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O Monumento de Antakya: a geografia política de Ḫamat e Arpad/Bīt-Agūsi no norte do levante entre os anos 806/805 e 796 A.E.C.

The Antakya Monument: the political geography of Ḫamat and Arpad/Bīt-Agūsi in Northern levant between the years 806/805 and 796 B.C.E.

João Batista Ribeiro Santos
Universidade Metodista de São Paulo, Brasil

O Monumento de Antakya: a geografia política de Ḫamat e Arpad/Bīt-Agūsi no norte do levante entre os anos 806/805 e 796 A.E.C.

Classica - Revista Brasileira de Estudos Clássicos, vol. 35, núm. 1, pp. 1-16, 2022

Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos

Recepción: 07 Julio 2021

Aprobación: 18 Diciembre 2021

Resumo: O conflito circunstancial entre os reinos de Hamat e Arpad/Bit-Agusi se transformou em um problema regional porque ocorreu em rotas de acesso para o sul do Levante, região de territórios independentes sobre a qual a Assíria visava implementar seu sistema provincial. Por isso, a solução para o conflito diz respeito à estrutura imperial criada pela Assíria no antigo Oriente-Próximo. O monumento é representado como um agente social ou índice aramita que funda um novo programa político diante dos assédios do império neoassírio. Esta pesquisa tem por objetivo expor o monumento de Antakya na geografia política do norte do Levante. Na exposição historiográfica do monumento, será destacada a geografia política da qual Hamat e Arpad/Bit-Agusi faziam parte, assim como as antigas integrações culturais no vale do Orontes, visando analisar o conflito causado pela demarcação das bordas.

Palavras-chave: Guerra no mundo antigo, estela de Antakya, Hamat, Bit-Agusi, Assíria.

Abstract: The circumstantial conflict between the kingdoms of Hamath and Arpad/Bit-Agusi turned into a regional problem because it occurred on access routes to the southern Levant, a region of independent territories on which Assyria intends to implement its provincial system. Therefore, the solution to the conflict concerns the imperial structure created by Assyria in the ancient Near East. The monument is represented as a social agent or Aramaean index that founds a new political program in the face of the sieges of the Neo-Assyrian empire. This research aims to expose the Antakya monument in the political geography of northern Levant. In the monument’s historiographical exposition, the political geography of which Hamat and Arpad/Bit-Agusi were part will be highlighted, as well as the ancient cultural integrations in the Orontes valley, aiming to analyze the conflict caused by the demarcation of the borders.

Keywords: War in the ancient world, Antakya stela, Hamath, Bit-Agusi, Assyria.

Introdução contextual ao monumento de Antakaya

Esta pesquisa1 se situa geograficamente no vale do Orontes, uma região disputada pela Assíria2 contra os aramitas autóctones,3 com atestação em anais e nas crônicas assírias da época do reinado de Aššurnaṣirpal II (883-859).4 Desde então, as fontes mostram que os reis Aššurnaṣirpal II e Shalmanasar III (Šulmānu-ašaridu, 858-824) buscaram informações sobre a localização, topografia e moradores da região. No entanto, os interesses e a presença relativamente efetivos da Assíria no norte do Levante foram inaugurados pela dinastia de Tiglat-pileser I (Tukultī-apil-Ešarra, c. 1114-1076) no século inicial da Idade do Ferro, após o colapso da Idade do Bronze e ocaso do Reino Novo hitita, que controlava toda a região síria de Patina ou Palistin (Pattinu) – uma referência geográfica ao reino neo-hitita de ˤUnqi,5 a noroeste da cidade de Hadrak –,6 a partir de Kunulua,7 a capital.

Com efeito, o controle assírio do vale do Orontes se deve a Aššurnaṣirpal II. De acordo com Anne-Renée Castex (2016, p. 208), Aššurnaṣirpal II foi o primeiro rei a organizar uma expedição para atravessar o rio Eufrates em direção à cidade-Estado de Karkamish,8 dirigiu suas guarnições ao território do reino de Bit-Agusi9 e em seguida acessou as cidades fenícias. O rei marcou a sua presença com algumas operações que fizeram parte do programa político do império neoassírio com seu filho Shalmanasar III e foram sistematizadas no século VIII, tais como as deportações e o recolhimento de tributos em forma de objetos de arte, metais e animais.

Por volta de 803/802, ano da morte deHazael,10 rei que unificou o reino de Aram-Damasco, Zakkur (c. 803-780)11 usurpou o trono na cidade-Estado deHamat12 e, ao controlar em seguida a cidade-Estado de Luhuti,13 passou a governar sobre um reino unificado entre Hamat e Luhuti. Ele se apresenta, em sua inscrição monumental, como um homem de ‘Anah e que Baalshamayin,14 quando o fez reinar sobre aquelas importantes cidades-Estado, acrescentou-lhe a cidade de Hadrak. Baseado na ausência de indícios tanto na estela de Zakkur quanto na estela de Antakya,15 no período em que antecedeu o processo de estabelecimento de vassalagem imposto pela Assíria aos reinos do Levante, os eventos de êxito essencialmente militar não interessaram nem a Damasco,16 onde já reinava Bar-Hadad II (c. 803/796-775/770),17 filho de Hazael, nem a Karkamish, governado pelo rei Kamani (c. 800). Essa desatenção política inicial em relação ao poderio mesopotâmio não isolou as arbitragens assírias dos eventos de política regional.

Na identificação de territórios incorporados coletivamente, outra constatação importante diz respeito à geografia dos reinos levantinos. Por essa época, o assim chamado “reino de Aram”, ou simplesmente “Aram”, foi, como lembrado por Guy Bunnens (2016, p. 265-6), uma designação tribal associada a várias casas reais ou elites governantes, que, para além da grandeza étnica, exerciam poderes locais. O nome aplica-se ao reino de Bit-Agusi no reinado de Bar-Hadad II, como consta na estela de Milqart,18 assim como se refere à cidade-Estado de Damasco, como consta na estela de Zakkur. Os usos da expressão dirigidos a entidades políticas, como ocorre na Bíblia Hebraica (BHS), dizem respeito ao pequeno reino de Aram-Ṣobah e à cidade-Estado de Damasco.

O início do assédio à cidade de Hadrak coincidiu com a ascensão de Bar-Hadad II ao trono em Damasco e com o avanço militar contra essa cidade por guarnições do império neoassírio lideradas pelo rei Adad-nerari III (Adad-nērārī, 810-783). Historicamente, a Assíria encontrava-se nos começos de seu declínio, em relação à forte expansão dos anos 880-830 (cf. Mieroop, 2020), mas pragmaticamente foi quando se estabeleceu a política de domínio territorial no Levante e em Urartu.19 No contexto desses acontecimentos, o avanço para a costa levantina proporcionou o início do sistema de vassalagem e reestruturação de Estados títeres nos quais a economia passava a ser controlada por meio de tributação. Em seguida, acrescentou-se o processo de provincialização naquelas regiões, além das refundações por meio de deportações e assentamentos cruzados como medidas para integrar as cidades controladas ao projeto de construção de uma estrutura imperial.

Nesse sentido, a ausência de Damasco no conflito regional envolvendo Hamat e Bit-Agusi, agora com sua capital na cidade deArpad,20 foi motivada pelo fato de Hamat e Bit-Agusi terem liderado uma malograda coalizão contra a Assíria entre 805 e 803. O malogro resultou num processo de tributação das cidades envolvidas pela Assíria. Diante disso, Damasco, o inimigo de Hamat, preparou-se para resistir ao assédio da máquina de guerra do império neoassírio. Por outro lado, a disputa por limites externos no vale do Orontes entre dois reinos anteriormente aliados reflete a instabilidade causada pela intensa urbanização na região.

O monumento de Antakya

Monumento de Antakya (Trustee Hatay Archaeology Museum, Antakya).
Figura 1
Monumento de Antakya (Trustee Hatay Archaeology Museum, Antakya).

1)mdIŠKUR-ÉRIN.TÁḪ MAN GAL MAN KAL MAN ŠÚ MAN KUR [AŠ]1–3) Adad-nērārī, grande rei, rei poderoso, rei do universo, rei da terra de Aššur, filho de Šamšī-Adad, rei poderoso, rei do universo, rei da terra de Aššur, filho de Šulmānu-ašaridu, rei dos quatro quadrantes [da terra].
2) A mšam-ši-10 MAN dan-nu MAN ŠÚ MAN KUR aš-<>šur
3) A mdšùl-ma-nu-MAŠ MAN kib-rat 4
4) [ta]- ḫu-mušáinabir-timza-ku-ri KUR ḫa-ma-ta-a-a4–8a) A borda que Adad-nērārī, rei da terra de Aššur, [e] Šamšī-ilu, o comandante-chefe (turtānu), estabeleceram entre Zakkur (mza-ku-ri), da terra de Ḫamat, [e] ˤAttār-šumkī (ma-tar-šúm-ki), filho de Adrāmu (Abi-rāmu): A cidade de Naḫlasi junto com todos os seus campos, seus pomares [e] seus assentamentos são [a propriedade] de ˤAttār-šumkī. Eles dividiram o rio Orontes entre eles.
5) [(u ina) bir]-tima-tar-šúm-ki A mad-ra-mum10-ÉRIN.TÁḪ MAN KUR AŠ mšam-ši-DINGIR LÚ tar-ta-nu
6) [iš-ku]-nu-ni URU na-aḫ-la-sia-di A.ŠÀ.MEŠ-šú GIŠ.KIRI6.MEŠ-šú
7) [u d]i-ma-ti-šúgab-bešá ma-tar-šúm-ki šu-tú ÍD ar-am-túina bi-ri-šú-nu
8) [ú-šam]-ši-lu-ma i-zu-zu mi-ṣir NAM A m10-ÉRIN.TÁḪ MAN KUR AŠmšam-ši-DINGIR [LÚ]
8b) Esta é (NAM.A) a borda.
9) [tar]-ta-nu ú-za-ki-ú-ma a-na ma-tar-šum-ki A mad-ra-mua-na DUMU.MEŠ-šú
9–11a) Adad-nērārī, rei da terra de Aššur, Šamšī-ilu, o comandante-chefe (turtānu), liberaram, livre e claro para ˤAttār-šumkī, filho de Adrāmu, para seus filhos e seus subsequentes netos. Esta cidade [e] seus territórios [...] até a borda de sua terra que ele estabeleceu.
10) [DU]UM.DUMU.MEŠ-šú EGIR.MEŠ ki ri-mu-ti i-ri-mu URU-šúta-ḫu-ma-ti-šú
11) [x x] a-na mi-ṣir KUR-šúú-kín MU aš-šur dIŠKURu dbe-erdBADaš-šur-ú
12) [dNIN.LÍ]Laš-šur-tú MU d30 a-šib URU.KASKAL-ni DINGIR.MEŠ GAL.MEŠ11b–19) Pelo nome do deus Aššur, deus Adad e deus Ber, o assírio, deus Enlil, o assírio, o assírio [Mullišš]u, e o nome Sīn, que mora em Ḫarran, os grandes deuses [da t]erra de Aššur: quem depois disso falar mal dos termos deste monumento, e tirar à força esta borda da posse de ˤAttār-šumkī, seus filhos ou seus netos, [e] destruir o nome escrito [e] escrever outro nome: [Aššur], deus Adad, e deus Ber, Sīn, que mora em Ḫarran, os grandes deuses da terra de Aššur [cujos] nomes estão gravados [neste] monumento, não ouvirão as suas orações.
13) [šá K]UR aš-šur man-nu EGIR-ú šá pi NA.RÚ.A šú-a-tú
14) [ú]-šam-sa-ku-ma mi-ṣir an-na-a TA qa-at ma-tar-šúm-ki
15) [DUMU].MEŠ-šú u DUMU.DUMU.MEŠ-šú inadan-na-ni e-ki-mu
16) [(x)] [ú(?)] šu-mu šaṭ-ri i-pa-ši-ṭa MU šá-nam-mai-šaṭ-ṭar
17) [aš-šur] dIŠKUR udbe-er d30 a-šib URU.KASKAL DINGIR.MEŠ GAL.MEŠ šá KUR AŠ
18) [šá ina] NA.RÚ.A an-né-e MU-šú-nu zak-ru
19) [í]k-ri-bi-šúul i-šá-mu-ú Tradução com transcrição e configuração do autor.
Transcrição do documento real acadiano de Veysel Donbaz (1990, p. 7).

A definição das bordas ou fronteiras geográficas

A cidade de Naḫlasi junto com todos os seus campos, seus pomares [e] seus assentamentos são [a propriedade] de ˤAttār-šumkī. Eles dividiram o rio Orontes entre eles. (Linhas 6-8a).

A inscrição monumental21 destaca a arbitragem operada por Shamshi-ilu (Šamšī-ilu), comandante-chefe (turtānu) do rei Adad-nerari III,22 ocorrida no vale do Orontes para afixar a borda entre o reino de Bit-Agusi, cuja capital passa a ser Arpad, governado pelo rei Attar-shumki I (ˤAttār-šumkī),23 e o reino unificado de Hamat e Luhuti, governado pelo rei Zakkur. Stefania Mazzoni (2014, p. 692) destaca que a estela, escavada em Pazarcık, narra a campanha de guarnição assíria comandada pelo mesmo Shamshi-ilu contra Damasco e a derrota de Attar-shumki I. Isso demonstra que a posição inicial da Assíria em favor de Arpad/Bit-Agusi teve por objetivo restringir os limites internos de Damasco e, em seguida, controlar os reinos vizinhos. As localizações geográficas das cidades controladas pelos pequenos reinos continuaram se movendo (“fronteira”) conforme a intensidade dos conflitos, sejam entre si, sejam por intervenção da Assíria.

Impondo a sua autoridade em uma rede de cidades onde se reestruturaram socioetnias luwiano-aramitas herdeiras do Reino Novo hitita – as novas barreiras dos acessos ao Mediterrâneo –, a Assíria passou a organizar o norte do Levante em reinos autônomos. As culturas de mobilidade dos dois reinos levantinos atestam a existência de antigas “fronteiras naturais” que permitiam a interação social entre eles, não obstante as diferentes autoridades políticas. O conflito militar derrubou os marcos – a estela de Antakya o indica – e a questão passou a ser impedir que as bordas se transformassem em núcleos imperiais. Tanto para Hamat quanto para Arpad/Bit-Agusi ficam garantidos o controle dos recursos materiais e a administração dos recursos humanos,24 num modelo de subjugação de pequenos reinos assimilado da época de Aššurnaṣirpal II e de Shalmanasar III. De acordo com Liverani (cf. 2017, p. 179-83), esses reis constroem palácios para governadores e organizam a administração em capitais de reinos aramitas subjugados ao longo do rio Orontes.

Mapa de territórios semitas ocidentais do noroeste do Levante, veja Antakya na costa (Bagg, 2019)
Figura 2
Mapa de territórios semitas ocidentais do noroeste do Levante, veja Antakya na costa (Bagg, 2019)

As relações políticas dos pequenos reinos, inclusive de longo curso geográfico, podem estar na origem de conflitos internos; mas, quanto ao que diz respeito à Assíria, os conflitos tinham origem nas resistências das forças de defesa de grandes cidades. Há exemplo no leste do rio Eufrates, no contexto da sucessão de Adad-nerari III, em que Shamshi-ilu teve de rumar com sua guarnição para o reino de Urartu, pois a expansão territorial dos urarteus comandada pelo rei Sarduri II, rei de Biainili (Urartu), estava ameaçando a influência da Assíria no norte do Levante e na Anatólia (cf. Bryce, 2012, p. 168; Castex, 2016, p. 210). Mais tarde, os fortes ataques de Tiglat-pileser III (Tukultī-apil-Ešarra, 744-727) contra esse território montanhoso a nordeste do rio Tigre levou-o, em seguida, a pactuar com reinos sírios como Bit-Agusi (cf. Mieroop, 2020, p. 284).

A maneira em que ocorreram os contatos varia, mas é possível atestar a admiração dos assírios pelos aramitas, de acordo com Marc van de Mieroop (2020, p. 289): os assírios chegaram a copiar elementos arquitetônicos de palácios sírios e relevos de ortostato reais de estilo neo-hitita colocados em portas e muros. Portanto, a tributação imposta por Shalmanasar III aos fragmentados Estados que sobreviveram ao colapso do Reino Novo hitita no Levante foi fundamental para a incorporação de territórios independentes por Tiglat-pileser III, sendo que o reino de Hamat permaneceu resistindo a esse processo de incorporação provincial.

Matthieu Richelle (2019) nota que praticamente nada mudou em mais de meio século, conforme as listas de Tiglat-pileser III. Antes, porém, o rei assírio Ashur-dan III (Aššur-dān, 772-755), desconsiderando o pacto de vinte e cinco anos atrás firmado por Adad-nerari III, lançou seguidos ataques contra Hadrak nos anos de 772, 765 e 755, e contra Arpad/Bit-Agusi, em 754. Beneficiado pela fragilização militar de Arpad/Bit-Agusi em torno do ano 760 – agora governado pelo rei Mati‘-’El25 e transformado em Estado vassalo nessa época em que o vale do Orontes fora integrado ao império neoassírio (cf. Younger, 2016, p. 536-37; Castex, 2016, p. 211) –, Hamat recuperou territórios entre 750 e 738.26 Nesse ano de 738, Tiglat-pileser III impôs o regime de vassalagem sobre Hamat após as sucessivas campanhas de 742, 741 e 740. Nesse ano de 740, o território de Arpad/Bit-Agusi foi incorporado ao sistema provincial neoassírio e, em 732, foi a vez de Hamat ser incorporada a esse sistema.27 Em uma operação de guerra, o rei Sargon II (Šarru-kīn, 721-705) transformou Hamat na província de Ḫamattu, com divisões administrativas nas cidades de Ṣubutu e Manṣuāte,28 entre Sidon29 e Damasco.

O conflito envolvendo Ḫamat e bĪt-agŪsi no cruzamento de interesses do Império Assírio

Mapa de territórios siro-anatólios com suas capitais (Osborne, 2013)
Figura 3
Mapa de territórios siro-anatólios com suas capitais (Osborne, 2013)

O fato de Bit-Agusi localizar-se em rota de fácil acesso para a Anatólia e para o oeste, nas rotas para o Mediterrâneo, fazia desse reino uma entidade em constante conflito com a Assíria, desde o reinado de Aššurnaṣirpal II, sendo logo transformado num reino importante pela capacidade político-militar de incorporar ao seu território cidades do entorno. Arpad, uma dessas cidades, teve seu nome ligado ao reino. Mieroop (2020, p. 293) afirma que essa cidade se adequou à unificação das casas reais em Arpad/Bit-Agusi. As causas do rápido desenvolvimento, a atividade constante das milícias de guerra em estratégias de conquista de povos vizinhos, qualificaram esses aramitas a resistirem por algumas décadas ao assédio assírio, novamente atraído pelas riquezas naturais da região.

Em relação à importância administrativa do reino, ela se deve aos êxitos de Attar-shumki I. Ele iniciou seu reinado em Arpad na última década do século IX e, em seguida, tornou-se muito poderoso por liderar uma coalizão de oito reis para resistir ao assédio das guarnições comandadas por Adad-nerari III e sua mãe, Semíramis (Sammu-ramat). O conflito teve origem com a coalizão liderada por Arpad para a guerra contra a cidade-Estado de Kummuh.30 Essa guerra ficou conhecida como “batalha de Paqarḫubuni”,31 no Alto Eufrates, entre Kummuh e Gurgum no leste da Anatólia. O rei assírio “teria sido chamado a socorrer Ušpilulume, rei de Kummuḫ” (Dušek, 2019, p. 175). A guerra foi reproduzida na “estela de Pazarcık” (Bryce, 2012, p. 166).

As guerras no norte do Levante não se assemelham na forma de legitimação com as guerras praticadas pelo império neoassírio, como instrumento de realização da vontade divina (ina emūqida-šur, “pelo poder de Aššur”). No conflito envolvendo Hamat e Arpad/Bit-Agusi, o emprego dos conceitos nos quais estão relacionadas as guerras – “guerra santa” e “guerra justa” – não se aplica. Nesse caso levantino, quem decidiu o resultado do conflito foi a Assíria, num quadro complexo de política regional. O aspecto religioso também pertence à Assíria; posicionar-se como árbitro num conflito no qual a cidade-Estado de Hamat é superior e esteve sempre envolvida em coalizões contra Shalmanasar III, nas bordas de Damasco, revela a estratégia de Adad-nerari III em incorporar ao deus Aššur, em nome de quem atua, os territórios não transformados em reinos vassalos por seu antecessor. Em qualquer ângulo de verificação, estaremos diante de uma guerra justa na perspectiva assíria.

Com a fase de descoberta ou fase de exploração geográfica superada, desaparecem os limites no sentido de mapa mental e com espaço dinâmico, mas surge borda (pāṭu) afixada por estela fronteiriça e de fundação (kudurrû), para usar categorizações aludidas por Liverani (2017, p. 51-3). Aloquemos na cidade um elenco de bens: arrecadação de impostos, distribuição de sementes e ferramentas, a comercialização de animais e das colheitas, o acesso às terras férteis do mar Mediterrâneo e do rio Orontes, assim como a possibilidade de controle de portos e navegação. Todas essas riquezas atraíam as disputas quando a estrutura da administração já se encontrava em funcionamento. A pressuposta ausência de comissários nas bordas transformou a cena ambiental. Então, o palco ficou preparado para o império, com o ganho de que nesta periferia inexistiam a hostilidade do povo, das terras inacessíveis e dos animais ferozes.32 Assim, à medida que avançava com suas guarnições, o rei deixava relativizado qualquer conceito de borda ou fronteira, porque as fronteiras externas eram transformadas em núcleos imperiais sob a proteção de Aššur. Como observado por Liverani acerca da intervenção de Adad-nerari III:

O rei assírio assume a função de estabelecer e garantir as bordas entre os reinos “vassalos”: isso se aplica no caso da borda estabelecida por Adad-nirari III e seu turtānu Šamši-ilu, a borda entre o reino de Hama e aquela de Arpad, a borda entre Kummuḫ e Arpad, e a borda confirmada por Šamši-ilu para Kummuḫ no tempo de Shalmanasar IV. (Liverani, 2017, p. 52, trad. nossa).

No entanto, afora o acontecimento (o fato puro monumentalizado pela lonjura histórica e pela impossibilidade de reconstrução) que reúne o conjunto de eventos da circunstancialidade, dimensionado pela presença da Assíria, em cuja intervenção ficou evidente sua finalidade de desobstruir as rotas para a costa do Levante, os tratos externos não nos parecem simples como postula Liverani (2017, p. 52-4). Os bens materiais que foram enunciados acima requerem jurisdição local. Com a borda estabelecida por arbitragem, ficaram invalidada a borda natural e proibidos para os dois reinos vizinhos, Hamat e Arpad/Bit-Agusi, quaisquer alargamentos territoriais.

Essa arbitragem entre dois reinos sírios ocorrida numa cidade distante dezenas de quilômetros ao norte de Arpad/Bit-Agusi, segundo John David Hawkins (2016a, p. 188), foi um evento do ano de 805. Considerando a rápida operação, o pedido de socorro de Ušpilulume fornece evidência para caracterizá-lo como “cliente da Assíria”; logo, na perspectiva assíria, a cidade de Gurgum estava na mesma condição de Damasco, Hamat e Urartu, i.e, inimiga do império neoassírio e de seus aliados.

A complexidade do quadro político, em decorrência da constante mudança de aliados e inimigos, tem reflexo na geografia. A meu ver, duas mudanças são resultado de duas campanhas militares: a primeira “contra os reis de Hatti”33 liderada por Attar-shumki I e a segunda, contra Damasco, que as referências nas crônicas assírias sugerem ser a campanha “contra Manṣuāte”,34 localizada no reino de Hamat e distante 45 quilômetros desta capital.

Em suma: em 805, Attar-shumki I de Arpad/Bit-Agusi liderou uma coalizão de oito reis de cidades-Estado contra o rei Ušpilulume de Kummuh e ameaçou temporariamente a soberania assíria na região. Depois, em 796, o rei Zakkur de Hamat enfrentou uma coalizão de cidades lideradas por Bar-Hadad II de Damasco na qual se aliaram Bar-Guš (provavelmente Bit-Agusi), Qu’e (Quwe; Adanawa), ˤUnqi (Patina ou Palistin), Gurgum, Sam’al (norte da Síria), Melid (Malatya, leste da Anatólia) e outras cidades cujos nomes não foram preservados. Esses nomes preservados talvez fizessem parte do pacto firmado no ano de 805 contra Kummuh. Entre os anos de 805 e 796, ocorreu uma mudança no arco de alianças: Zakkur, o antigo aliado da Assíria, foi trocado por um antigo inimigo, Attar-shumki I.35

Faz parte do plano de fundo dessa inversão de agentes sociais pró-Assíria o ataque de Zakkur em 796 contra Hadrak, cidade integrada ao reino de Arpad/Bit-Agusi entre o rio Orontes e a bacia do Mediterrâneo. Dessa forma, fica compreensível a parcialidade em favor de Attar-shumki I e, portanto, a anexação de terras agriculturáveis antes pertencentes a Hamat e agora destinadas, pela arbitragem conduzida por Adad-nerari III, ao novo aliado Arpad/Bit-Agusi. Essa decisão responde em grande parte pela transformação na mapografia do norte do Levante em uma década, demonstrando que a intervenção militar trazia em suas guarnições mais do que a intenção de estabilizar as relações entre aqueles dois reinos.36 As relações conflituosas entre importantes reinos aramitas são circunstanciais, porque trazem consigo uma tradição de alianças desde a coalizão de doze reis contra a Assíria na guerra de Qarqar (Ḳarḳar) no ano de 853. Nos postulados de Bryce (2012, p. 249), “o ataque pode, por exemplo, ter sido provocado pela incorporação de Luash por Zakur ao seu reino, gerando preocupações na região de que ele poderia tentar expandir seus territórios ainda mais às custas de seus vizinhos, Damasco e Arpad em particular”.

A campanha assíria avançou aos territórios sírios entre 806/805 e 803 e foi repetida em 796; os assédios, segundo Castex (2016, p. 210), restauraram a autoridade assíria naqueles territórios. No quadro político, a batalha de Paqarḫubuni ocorreu quando a Assíria encetou um programa de restauração da sua soberania, que se encontrava em contestação. Assim como em relação à geografia do norte do Levante – os movimentos vitais das cidades-Estado estavam em expansão, as elites administrativas unificando-se e as tribos37 sendo transformadas em pequenos reinos –, os nomes de reis suscitam-nos problemas identitários. Na estela de Milqart, o rei se identifica, numa reconstrução literária da inscrição, como “Bar-Hadad, filho deAttar-shumki”. Apesar das dúvidas suscitadas pelos fragmentos da estela e suas interpretações acerca da identificação da cidade, é possível confirmar que seria Bar-Hadad II e que este não era um “rei de Aram”, i.e, não reinava em Damasco, mas em Arpad/Bit-Agusi (cf. Younger, 2016, p. 535). Assim, duas estelas, uma em inscrição aramaica, a estela de Milqart, e outra em inscrição cuneiforme, a estela de Antakya, atestam a presença de dois reis com nomes idênticos em Damasco e Arpad/Bit-Agusi no início do século VIII.

Interpretando a geografia política

O rei assírio Adad-nerari III operou a arbitragem do conflito envolvendo o estabelecimento das bordas no noroeste do Levante, entre o rio Orontes e a bacia do Mediterrâneo, no ano de 796. Há quem defenda que as bordas teriam por marcos as cidades de Hamat, no rio Orontes, e Arpad/Bit-Agusi (cf. Younger, 2016, p. 485), no Alto Eufrates e rota estratégica para a Anatólia, uma mapografia geográfica de longo curso.

Persiste o debate envolvendo o registro de concessão das terras. O testemunho material desses eventos levaria ao local e ano de ereção da estela, o que resolveria criticamente o pressuposto de que o ano de atividade de Shamshi-ilu teria sido 787/786, sendo estabelecido como governante da realeza em Til-Barsip,38 antiga cidade levantina de origem hitita conquistada por Shalmanasar III (cf. Zwickel, 2019, p. 281; Younger, 2016, p. 356-62). Com efeito, Zakkur não mais reinava sobre Hamat e assim fica justificado o fato de ele não ser mencionado na estela de Antakya. Resta insolúvel, sobretudo, a questão acerca dos critérios adotados para a cessão territorial: a cidade de Arpad teria sido cedida pelo rei assírio a Zakkur de Hamat, mas Arpad está na zona do reino de Bit-Agusi, próximo a Antakya, nas margens do rio Orontes.

Para uma dimensão de trajetórias da fonte, a estela foi erigida por Adad-nerari III no ano de 796, na borda entre as cidades de Hamat e Arpad/Bit-Agusi; baseado na descrição de cessão de terras férteis a Attar-shumki I (cf. Dušek, 2019, p. 176), no entroncamento com a cidade deNahlasi39 e acessível à cidade de Luhuti. Em escavações arqueológicas na região, o artefato foi encontrado próximo ao rio Orontes, 1,5 quilômetro da cidade de Antakya.40 Em relação ao ano de ereção da estela, Richelle (2019, p. 217), a partir da interpretação do que ele chama de “atitude positiva dos assírios para com Arpad”, tem sugerido o ano de 800, sem coincidir necessariamente com a posse de Shamshi-ilu como governante local e antes da batalha de Hadrak, evento de 796. Entretanto, tomando por base histórica as crônicas assírias, como já o enunciei, o ano de 796 é a datação mais provável.

Em relação às localizações, elas podem ser incertas, a depender do período, por causa das rápidas mudanças em decorrência do que já fora designado acima de movimentos vitais dos grupos populacionais da região. Outros problemas consistem na imprecisão quanto à subordinação real, deciframento dos topônimos, localização e limites das cidades, além dos vínculos confusos para as gerações dinásticas. Aliás, este último problema foi mencionado por Jan Dušek (2019, p. 177): “um desses ‘reis de Arpad’, subordinado ao rei de Arpad, pode ter sido Bar-Hadad, filho de Ataršumki, rei dos aramitas, que dedicou uma estela com uma inscrição em aramaico a Milqart perto de Aleppo”.

A estela descreve a afixação dos limites territoriais do rio Orontes, estabelecidos pelo rei assírio e seu comandante-chefe, a fim de resolver a disputa entre Zakkur de Hamat e Attar-shumki I de Arpad/Bit-Agusi. “O rei assírio atribuiu o território da cidade de Naḫlasi com seus campos, jardins e assentamentos ao rei de Arpad” (Dušek, 2019, p. 175), numa deferência legítima, porque Attar-shumki I era chamado de “senhor do rio Orontes” e porque ele se tornou um aliado da Assíria. Sobre a importância histórica da estela de Antakya, Richelle (2019, p. 217) afirma que ela “é o primeiro documento a registrar explicitamente a determinação de uma fronteira”.

Enfim, as bordas entre os dois reinos estavam situadas a oeste de Kunulua, capital de ˤUnqi, que em inscrição luwiana referia-se a Patina ou Palistin. Não se descarta a possibilidade de o território de Arpad/Bit-Agusi ter alcançado o oeste de Hadrak, local de escavação da estela de Zakkur e até então cidade pertencente ao reino de Hamat, na época de reinado de Zakkur. A delimitação é razoavelmente aceitável pelo fato de Zakkur reinar apenas sobre Hamat. O reconhecimento da grandeza dessa cidade chegou ao sul do Levante: uma memória hebraica (BHS) de um antigo escriba israelita, após uma inquirição qualitativa na qual os limites internos de Israel Norte são equiparados em extensão a Hamat,41 em contexto histórico dos conflitos causados pela crise econômica e pelo avanço ao vale do Jordão das guarnições de Damasco, na época do reinado de Jeroboam II (Yārābә‘ām ben-Yō’āš, 783-743), confirma a liderança política de Hamat em relação aos reinos do sul do Levante entre os séculos IX e VIII.

Abreviações

ARRIM – Annual Review of the Royal Inscriptions of Mesopotamia Project

BCBO – Biblioteca de Ciencias Bíblicas y Orientales, Madrid

BHS – Biblia Hebraica Stuttgartensia

CHANE – Culture and History of the Ancient Near East, Leiden

CoS – The Context of Scripture

JAA – Journal of Anthropological Archaeology

MC – Mesopotamian Civilizations, Pennsylvania State University

ORA – Orientalische Religionen in der Antike, Tübingen

SBLABS – Society of Biblical Literature Archaeology and Biblical Studies, Atlanta

Referências

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Notas

1 Sou agradecido aos dois pareceristas anônimos (elas/eles) que aprovaram a publicação como prioridade alta, especialmente os comentários e sugestões no corpo do texto me auxiliaram em questões de abordagens de fontes. Sobretudo, agradeço à editora, Profa. Charlene Martins Miotti, pelo cuidado editorial.
2 Sempre que for referida a entidade política grafarei “Assíria” (KUR da-šur, “Terra do deus Ashur”); quando disser respeito ao deus tutelar assírio, será grafada a transcrição da grafia acádia, Aššur (daš-šur).
3 Os povos de Aram (hebraico: ’Ărām), identificados no noroeste do Levante e na Alta Mesopotâmia, aparecem em anais assírios do final do século X e início do século IX como aḫlamû ou aḫlām; a partir do século VIII, esses povos passam a ser designados por “aramita”; “arameu”, nos usos anglo-saxônicos “aramean” ou “aramaean”. Em transcrição do assírio: Ar-ma-a-a, arimi, a-ra-me. Sobre isso, cf. Younger (2016).
4 As datações usadas nesta pesquisa são informadas por K. Lawson Younger (2016) e Marc van de Mieroop (2020). As traduções de textos e transcrições de nomes são do autor; em algumas situações das transcrições de nomes, foi consultada a obra de Younger (2016).
5 Grafa-se também ‘Mq e ˤUmq, reino localizado no norte da Síria.
6 Há várias transcrições para o nome dessa cidade. Aramita: Ḥaḍrak, Ḥazrek, Ḥazrak; assírio: Ḫatarikka; atual ’, Tell ’Apis ou Tell Afis.
7 Atual Tell Ta‘yinat.
8 Karkamiš, cidade síria do Alto Eufrates; em transcrição do acádio: Gar-ga-miš-a-a.
9 O nome dessa cidade do norte sírio tem recebido várias transcrições latinas, sempre como “casa” ou “reino”: Bīt-Agūsi, Bēt-Gūš, Bar-Guš, Bit-Aguši.
10 Há várias transcrições para o nome desse rei aramita: hebraico: Ḥăzāh’ēl; assírio: Ḫa-za-a-a; Ḫaza-il, Ḫazā’ili. Em relação ao reinado, a datação permanece muito disputada: c. 844-803; c. 843-802; c. 845-800.
11 Em transcrição do assírio: mza-ku-r[i].
12 Em transcrição do assírio: URU. Ḫa-ma-ti, atual Tell Ḥama.
13 Em transcrição do assírio: Luḫuti; aramaico: L‘š ou Lu‘aš. A cidade-Estado de Luhuti, como pertencente a Zakkur, aparece enunciada na assim chamada “estela de Zakkur” (cf. Noegel, 2006).
14 Esse deus faz parte de vários panteões em Sumer, Akkade, Anatólia e Levante; nas transcrições: Ba‘alšāmayin, Ba‘alšamīn e Ba‘alšamēm. Como divindade cosmológica, seu nome é uma translabilidade do “Mestre” semita Baal (Ba‘al, Ba‘l, B‘l ou Ba‘lu; sumério: dIŠKUR).
15 Enunciado no título e no resumo, o “monumento” de Antakya será referido como “estela”.
16 O nome assírio da cidade, Ša-imērīšu; em acádio: ŠA-KUR-ANŠE-ŠU ou ŠA-i-me-ri-šú, literalmente “Terra de seus jumentos”.
17 A identidade desse rei permanece sem definição. Younger (2016, p. 632-3), depois de analisar as fontes assírias, aramitas e enunciados da Bíblia Hebraica, afirma que ele pode ser Bar-Hadad II ou III; Trevor Bryce (2012, p. 166) o identifica como Bar-Hadad II, indicação por mim assumida.
18 Essa estela de basalto dedicada ao deus Milqart, escavada no final da década de 1930, tem sido datada entre o final do século IX e início do século VIII e foi associada a Brēj, localizada ao norte da cidade de Aleppo (cf. Pitard, 2000, p. 152-3; Younger, 2016, p. 511).
19 Urarṭu, montes Zagros, cordilheira iraniana.
20 A cidade de Arpad, por vezes, tinha o seu nome reconhecidamente usado para designar o reino, distante cerca de 30 quilômetros ao norte de Aleppo (Tell Ḫalab ou Ḫa-la-ab), capital do antigo reino de Yamḫad.
21 Para outras versões de transcrição e tradução: Younger (2000, p. 272; 2016, p. 485); Richelle (2019, p. 217-20). Atualmente é difícil localizar a cidade de Naḫlasi no mapa geográfico do norte do Levante, citada inclusive como uma cidade desconhecida. Em adição, acrescento que a inscrição se refere a Adad-nerari III, Šulmānu-ašaridu é a transcrição de Shalmanasar III, e o deus assírio Mulliššu foi muitas vezes identificado como Ninlil.
22 O documento cita o pai de Adad-nerari III, Šamšī-Adad, referindo-se a Shamshi-Adad V.
23 O documento cita o pai deAttar-shumki I, Adrāmu, referindo-se a Abi-rāmu.
24 Essa capacidade política não é permitida pela Assíria às províncias (Liverani, 2017, p. 179-80); posteriormente, Tiglat-pileser III anexou o território em províncias assírias (veja o mapa em Mieroop, 2020, p. 315).
25 Em transcrição do assírio, mma-ti-ìl ou mt‘’l.
26 Richelle (2019, p. 220) afirma que a recuperação de territórios por parte de Hamat aconteceu entre 750 e 738, concordando com a periodização de Estados vassalos no Levante apresentada por Mieroop (2020, p. 326); para Younger (2016, p. 537), essas ações de conquista cessaram em 740, ano em que, segundo ele, Tiglat-pileser III consolidou a controle sobre Arpad/Bit-Agusi.
27 Para a anexação do império neoassírio de Hamat datada em 732, cf. Younger (2016, p. 495-6) e Mieroop (2020, p. 326).
28 Pesquisas de fontes literárias que contribuem para a interpretação dos anais de Tiglat-pileser III têm indicado que este rei dividiu a parte sul do território de Hamat nas províncias de Ṣubutu e Manṣuāte (cf. Castex, 2016, p. 211; Younger, 2016, p. 445, 496; Liverani, 2017, p. 180).
29 Em transcrição do assírio, Ṣīdūnu.
30 Kummuḫ, território do sudoeste da Anatólia.
31 Paqar(a)ḫubunu, onde atualmente se localiza a cidade de Pazarcık, Turquia.
32 Aqui, divirjo de Liverani (2017, p. 42) e do que o eminente historiador chama de “condições desfavoráveis” da “periferia”.
33 Hatti (Ḫatti; amorrita: bīt ḫilāni) foi um reino com dimensões regionais e dinastia central estabelecida na montanhosa capital de Ḫattuša, centro político e religioso com cultura escribal inspirada na Babilônia. Na Idade do Bronze Médio, o reino alcançou o Mediterrâneo pela Cilícia, o mar Negro pela região do Zalpa, a Alta Mesopotâmia pelo vale do Eufrates e no oeste sírio incorporou o antigo reino de Yamhad (Yamḫad). Na Idade do Bronze Tardio, Hatti tornou-se um império, interveio na costa do Levante, disputando em alguma medida o protetorado egípcio, e controlou toda a Síria e parte da Alta Mesopotâmia. A civilização hitita existiu de c. 1800 a 1200, com periodização arqueológica dividida em: Reino Antigo hitita, c. 1650-1500, e Reino Novo hitita, c. 1360-1200.(Cf. Mieroop, 2020, especialmente p. 168-72, 211-20, 419-20).
34 O nome da cidade, em siríaco, grafa-se Maṣṣūtā. Essa guerra na qual o rei Zakkur foi o grande agente militar foi estudada nos vários contextos da formação do reino unido de Hamat e Luhuti por Younger (2016, p. 425-99; cf. também Castex, 2016, p. 210).
35 Para uma abordagem do quadro político, sugiro as pesquisas de John David Hawkins (2016a) e de Anne-Renée Castex (2016).
36 Na interpretação de Bryce (2012, p. 167), a intervenção de Shamshi-ilu teve por finalidade estabilizar as relações.
37 Como uma significação possível em acádio para “tribo” ou “clã”, pode-se empregar o nominativo bīt, bītum ou bītātum = “casa”, “limite de grupo social”.
38 Cidade em Bit-Adini, localizada no Médio Eufrates; atual Tell Aḫmar.
39 Em transcrição do assírio, Naḫlasi.
40 Hawkins, em “Appendix: the find-spot of the Antakyastele”, escrito como complemento para o artigo “Hamath in the Iron Age: the inscriptions” (2016a), apresenta o registro informativo de Veysel Donbaz, o primeiro editor da estela: “Por volta de 1968, quando Selâhattin Asım era o diretor do Museu Antakya, [a estela] foi encontrada por um camponês que cavava um poço perto do Orontes a uma profundidade aproximada de seis metros, à esquerda da estrada entre Antakya e Samandağ. ... A área é um vale plano aberto coberto de árvores e pomares. Pouco depois da descoberta da estela, Asım foi convocado para o local da descoberta e adquiriu-a para o museu” (Hawkins, 2016b, p. 191, trad. nossa). Como o poço era uma escavação nova, presume-se que a estela teria sido jogada no rio Orontes, que foi secando ao longo dos séculos, mantendo-a enterrada na antiga margem numa profundidade de cerca de 6 metros.
41 Veja a glosa poética de c. 735 do Livro de Amós, sobre os limites territoriais envolvendo Israel Norte e Hamat, em Amós 6.2: ‘ibrû kalnēh ûrә’û ûlәkû miššām ḥămat rabbāh ûrәdû gat-pәlištîm hăṭôbîm min-hammamlākôt hā’ēlleh ’im-rab gәbûlām miggәbulәkem. “Atravessai Kalneh e vede, e caminhai dali [para] Hamat, a grande, e descei [para] Gat dos filisteus. Sois melhores do que esses reinos? Acaso será maior [a] borda deles do que vossa borda?” (BHS; cf. Elliger; Rudolph, 1997, p. 1023 – o enunciado hebraico foi transcrito e traduzido pelo autor).
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