Resenhas

CHRISTENSON, David Michael. Plautus: Pseudolus. Cambridge: Cambridge University Press, 2020. (Cambridge Greek and Latin Classics). 408 p. ISBN 978-0-521-14971-61

Alex Mazzanti Junior
Universidade de São Paulo, Brasil

CHRISTENSON, David Michael. Plautus: Pseudolus. Cambridge: Cambridge University Press, 2020. (Cambridge Greek and Latin Classics). 408 p. ISBN 978-0-521-14971-61

Classica - Revista Brasileira de Estudos Clássicos, vol. 34, núm. 2, pp. 1-3, 2021

Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos

Recepción: 06 Julio 2021

Aprobación: 06 Julio 2021

Vinte anos após sua edição comentada ao Amphitruo,2 Christenson produziu um comentário ao Pseudolus bem completo e útil e que incorporou os avanços dos estudos plautinos ocorridos nessas duas décadas. O livro se inicia com uma introdução (p. 1-66), seguida do texto latino (p. 67-110) e, depois, do comentário (p. 111-358). Ao fim há a bibliografia (p. 359-79) e índices (de assuntos, de palavras latinas e de citações, p. 380-408).

A introdução apresenta os principais elementos necessários à leitura de Plauto, como informações sobre sua vida e método de composição, a relação da palliata com a comédia nova grega e a tradição itálica, o enredo, personagens e poética de Pseudolus (incluindo interpretações metateatrais, explicativas da peça e da poética de Plauto como um todo, vide a seguir), características da língua plautina, música e métrica, principais recensões ao texto, elementos básicos de sua transmissão e uma breve seção sobre recepção do Pseudolus.

Uma das coisas que me interessou particularmente nessa introdução é que alguns pontos levantados de modo mais abrangente sobre Plauto e sua obra, em vez de mera repetição do que lemos nos manuais de literatura latina, tendem a ser direcionados para a melhor compreensão da peça sob escrutínio. Exemplo é a retomada da discussão sobre seu forjado nome trimembre Titus Maccius Plautus, quando o editor discute influências itálicas em sua poética: Maccius teria tido sua origem na fabula Atellana e Plautus nos mimos, ambas formas dramáticas itálicas e de caráter improvisatório (p. 12-3). Ora, ao longo de sua análise, Christenson enfatiza que o personagem Psêudolo, em vários momentos, confessa não saber como realizar o que, como seruus callidus, prometeu a seu jovem e apaixonado amo (e.g. v. 399-400), de modo que as ações que seguem ganham justamente um tipo de “ilusão mágica”, como se agisse “seguindo o fluxo” e não um script (p. 34-5). É esse passo e a autocomparação que Psêudolo faz de si com um poeta (v. 401-5) que levam Christenson a afirmar: “Conforme [a peça] Pseudolus apresenta tais questões metaficcionais, ela elucida a poética plautina.” (p. 35).3 Plauto, ao mesmo tempo que tem um script, o modelo grego que inspirou a peça, uma autoridade tradicional, abraça um grande potencial imaginativo na construção de um mundo híbrido que prefere a farsa sobre o naturalismo grego, forjando sua identidade literária, tal qual Psêudolo, escravo, torturado pela autoridade, encontra espaço para a inventividade (inuentio é um mote na peça) e a liberdade criativa, fazendo uma peça dentro da peça e criando esquemas de aparente improvisação e exercício de liberdade.

Quanto ao texto, a edição não apresenta aparato crítico, mas indica na introdução as principais edições para consulta (p. 64). O autor emprega a edição de 2017 de Cesare Questa, ilustre estudioso do metro e texto plautino, a qual apresenta um excelente apparatus criticus, segundo o próprio Christenson. Ainda assim, não segue subservientemente este último (e.g. v. 627).

Quanto ao comentário, acredito que ele será muito útil tanto ao pesquisador experiente como ao estudante. Há comentários sobre textos plautinos que se detêm excessivamente em algum ponto, quer somente em análises literárias, deixando de lado questões linguísticas, quer em questões de estabelecimento do texto (especialmente os comentários do fim do séc. XIX e primeira metade do XX, quando o texto estava sendo estabelecido ainda), entrando em profundas discussões sobre isso. O comentário de Christenson tende a ser equilibrado, nesse sentido, visando a resolver os problemas pertinentes a leitores com proficiência variada em Plauto. Indica a métrica de versos que apresentem dificuldades, como o abreviamento jâmbico, hiatos, sinizeses, entre outros; oferece explicações de problemas linguísticos, como formas arcaicas (nisso incorpora pesquisas recentes como o estudo feito por de Melo, 2007), uso de expressões como hercle, ecastor (Adams, 1984), questões lexicais, apontando a entrada e o significado no Oxford Latin Dictionary; resolve ambiguidades formais (por exemplo, a interpretação de ablativos ou dativos plurais de terceira declinação, v. 27-8); quando relevante, apresenta questões de estabelecimento do texto (como no comentário ao v. 98), elementos da cultura grega ou romana (como a simulação de uma stipulatio, descrita nos comentários aos v. 114-8), elementos teatrais (como o barulho da porta nos v. 129-30), uso de figuras retóricas, enfim, um conjunto de elementos que têm sua função e contribuição para a interpretação literária evidenciada.

Particularmente saborosos são os comentários sobre a musicalidade da peça, incorporando estudos de Moore (2012), o que nos lembra constantemente dessa dimensão e, assim, nos incentiva a ler imaginando trechos cantados, recitados, falados, e os efeitos que certos ritmos geram no sentido, numa leitura mais rica em vivacidade e teatralidade, algo potencializado ainda pelas movimentações de cena e gestos, explicados no comentário, em vez de uma leitura quase prosaica e contínua que é possível de se fazer do texto plautino, quando não estamos atentos a esses recursos.

Claramente, um comentário dessa envergadura e pluralidade de assuntos não passa ileso de pequenos problemas. No comentário à primeira cena, por exemplo, há dois erros de grafia quidecim no lugar de quindecim (comentário ao v. 53, p. 127, correto no texto à p. 71) e peiuri no lugar de periuri (comentário ao verso 132, p. 142, correto no texto à p. 73). À página 141 (comentário ao verso 126), comenta-se que a palavra pube é um dativo da quinta declinação, seguindo a Morphologie historique du latin, de Ernout. Todavia, o parágrafo 92 (Ernout, 2014 [1914]) sobre o dativo de quinta declinação dessa obra não cita o trecho em questão, o Oxford Latin Dictionary (s.v. 2) e o Lewis & Short (s.v. 2) classificam pubes como de terceira declinação (gen. -is) e a obra de Gerschner (2002, p. 157), citada pelo autor em sua bibliografia, compreende que só há, em Plauto, dativos de quinta declinação das palavras dies, fides e res (as mesmas que aparecem nos trechos plautinos citados em Ernout). Trata-se, no verso 126, de um ablativo absoluto pube praesenti.

Por fim, o comentário de Christenson sobre o Pseudolus é uma importantíssima contribuição para os estudos plautinos e uma sólida fonte para quem deles quer se inteirar, seja estudante, seja pesquisador experiente: além de fazer um bom uso da tradição, consultando e citando importantes obras, o autor incorpora os mais recentes estudos, oferecendo subsídios para uma leitura profunda e que abrange as várias camadas (texto, métrica, língua, interpretação histórica, literária e metateatral) que o texto de Plauto tem a nos oferecer.

Referências

ADAMS, James Noel. Female speech in Latin comedy. Antichthon, Sydney, v. 18, p. 43-77, 1984.

CHRISTENSON, David Michael. Plautus: Amphitruo. Text in Latin with commentary and introduction in English. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.

DE MELO, Wolfgang David Cirilo. The early Latin verb system: archaic forms in Plautus, Terence, and beyond. Oxford: Oxford University Press, 2007.

ERNOUT, Alfred. Morphologie historique du latin. 4. ed. revisada. Paris: C. Klincksieck, 2014 [1914].

GERSCHNER, Robert. Die Deklination der Nomina bei Plautus. Heidelberg: C. Winter, 2002.

MOORE, Timothy J. Music in Roman comedy. Cambridge: Cambridge University Press, 2012.

Notas

1 Este trabalho teve o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo nº 2019/05648-5.
2 Para a mesma série de Cambridge: Christenson (2000).
3 Tradução minha. Original: “As Ps[eudolus] poses such metafictional questions, it elucidates Plautine poetics.”.
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