: formas finitas no sistema D em seções de construção (grupo A1); formas finitas no sistema D e Dt fora de seções de construção (grupo A2); formas não-finitas, adjetivais e nominais, seja dentro (grupo B1) e fora de seções de construção (grupo B2).

Esses grupos incluem uma variável importante de ser distinguida dentre as ocorrências de šrh: seções de construção são blocos textuais em que o significado implica: a lida com objetos ou matérias-primas (prestigiosas), como tipos de pedras e metais; as ações de construção, que são expressas por verbos específicos (construir, completar, alargar, aumentar, tornar perfeito, decorar, adornar etc.); e as partes construídas (muros, paredes, portas, tetos etc.). Então, um contraste entre a ocorrência de šrh em seções de construção e fora delas é útil em termos do exame das nuances das palavras usadas dentro da esfera temática da construção, para descrever ações e coisas construídas.

A1) Formas finitas no sistema d em seções de construção

No período Médio Assírio, há ocorrências de formas finitas de šrh no sistema D (ušarrih) a partir das inscrições do reinado de Tiglath-Pileser I (1114-1076).10 Elas aparecem entre outros verbos:11 (w)sm (D ussim, “fazer adequado”);12 rṣp (G, “erigir, construir”); kll (šuklulu, “fazer completo, integral, completar, aperfeiçoar”). Nós observamos que aparecem matérias-primas utilizadas para construção, assim como elementos que emitem luz (nesse caso, as estrelas).

col. vii l. 99i-ga-ra-te-šu ki-ma ša-ru-ur
col. vii l. 100ṣi-it MUL.MEŠ ú-si-im
col. vii l. 101aú-šèr-riḫ
Decorei e fiz resplandecer suas paredes como o brilho das estrelas ascendentes. (RIMA 2 A.0.87.1 vii 99-101a)

l. 65bÉ.GAL-la šu-a-ti i-na GIŠ.e-re-ni
l. 66ù GIŠ.bu-uṭ-ni ar-ṣip ú-šék-lil ú-šèr-riḫ ú-si-im
Construí, completei, decorei e fiz resplandecer esse palácio com cedro e terebinto. (RIMA 2 A.0.87.4 65b-66)13

l. 86biš-tu uš-še-ša a-di gaba-dib-bi-┌ša┐
l. 87[ar-ṣi]-ip UGU maḫ-re-e ú-šèr-ri-iḫ ú-si-im
Construí (esse palácio) de cima a baixo (e o) decorei e fiz resplandecer mais do que antes. (RIMA 2 A.0.87.10 86b-87)14

No período neoassírio (sécs. X-VII a.C.), nós vemos, a partir das inscrições de Adad-nerari II (911-891), a cadeia usual rṣp + kll + (w)sm + šrh (RIMA 2 A.0.99.2 37b).15 Nas inscrições de Assurnasirpal II (883-859), nós atestamos šrh D (ušarrih), nas frases do tipo “Eu (re)construí (o palácio / o muro / o templo) de cima a baixo”, mas o verbo ocorre excepcionalmente,16 já que tais frases aparecem mais com rṣp e kll. Outrossim, ušarrih ocorre ou em dupla com (w)sm,17 ou com ’(“fazer”), rṣp, kll, izuzzu (“levantar, erigir”).18 Entre essas ocorrências, mencionam-se materiais de construção, como tipos de pedra e metais.

l. 58bú-ma-am KUR.MEŠ-e
l. 59u A.AB.BA.MEŠ šá NA4.pe-li BABBAR-e u NA4.pa-ru-te DÙ-uš ina KÁ.MEŠ-šá ú-še-zi-iz ú-si-im-ši ú-šar-riḫ-ši
l. 60asi-kat kar-ri ZABAR al-me-ši
Fiz (imagens de) animais das montanhas e mares em pedra branca e alabastro-parūtu [pa-ru-te]; levantei(-as) em suas portas [do palácio]; decorei-as e as fiz resplandecer; revesti-as com apliques de bronze. (RIMA 2 A.0.101.2 58b-60a)

Duas ocorrências mencionam, respectivamente e com a forma ušarrih, a frase “Eu fiz (algo) resplandecente”: a base (da estátua) do deus Ninurta19 e as imagens/estátuas de deuses em templos, esses também decorados.20

Dentre três atestações da forma finita de šrh nas seções de construção das inscrições do período de Senaqueribe (704-681),21 uma delas refere-se às qualidades do arsenal (ēkal māšarti), com o uso da raiz rb’ (“ser, tornar-se grande, fazer maior”, sistema Š), seguida de uma segunda sentença com kll + šrh.

l. 85bÉ.GAL ma-šar-ti ma-gal ú-šar-bi ú-šá-ak-lil-ši
l. 86aú-šar-ri-iḫ-ši
Eu fiz (esse) arsenal extremamente amplo. Eu o fiz completo e resplandecente. (RINAP 3/1, 34 85b-86a)

Nas inscrições do reinado de Senaqueribe, uma das três atestações de forma finita de šrh (ušarrih) é precedida por uma sentença contendo ’. No excerto, aparece também a menção a nabnītu (“aparência”), que entendemos como referência ao aspecto visual dos objetos descritos.22 Há também a menção à pedra calcária branca (pīlu peṣû) como matéria-prima.

l. 29’’NA4.pi-i-lu pe-ṣu-ú ša i-na
l. 30’’er-ṣe-et URU.ba-la-ṭa-a-a in-nam-ru a-na dALAD.d[LAMMA.MEŠ] ù MUNUS.[ÁB.ZA.ZA-a-te]
l. 31’’aú-še-piš-ma nab-ni-ta-šu-un ú-šar-ri-iḫ
Eu mandei fazer a pedra branca, que foi encontrada no território (da cidade) de Balātāya, em colossos e esfinges e fiz resplandecer sua aparência. (RINAP 3/2, 40 29’’-31’’a)23

Nas inscrições de Esarhaddon (680-669), o verbo šrh (forma ušarrih) aparece em dois contextos diferentes.24 Nós observamos num deles nossa palavra com o verbo šaqû (“elevar”).25

col. iii l. 3ṭup-pi za-ku-ti-šú-nu
col. iii l. 4eš-šiš áš-ṭur
col. iii l. 5UGU ša u4-me pa-ni
col. iii l. 6ú-šá-tir ú-šar-bi
col. iii l. 7ú-šaq-qí ú-šar-ri-iḫ
Eu escrevi novamente o tablete de suas isenções [tributos] ... Eu (as) fiz maiores do que antes; eu (as) fiz elevar e resplandecer. (RINAP 4, 57 iii 3-7)

Em um segundo contexto, descreve-se o processo de construção de templos. Nossa palavra aparece, ao lado das menções a matérias-primas e aspectos visuais, em meio a outras palavras interessantes. No primeiro excerto mais longo, menciona-se “propriedades” (nabnītu) que, juntamente com a primeira ocorrência de ušarrih, foi traduzida como “Eu adornei suntuosamente suas propriedades...”, o que em nossa leitura é uma opção de tradução, ao lado de “Eu fiz resplandecer suas propriedades...”. Na sentença seguinte, são mencionados “ornamentos magníficos” e “joias preciosas”. Por fim, ainda no mesmo excerto, esses elementos “adornam grandemente” – e aqui é a segunda ocorrência de ušarrih – as imagens divinas no templo e dão a elas um “vigor admirável” (bal-tú ú-šag-li-du, galātu Š, “tremer, assustar”) e as fazem “brilhar como o sol” (usando o verbo nabāṭu, “ser, tornar-se brilhante”).

r. l. 88bgat-tu ina ṣa-ri-ri ru-uš-še-e nab-nit a-ra-al-li e-per šad-di-šú ú-šar-ri-ḫa nab-nit-sún ti-iq-ni MAḪ.MEŠ šu-kut-tu a-qar-tú
r. l. 89 ki-šad-su-un ú-taq-qin-ma ú-ma-al-la-a GABA-su-un mim-mu-udEN GAL-u dAMAR.UTU ina lìb-bi-šú ib-šu-u ub-la ka-bat-ta-šá šá šar-rat dNUMUN-DÙ-ti
r. l. 90ṣa-al-me DINGIR-ti-šú-nu GAL-ti UGU šá u4-me pa-ni nak-liš ú-ba-áš-ši-mu ma-diš ú-šar-ri-ḫu bal-tú ú-šag-li-du ú-šá-an-bi-ṭu GIM dUTU-ši
Eu fiz resplandecer suas formas [de imagens de divindades] com ouro-ṣāriru [ṣa-ri­-ri] vermelho, criação do monte Arallu [a-ra-al-li] e minério de sua montanha. (Com) adornos magnificentes e joias preciosas decorei seus pescoços e cobri seu peito, tudo o que existia no interior do grande senhor Marduk (e que) a rainha Zarpanitu desejou. Eles proveram e fizeram resplandecer hábil e grandemente as imagens de sua grande divindade. Eles (as) fizeram com vigor admirável e (as) fizeram brilhar como o sol. (RINAP 4, 48 r. 88b-90)

No segundo excerto, encontramos šrh próximo à menção a “(fazer) um objeto de maravilhamento” (anatabrat), o que é também, ao nosso ver, uma referência a aspectos visuais.

col. iii l. 37é-sag-gíl
col. iii l. 38É.GAL DINGIR.MEŠ
col. iii l. 39a-di eš-re-e-ti-šú
col. iii l. 40ul-tu uš-še-šú
col. iii l. 41a-di na-bur-ri-šú
col. iii l. 42eš-šiš ar-ṣip
col. iii l. 43[ú]-šak-lil
col. iii l. 44ša u4-me pa-ni
col. iii l. 45ú-šar-bi ú-šaq-qí
col. iii l. 46ú-šar-ri-iḫ
col. iii l. 47ki-ma ši-ṭir bu-ru-um-me
col. iii l. 48ú-ban-ni-šú
col. iii l. 49a-na tab-rat
col. iii l. 50kiš-šat UN.MEŠ
col. iii l. 51la-la-a
col. iii l. 52uš-mal-li
Eu reconstruí e completei Esagil, palácio dos deuses, com seus santuários, de cima a baixo. (O) fiz maior do que antes, (o) levantei, (o) fiz resplandecer; o fiz belo como as estrelas (lit. a escrita) do céu. Fiz completar com esplendor para admiração de todo o povo. (RINAP 4, 106 iii 37-52)26

Similarmente a ocorrências de Assurnasirpal II neste grupo, šrh D aparece na descrição do processo de decoração do templo de Esagil (com ouro e prata) em uma seção de construção de inscrição de Esarhaddon, mas aplicada à qualificação de “ritos sagrados”.

col. vi l. 13par-ṣi é-sag-íl
col. vi l. 14qa-áš-du-tu ana KI-šú-nu
col. vi l. 15ú-ter UGU šá u4-me pa-na
col. vi l. 16ma-aʾ-diš ú-šar-ri-iḫ
Eu restaurei os ritos sagrados de Esagil (e) os fiz mais esplêndidos do que antes. (RINAP 4, 105 vi 13-16)27

Finalmente, nas inscrições de Assurbanipal, nós vemos o uso de ušarrih com outros verbos [rṣp + rpš (“ampliar, alargar, aumentar”) + šrh]:

col. x l. 97UGU šá maḫ-ri šu-bat-su ú-rap-piš ú-šar-ri-ḫa ep-še-te-e-šú
Mais do que antes, fiz ampliar sua fundação e fiz resplandecer sua obra. (RINAP 5/1, 11 x 97)

Os três próximos exemplos têm sentido similar. No primeiro, também aparece a menção à “forma, aparência” (nabnītu), que em nosso entendimento se refere ao aspecto visual da construção; no segundo, há uma conexão de šrh + kll com uma partícula, potencialmente criando um acoplamento verbal28 e, no terceiro, há a menção à quantidade de metal diretamente empregada na decoração – pelo uso do sumerograma GUN = biltû, “talentos” – na decoração de estátuas.

r. l. 10’UGU [ša u4]-me pa-ni ú-šá-tir
r. l. 11’ú-šar-ri-iḫ nab-ni-su
Mais do que antes, (o) fiz alargar e fiz resplandecer sua aparência. (RINAP 5/1, 61 r. 10’-11’)

r. l. 57SAG LUGAL-ti-ia É.KUR šú-a-tú a-na si-ḫir-ti-šú ú-šar-ri-[iḫ-ma ú]-šak-lil
No começo de minha realeza, eu fiz resplandecer e aperfeiçoei aquele templo em sua totalidade. (RINAP 5/1, 207 r. 57)

r. l. 64[ina] 30 GUN gat-ta-šú-nu ap-ti-iq ú-šar-ri-iḫ [si]-ma-a-ti
Eu moldei suas formas com 30 talentos (e) fiz resplandecer (suas) características. (RINAP 5/1, 207 r. 64)

Em um outro excerto, šrh D no pretérito ocorre sozinho, num contexto de menção ao emblema e base do trono de Ištar.

col. ii l. 20si-mat DINGIR-ti-šá GAL-ti ú-šar-ri-iḫ
col. ii l. 21ú-še-šib-ši ina BÁRA.MAḪ-ḫi
col. ii l. 22šu-bat da-ra-a-ti
Eu fiz resplandecer o emblema de sua grande divindade e a fiz sentar no trono, sua habitação eterna. (RINAP 5/1, 10 ii 20-22)29

A2) Formas finitas nos sistemas D e DT, fora de seções de construção

Há três ocorrências30 idênticas na apresentação do rei Assurnasirpal II em que aparece a forma ušarrih. Destaca-se que são também atestadas outras palavras com sentido de irradiação, como šalummatu (“irradiação”) e melammu/melemmu (“irradiação deslumbrante”), formando um contexto de uso de šrh dentre outras palavras com sentido relativo a um aspecto ou fenômeno visual.

col. i l. 26b[...] šá-lum-ma-at GIŠ.TUKUL.MEŠ-šú me-lam EN-ti-šú UGUMAN.MEŠ-ni
col. i l. 27ašá kib-rat 4-i ú-šar-ri-ḫu-šú
[...] (e) o fez resplandecer mais do que os reis dos quatro cantos (em relação a) a irradiação de suas armas e o deslumbrar de seu domínio. (RIMA 2 A.0.101.1 i 26b-27a)

Nas inscrições de Assurbanipal II, ušarrih aparece em outro contexto, traduzido por “glorificar”.

col. i l. 9ina UKKIN lu-li-me zi-kir MU-ia ú-šar-ri-ḫu
col. i l. 10ú-šar-bu-ú LUGAL-ú-ti
Eles glorificaram a menção ao meu nome na assembleia dos príncipes (lit. cervos [o animal]) (e) engrandeceram minha realeza. (RINAP 5/1, 3 i 9-10)

B1) Formas não-finitas, adjetivais e nominais em seções de construção

Nas inscrições de Assurnasirpal II, nós vemos šrh, agora em sua forma não-finita (tašrihtu), como o nome de um festival “Esplendor” (RIMA 2 A.0.101.30 73b-74).31 Além disso, aparece como šitrahu, forma do sistema Gt utilizada como adjetivo, que se refere ao símbolo “resplendente” da deusa Ištar, em um contexto com menções a outras matérias-primas.

l. 11bina pi-it GEŠTU.II.MEŠ ḫa-si-si ina ḫi-šiḫ-ti DINGIR.MEŠ GAL.MEŠ šá ÁGA-ni dLAMMA-at dINANNA NIN-a šá ina pa-an la-a GÁL-[ú] DINGIR-sa GAL-tum lu ú-šar-riḫ
l. 12ina du-muq NA4.MEŠ ṣa-ri-ri ù KÙ.GI ḫuš-še-e lu ab-niš ina BÁRA- šá a-na da-ra-te [ina] lìb-bi lu ad-di É.KUR ši-i ú-si-im ú-šar-riḫ GIŠ.ÙR.MEŠ
l. 13GIŠ.e-re-ni šit-ra-ḫu-ti ina UGU-šá lu ú-kín GIŠ.IG.MEŠ GIŠ.e-re-ni ṣi-ra-te in KÁ.MEŠ-šá ú-re-te UR.MAḪ.MEŠ ek-du-[te] šá NA4.pi-li
l. 14aBABBAR-e e-pu-uš ina KÁ-šá ú-še-ziz
Com a sabedoria (e) compreensão dos grandes deuses, que me amam, eu fiz resplandecer o símbolo, sua grande divindade, de Ištar, minha senhora, como nunca existiu. Eu criei (o símbolo de Ištar) com pedras finas, ouro fino e ouro vermelho. Eu coloquei (sua) base do trono para a eternidade. Eu decorei e fiz resplandecer esse templo. Eu posicionei as esplêndidas toras de cedro. Eu instalei importantes portas de cedro no portão. Eu construí (estátuas de) leões selvagens de pedra (calcária) branca; no seu portão eu (as) erigi. (RIMA 2 A.0.101.32 11b-14a)

Uma atestação de šarhu (forma adjetiva no sistema G) nas inscrições de Senaqueribe é uma qualificação de uma área do palácio, sobre seu “esplendor”.32 Há também ocorrências idênticas da forma nominal tašrihtu recorrentemente utilizadas para qualificar oferendas (nīqu tašrihtu “oferenda(s) esplêndida(s)”) ao final de seções de construção, as quais são mais atestadas nas inscrições de Esarhaddon e Assurbanipal II.33

Ainda nas inscrições de Senaqueribe, há duas atestações de šurruhu em que aparece a menção de um tipo específico de metal (chamado cobre-urudû) e sua qualidade brilhante (expressa pela palavra namru, “brilho, luzir”).

col. vii l. 4[...] ù 12 UDU.MEŠ šad-di dLAMMA
col. vii l. 5pi-ti-iq ú-ru-de-e nam-ri
col. vii l. 6ša gat-tu šur-ru-ḫu šuk-lu-lu mi-na-a-ti
[...] (E eu fiz) doze colossos de ovinos montanhosos de cobre-urudû brilhante moldado que são esplêndidos em forma, completos em dimensão. (RINAP 3/1, 16 vii 4-6)

Uma forma excepcional aparece nas inscrições de Senaqueribe: šrh como um advérbio (šerhiš), para qualificar os detalhes de um portão, feito com metais preciosos.

r. l. 17[a]-na KÁ.GAL šu-a-ti áš-ṭu-ru-┌ma┐ [...] KÙ.BABBAR KÙ.GIZABARše-er-ḫiš
r. l. 18aul-ziz ú-nu-ut
Eu inscrevi (os detalhes da cena) nesse portão e esplendidamente o erigi em prata, ouro (e) bronze. (RINAP 3/2, 160 r. 17-18a)

Por fim, šurruhu aparece nas inscrições de Assurbanipal II.

col. i l. 54’a-na šuk-lul DINGIR-ti-šá ṣir-ti
col. i l. 55’šur-ru-ḫi mi-se-e-šá šu-qu-ru-u-ti [...]
Para completar (o emblema) de sua divindade exaltada e para glorificar seus ritos valiosos de culto [...] (RINAP 5/1, 6 i 54’-55’)

B2) Formas não finitas, adjetivais e nominais, fora de seções de construção

Nós observamos outras palavras com a mesma raiz šrh usadas como adjetivo, principalmente para qualificar o rei e divindades. Nas inscrições de Tiglath-Pileser I, a forma šurruhu aparece na descrição do rei e, interessantemente para nosso escopo, ele é também qualificado com palavras relacionadas à luminosidade (ūmu napardû “dia radiante”, e novamente melammu “brilho”), ao lado da própria atestação de šurruhu para qualificar o substantivo nablu (“chama”).

col. ii l. 40b[...] u4-mu né-par5-du-ú
col. ii l. 41ša me-lam-mu-šu UB.MEŠ ú-saḫ-ḫa-pu
col. ii l. 42anab-lu šur-ru-ḫu [...]
(Tiglath-Pileser I) [...] dia radiante, cuja irradiação envelopa as regiões, chama esplêndida [...] (RIMA 2 A.0.87.1 i 40b-42a)34

Nas inscrições de Salmanasar III (858-824) e Šamši-Adad V (823-811),35 o rei e divindades são descritos com as formas šarhu, šitarhu/šitrahu (em RIMA 3 A.0.102.5 i 5b-6a) e šurruhu (“esplêndido” vice-regente / sacerdote do deus Aššur, por exemplo, em RIMA 3 A.0.102.28 3b; 56 2-3a).

col. i l. 10[...] LUGAL KUR.KUR.MEŠ šar-ḫu [...]
[...] rei magnificente das terras [...] (RIMA 3 A.0.102.2 i 10)

l. 3b[...] qar-dišar-ḫu gít-ma-lu [...]
[...] herói esplendoroso e valente [...] (RIMA 3 A.0.102.19 3b)

col. i l. 6dMAŠ dan-dan-nu geš-ru SAG.KAL DINGIR.MEŠ ši-tar-ḫu
[...] (deus) Ninurta, forte e poderoso, esplêndido preeminente dentre os deuses [...] (RIMA 3 A.0.102.6 i 6)

l. 1[ana dU].GUR dan-dan-ni MAḪ SAG.KAL ši-tar-[ḫu ...]
(Ao deus) Nergal, poderoso, exaltado, esplêndido preeminente [...] (RIMA 3 A.0.102.2001 1)

col. i l. 5b[...] ma-am-li
col. i l. 6šit-ra-ḫi ša la im-ma-ḫa-ru [...]
[...] o herói, o esplêndido cuja força não pode ser igualada [...] (RIMA 3 A.0.103.1 i 5b-6)

col. i l. 16b[...] IBILA
col. i l. 17šit-lu-ṭu šá ina bu-ru-mi KÙ.MEŠ šur-ru-ḫu
col. i l. 18agiš-gal-lum [...]
[...] herdeiro triunfante, cuja posição é resplendente no céu estrelado puro e brilhante [...] (RIMA 3 A.0.103.1 i 16b-18a).

Em três linhas consecutivas de uma inscrição de Adad-nerari II, nós observamos duas formas excepcionais: além da forma finita de šrh Dt,36 nós vemos šutarruhūtu (um substantivo, traduzido na edição como “glorificação, louvor”) e šutarruhu (traduzido como o adjetivo “exaltado”).37 Nas inscrições de Adad-nerari II e Adad-nerari III (810-783), šrh aparece em algumas descrições: sobre o rei (com šurruhu, “Eu sou magnificente”, Adad-nerari II RIMA 2 A.0.99.2 14); sobre o deus Adad (com šarhu: “[...] qar-du šar-ḫu / gít-ma-┌lu [...]”, “[...] o herói esplêndido, perfeito [...]”, Adad-nerari III RIMA 3 A.0.104.6 1b-2a); sobre uma estátua antropomórfica de Nabû (com šitrahu: “[...] IGI.GÁL šit-ra-ḫu [...]”, “[...] sábio (e) esplêndido [...]”, Adad-nerari III RIMA 3 A.0.104.2002 1).

Nas inscrições de Assurnasirpal II, vemos šrh em forma adjetival (adjetivo G šarhu e infinitivo D šurruhu). Além disso, todas as outras ocorrências aparecem nas aberturas das inscrições, qualificando o deus Ninurta (šarhu, “esplêndido”) ou o próprio rei (šarhu ou šurruhu, “esplêndido, magnificente, magnânimo”).

Em Senaqueribe, šušruhu (no sistema Š, traduzida por “fazer magnífico, fazer resplandecer”) aparece relacionada a uma adoração ao deus Assur: “[...] ta-nit-[ti] / qar-ra-du-ti-šú šu-uš-ru-ḫu gi-mir ab-ra-a-ti [...]”, “[...] que toda a humanidade faça resplandecer o louvor a seu heroísmo [...]” (RINAP 3/2, 230 108b-109a). Notamos a forma adjetiva no sistema G šarhu para descrever uma divindade (provavelmente Aššur) no início de uma inscrição (“[...] šar-ḫu gít-ma-lu [...]”, “[...] esplêndido, perfeito [...]”, RINAP 3/2, 161 4). Como contraponto, a forma šarhu ocorre para qualificar positivamente o deus Marduk ou algum templo (numa passagem fragmentada, RINAP 4, 48 r. 106), assim como šitrāhu e šurruhu aparecem numa descrição fragmentária do rei Esarhaddon (com [Eu sou] “esplêndido” – ou “glorioso” –, “orgulhoso”, RINAP 4, 101 r. 2’-3’). Outrossim, formas adjetivas (šitrahtu, šaruhtu, fem. de šarhu, e šurruhu) qualificam deuses e deusas nas dedicações encontradas nas aberturas das inscrições: a deusa Nanāya, que é filha esplêndida de Anu (šit-ra-ah-ti, RINAP 4, 135 1-2a); deusa Rainha-de-Nippur, que é esplêndida dentre os deuses (šá-ru-uḫ-tu DINGIR.MEŠ, RINAP 4, 128 1); deusa Ištar, esplêndida (šá-ru-uḫ-ti, RINAP 4, 133 1); e Ištar de Uruk, “[...] cujas palavras são esplêndidas no céu e no mundo inferior [...]” (“[...] ša ina er-me a-nu ù ki-gal-li šur-ru-ḫu zik-ru-šá [...]”, RINAP 4, 134 3b).38

Nesse mesmo grupo e nesse mesmo contexto, observamos šarhu / šaruhtu (šaruhtum ilātu, “esplêndida das deusas”, RINAP 5/1, 23 1) e šitrāhu (qualificando outra divindade como esplêndida, RINAP 5/1, 62 2).

Considerações finais

Algumas atestações de šrh e suas traduções como “fazer resplandecer” são encontradas em contextos textuais de atividades de construção, nas quais matérias-primas, mormente preciosas, são mostradas como um dispositivo ideológico, destacando o poder do rei em trazê-las e construir algo com elas. Argumentamos que no mesmo contexto e pelo seu uso, šrh contém uma conotação material, no sentido de se referir às matérias-primas e suas qualidades na descrição de construções, que são também mencionadas pelo seu brilho. O sentido de šrh não é estritamente redutível a um fenômeno luminoso, mas o “esplendor” das coisas qualificadas está relacionado a um aspecto luminoso, realçado pela menção a alguma matéria-prima específica e às suas propriedades.

Então, considerando nosso interesse no campo semântico de šrh nas IRA, as ocorrências atestadas sobretudo nas seções de construção significam ações envolvendo matérias-primas valorizadas. Por sua vez, esses materiais são qualificados por suas propriedades (físicas), tais como brilho e irradiação, e, por consequência, são relacionados a efeitos luminosos. Portanto, devido a essa cadeia de correlação no uso de šrh, nós acreditamos que sua nuance (e tradução) como “esplendor” e derivados tem um significado material e luminoso.

A implicação de se estudar esse campo semântico é multifacetada: permite compreender aspectos relacionados à visualidade (percepção visual, seus modos e conteúdo, a importância desse sentido para portar uma mensagem relevante de poder e autoridade); reconhece o valor positivo da luz, especialmente em um nível incomum e realçado, assim como os aspectos relacionados ao modo em que reis, deuses e suas imagens são qualificados. Fazer resplandecer as divindades e suas imagens implica o sentido de luminosidade, materialmente marcada, e por sua vez revela concepções do divino no antigo Oriente Próximo.

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Notas

1 Abreviaturas para as Inscrições Reais Assírias: The Royal Inscriptions of Mesopotamia, Assyrian Periods (RIMA): RIMA 1 = Grayson (1987); RIMA 2 = Grayson (1991); RIMA 3 = Grayson (1996). Royal Inscriptions of the Neo-Assyrian Period (RINAP): RINAP 1 = Tadmor e Yamada (2011); RINAP 3/1 = Grayson e Novotny (2012); RINAP 3/2 = Grayson e Novotny (2014); RINAP 4 = Leichty (2011); RINAP 5/I = Novotny e Jeffers (2018). CAD para os volumes do Chicago Assyrian Dictionary project. A segunda parte deste artigo foi iniciada durante meu estágio de pesquisa no exterior, que contou com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, processo n. 19/16055-5). Agradeço à Martin Worthington, meu supervisor na University of Cambridge, pelas leituras críticas e comentários sucessivos e pelo estímulo em submeter este manuscrito. Os eventuais equívocos são obviamente meus. A parte introdutória e a redação final do artigo foram realizadas e concluídas durante a vigência da bolsa regular de pós-doutorado da FAPESP (processo n. 18/13540-7).
2 Lembramos que a consoante transliterada š é uma consoante fricativa palatoalveolar surda (ʃ). Quando numa palavra, é pronunciada como “ch” em português, como em “chapéu”.
3 Isto é viável devido aos esforços de equipes de assiriólogos(as) em tornar acessíveis grandes volumes de textos cuneiformes em bases de dados digitais, que complementam e melhoram o trabalho filológico. Nós nos beneficiamos aqui desse trabalho. Todas as ocorrências citadas são baseadas nos The Open Richly Annotated Cuneiform Corpus (ORACC) Projects (http://oracc.museum.upenn.edu/projectlist.html). Para o projeto RIAo: Royal Inscriptions of Assyria online, veja http://oracc.museum.upenn.edu/riao/. Já para o projeto RINAP: Royal Inscriptions of the Neo-Assyrian Period, veja http://oracc.museum.upenn.edu/rinap/. Consultas em notas e em outros detalhes foram feitas nas edições publicadas das IRA (RIMA 1, 2, 3; RINAP 1, 3/1, 3/2, 4).
4 Cassin, no primeiro capítulo da obra, dialoga com a contribuição de Oppenheim (1943), que relaciona plh e melammu à região da cabeça e dos olhos, como uma espécie de máscara ou capuz, potencialmente associado a um disfarce, o que Cassin vê como uma analogia ao pensamento grego entre prosopon e persona (p. 11). Cassin rejeita a ideia de que melammu ou puluhtu sejam equivalentes à máscara, mas considera que haja uma ênfase de melammu à região da cabeça.
5 O volume no qual a contribuição de Benzel está incluída trata especificamente da materialidade e da agência do divino sobretudo na Mesopotâmia. Destacamos o capítulo de Pongratz-Leisten e Sonik (2015), que situa o debate em torno dos modos de se entender a agência e a materialidade do divino.
6 Pongratz-Leisten e Sonik (2015, p. 11-12) lembram as propriedades divinas atribuídas a matérias-primas excepcionais, quando discutem a noção de presença em imagens divinas: “[...] a escolha de uma madeira exótica particular para o corpo de uma estátua divina, assim como o revestimento de sua face e mãos com ouro e prata e a incrustação de pedras semipreciosas para seus olhos, habilitam a animação da estátua ou imagem de culto na Mesopotâmia, não somente sinalizando ou refletindo, mas também (em algum grau) estabelecendo ou criando seu status ou qualidade de autoridade para a presença do divino” (p. 12).
7 Durante a preparação do manuscrito, e já tendo sido realizado o levantamento das ocorrências nas inscrições reais, foi publicada a edição das inscrições de Sargão II, que não foram pesquisadas para a elaboração dessas notas.
8 Veja Winter (2003) sobre as menções à habilidade e ao artesanato associadas ao valor de um produto, ou seja, a engenhosidade como valor inerente do objeto em textos sumérios. Similarmente, veja Winter (2008) sobre vocabulário e descrição, de cunho ideológico, relativos ao conhecimento requerido, habilidade e especialidade sobre feitos construtivos, sendo um “conhecimento como índice de liderança régia” (p. 333) e a produção habilidosa como parte da valorização estética e cultural.
9 A forma muštarhu somente ocorre ao longo da seção de apresentação, para descrever inimigos, ou seja, é principalmente empregada com conotação pejorativa. Não trataremos da forma muštarhu em nossa análise, que não varia significantemente entre as inscrições. Também com sentido pejorativo, há a forma finita no sistema Dt pretérito uštarrih (uštarrah presente), em duas ocorrências: RINAP 5/1, 3 v 1; 6 viii 2’’’-3’’’. Nas inscrições de Esarhaddon, e fora de seção de construção, vemos šrh com conotação pejorativa, similar ao significado de muštarhu, na forma šurruhu em RINAP 4, 1 i 24-5.
10 Em quase todas as inscrições anteriores a Tiglath-Pileser I (as dele inclusas) nas quais aparece uma ocorrência de šrh, ela é atestada na forma muštarhu.
11 É preciso destacar que o sentido da cadeia de verbos pode ser entendido de modo adverbial numa espécie de hendíase verbal ou, conforme a terminologia assiriológica, construção Koppelung. Geralmente, nessas construções, o primeiro verbo funciona como um advérbio em relação ao segundo. Contudo, como se pode constatar pelas edições e traduções em língua inglesa, esse entendimento geral não é a regra e encontraremos a palavra de raiz šrh traduzida adverbialmente mesmo quando ela não ocorre na primeira posição num acoplamento sequencial de verbos. Ou seja, há dificuldade de identificação de construções acopladas mesmo quando as condições teóricas são atestadas (mesmos sujeito e objeto(s) sintático e mesmo tempo verbal). Parte dos excertos trazidos aqui é de situações mais prováveis de acoplamento, que, sobretudo, são entendidos nas edições das IRA como construções acopladas. No entanto, optamos por traduzir em alguns casos em separado, como dois ou mais verbos conjugados.
12 Parte do campo semântico de (w)sm contempla a materialidade da forma e da aparência (CAD, A2, p. 328-9).
13 Similarmente em RIMA 2 A.0.87.5 7’b-8’a, sem a menção a materiais de construção.
14 Num texto fragmentado (RIMA 2 A.0.87.12 31’), pode haver uma exceção com šrh + rd’ (“adicionar”).
15 A partir de Adad-nerari II, šrh passa a terminar a sequência de verbos, sendo precedido por (w)sm. Outra mudança ocorre e torna-se permanente: a partir do período neoassírio, vemos a mudança da vogal ‘e’ para ‘a’ na forma finita no sistema D, ou seja, de ušerrih (forma do período Médio Assírio) para ušarrih.
16 Por exemplo, RIMA 2 A.0.101.1 ii 3b-4a.
17 Por exemplo, RIMA 2 A.0.101.1 ii 85. A combinação (w)sm + šrh, precedida por uma sentença com izuzzu, é atestada, por exemplo, em RIMA 2 A.0.101.2 58b-60a.
18 Por exemplo, com izuzzu + (w)sm + šrh: RIMA 2 A.0.101.26 61-63a; rṣp + (w)sm + šrh: RIMA 2 A.0.101.30 81b-84; ’+ (w)sm + šrh: RIMA 2 A.0.101.35 8b-9a; rṣp + kll + (w)sm + šrh: RIMA 2 A.0.101.17 ii 9b-10. Nas inscrições de Salmanasar III (858-824): rṣp + kll + (w)sm + šrh (RIMA 3 A.0.102.10 iv 48b-50a). Com Tukulti-Ninurta II (890-884), nas frases típicas “(re)construí de cima a baixo; decorei e fiz resplandecer mais do que antes”, com šrh entre rṣp, kll e (w)sm (por exemplo, RIMA 2 A.0.100.2 r. 3’b-5’a).
19 RIMA 2 A.0.101.1 ii 135.
20 RIMA 2 A.0.101.30 64b-67a, com a menção a ouro vermelho e pedras cintilantes (abnū ebbū). Cf. Thavapalan (2018, p. VII-18), “ouro avermelhado era preferível para representações (ṣalmu) de deuses, não por causa de sua composição material, mas porque a cor era tida como a de tipo mais fino de luz divina”. Nas linhas precedentes, com relação à refundação de templos, há menções ao emprego tanto de toras de cedro nos tetos, como de bandas de bronze e imagens nas entradas.
21 Antes do reinado de Senaqueribe, há somente duas atestações nas inscrições de Tiglate-Pileser III (744-727): a forma ušarrih seguida por ‘(RINAP 1, 47 r. 25’b) e a forma šurruhu (ana ṣurruh ... abni-ma ussima: “para esplendidamente construir e decorar...”, RINAP 1, 47 r. 27’). Veja Tadmor e Yamada (RINAP 1, p. 124, nota de rodapé em rev. 27’) sobre a forma ṣurruh, provavelmente um equívoco na escrita.
22 A palavra nabnītu foi traduzida como “aparência”, mas também pode significar “forma, formato, figura”, ao lado de seu sentido geral como “criação”, derivado da raiz bn’.
23 Outro caso é a inscrição fragmentada que menciona “santuários feitos esplêndidos” (com ušarrih + rb’: ú-šar-bu-u ú-šar-ri-ḫu; RINAP 3/1, 190 6). É difícil defini-la se dentro ou fora de uma seção de construção, já que é uma inscrição curta. Consideramo-la, ao menos, uma descrição de construção.
24 Também nas inscrições de Esarhaddon, encontramos passagens semelhantes que mencionam uma construção completada de “cima a baixo”, ou das fundações ao topo. As sentenças trazem rṣp + kll, mas com outra combinação de palavras: lulû (“abundante, esplendor” < lalû) e malû (“ser, tornar-se cheio, completo, completar, preencher”), que pode significar “preencher com esplendor” (por exemplo, RINAP 4, 1 vi 35-6). Por sua vez, lulû + malû ocorre de maneira similar, com a ênfase “Eu preenchi (os portões) com esplendor, (tornando-os) objeto de admiração de todo o povo” (a-na tab-rat kiš-šat UN.MEŠ lu-le-e uš-mal-li, por exemplo, RINAP 4, 77 55). A palavra tabrītu pode ser traduzida como “aparência, avistamento”.
25 Na edição em inglês da inscrição optou-se pela tradução de šrh como “glorify”.
26 Na tradução em inglês, optou-se por traduzir ušarrih como “glorify”.
27 Veja também RINAP 4, 106 iii 29-52.
28 Veja nota 11.
29 Nota-se que a edição em inglês optou pela tradução de šrh como “refurbish”. Interessantemente, essa inscrição começa com descrições de construções (templos, estátuas e outros objetos), depois passa ao relato de campanha(s) militar(es) e, antes das dedicatórias finais, descreve outro processo de reconstrução (da casa para o cerimonial de ano novo, akītu).
30 Cronologicamente, atestamos a primeira ocorrência de šrh Dt (uštarih) em uma inscrição do período de Adad-nerari II (RIMA 2 A.0.99.2 75b-77a), a qual é tratada no grupo B2 devido a outras formas não finitas em seu entorno.
31 A forma tašrihtu também é traduzida como “glorificação”.
32 RINAP 3/1, 34 65-66a.
33 No entanto, mesmo sendo passagens similares, uma introdução diferente no trecho nos faz considerar as ocorrências de tašrihtu nas inscrições de Esarhaddon como fora de seções de construção.
34 Note as palavras napardû, melemmu e nablu, que ocorrem com šurruhu e, em nossa leitura, compartilham o mesmo sentido de brilho e irradiação.
35 Os excertos que aparecem no começo da inscrição de Šamši-Adad V (RIMA 3 A.0.103.1) mencionam diferentes palavras relacionadas a aspectos visuais e luminosos como qualidades dos deuses descritos: col. i l. 8: šūpû, “fazer, tornar aparente, resplandecente”; col. i l. 11: Šamaš nūr ilāni, “Šamaš, luz dos deuses”, com nūru (luz); col. i l. 12b-14a: uršāni / ilāni ša namrīri šitpuru / malû pulhati, “guerreiro dos deuses, que é envolto em brilho (e) cheio de deslumbramento irradiante”, com namrīru (brilho) e puluhtu (deslumbramento irradiante).
36 Veja nota 30.
37 RIMA 2 A.0.99.2 75b-77a
38 A edição de Leichty da RINAP 4 (2011) opta por “whose words are pre-eminent in heaven and netherworld”. Contudo, considera, conforme indicado numa nota de rodapé, uma outra possibilidade: “whose names are splendid in heaven and netherworld”.
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