Traduções

UÉ, UM PETRÔNIO CAIPIRA? “O CAUSO DA MUIÉ DE ÉFIS”: DUAS PROPOSTAS DE TRADUÇÃO VARIACIONAL COM COMENTÁRIOS1

TWO PROPOSALS FOR A VARIATIONAL TRANSLATION IN REGIONAL PORTUGUESE OF THE EPISODE OF THE WIDOW OF EPHESUS, BY PETRONIUS

Paulo Eduardo de Barros Veiga
Universidade de São Paulo, Brasil

UÉ, UM PETRÔNIO CAIPIRA? “O CAUSO DA MUIÉ DE ÉFIS”: DUAS PROPOSTAS DE TRADUÇÃO VARIACIONAL COM COMENTÁRIOS1

Classica - Revista Brasileira de Estudos Clássicos, vol. 34, núm. 2, pp. 1-21, 2021

Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos

Recepción: 03 Febrero 2021

Aprobación: 30 Abril 2021

Resumo: Apresentam-se duas traduções variacionais do episódio da matrona de Éfeso, extraído do livro Satíricon, de Petrônio (século I d.C.). Ambas as traduções, que partem do texto original latino, expressam-se mediante variantes linguísticas brasileiras e propõem equivalentes cômicos da obra romana. Especificamente, a primeira tradução procura representar uma variante da região do interior paulista como expressão materna. A segunda, de teor mais experimental, vale-se da imitatio do falar interiorano para provocar efeito de caipira, a partir dos descritores linguísticos que demarcam a variante. Dessa forma, procura-se demonstrar ser possível verter um texto antigo para uma variante sem incidir em possíveis preconceitos. Mais importante, deseja-se reavivar, em português caipira, a maestria cômica do arbiter elegantiae.

Palavras-chave: tradução literária, tradução variacional, caipira, Petrônio, A Matrona de Éfeso.

Abstract: One proposes two variational translations of the episode known as The widow of Ephesus, from the book entitled Satyricon, written by Petronius (1st century A.D.). Both translations, from the Latin text, seek to highlight the humor through the use of Brazilian linguistic variants. In particular, the first translation represents the caipira variant of São Paulo inner lands as a mother variant. The second one, of a more experimental nature, uses the imitatio to provoke an effect of caipira, regarding the linguistic descriptors as norms of this particular speech. In doing so, we try to demonstrate that it is possible to translate a classical text into a variant without incurring in possible prejudice. More importantly, the main objective is to revive, in caipira, the comic mastery of the arbiter elegantiae.

Keywords: Literary Translation, variational translation, caipira, Petronius, The widow of Ephesus.

Introdução



Eram duas caveiras que se amavam
e à meia-noite se encontravam
pelo cemitério os dois passeavam
e juras de amor então trocavam.
Sentados os dois em riba da lousa fria
A caveira apaixonada assim dizia
ue pelo caveiro de amor morria
E ele de amores por ela vivia.

Fuente: (Excerto da canção “Romance de uma Caveira”, valsa humorística de Alvarenga, Ranchinho e Chiquinho Sales, 1940).

Se é verdade que o português seja a “última flor do lácio”, “esplendor e sepultura” (Bilac, 1964), e também que o brasileiro, mais especificamente a variante caipira, em função de arcaísmos e da conservação de substratos linguísticos, esteja um pouco mais próximo da língua latina, quiçá possamos entrever qualquer proximidade entre o caipira e o antigo romano. Além de resquícios linguísticos, porventura ainda se preservam, Brasil adentro, antigos hábitos, sob licença anacrônica. Caso seja lícito dizer, portanto, que ainda somos muito romanos, talvez não somente pela imaginação seja possível ouvir carpideiras chorando os mortos, comer alimentos que agradariam a um Trimalquião, ou ainda escutar “causos” que dariam ensejo literário a um Plauto ou a um Petrônio, muito embora, hoje, a indústria da cultura2 tenha afetado o folclore e reduzido a diversidade, a exemplo da música caipira. Em suma, se há qualquer semelhança entre o humor caipira, que pôs riso até em Getúlio Vargas,3 e o romano, por exemplo, por que não arriscar uma tradução em variante materna, combinando Petrônio com as delícias do gênio caipira?4 Assim, prepararam-se duas traduções experimentais, em prosa, construídas, cada uma a seu modo, mediante registros linguísticos que delimitam a variedade caipira.

A primeira tradução teve como diretriz a variante materna do tradutor. Nesse sentido, a fala doméstica, bem como idiomatismos e expressões locais e regionais foram incorporados na tradução, sem artificialismos, ausente a obrigação de “ter que soar caipira”. No caso, não se forçaram expedientes linguísticos para suscitar “efeito de caipira”, mas tão somente se produziu um texto em linguagem doméstica.

Enterro na redede Candido Portinari Óleo sobre tela 1805 x 2207 x 25 cm 19445
Figura 1
Enterro na redede Candido Portinari Óleo sobre tela 1805 x 2207 x 25 cm 19445
Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand – MASP (https://masp.org.br/acervo/obra/enterro-na-rede).

Da mesma forma como não houve preocupação com a normatividade do português, também não houve determinação em não a seguir, considerando que o falar caipira, muitas vezes, pode coincidir com a norma de prestígio, sem que se descaracterize sua expressão. Também, procurou-se manter a clareza de que grafema não é fonema, conservando-se as convenções de escrita. À guisa de exemplo, embora seja comum o uso do pronome “cê” na fala, na modalidade escrita manteve-se “você”, evitando o estereótipo do caipira incapaz de adequar-se linguisticamente. Essa distinção entre fonema e grafema ajuda a reduzir alguns efeitos indesejados quanto à manutenção de clichês do falar do interior, buscando-se evitar eventuais preconceitos linguísticos. Assim, problematiza-se a ideia de que a escrita caipira precise carregar necessariamente dados fonéticos típicos.

Já na segunda tradução, desejando-se o estereótipo caipira, procurou-se manter uma escrita mais próxima dos traços fonéticos que caracterizam essa variante, como, na verdade, um imaginário de dialeto. Essa proposta, que procurou suscitar efeito de caipira, valeu-se de descritores linguísticos encontrados, por exemplo, no ensaio de Amadeu Amaral (2020 [1920]). No entanto, ela pode ser entendida como uma imitatio do falar caipira presente em diversas narrativas e canções. Para isso, levantaram-se ocorrências de listagem exaustiva, perpassando Cornélio Pires, Alvarenga e Ranchinho e Zé Coco do Riachão, estes já falecidos, dentre outros escritores e violeiros, ainda vivos, como Rolando Boldrin. Incluem-se, também de rol inexequível, documentários ou registros sonoros de falantes nativos que se encontram dispersos pelas mídias.

Nessa tradução, partiu-se de dois processos: a imitatio e a confirmatio. Isto é, imitam-se e confirmam-se as ocorrências linguísticas, a partir de registros diversos, tendo em vista os processos artificiais da construção de uma variante que apresente, na verdade, um efeito de caipira, não uma expressão genuína de língua materna. O resultado da segunda tradução, claramente, é um texto muito mais cômico, que potencializa o humor da farsa petroniana, muito devido à tradição da comédia caipira, porém motivado por estereótipos. Essa tradução é, na verdade, um caleidoscópio do falar caipira, em “compressa variacional”, isto é, uma síntese de variantes de regiões diversas sob processo artificial.

Para conceber ambas as traduções, além de levantar e verificar falas caipiras, foi necessário desenvolver, primeiramente, uma tradução para o português padrão, que esclareça o original latino, quer como dado gramatical, quer como literário, com vistas aos efeitos cômicos. Nesse sentido, as três traduções desejam contribuir, cada uma a seu modo, com a área de tradução e com a recepção da obra de Petrônio aos falantes do português.

1. O Satíricon e “A matrona de éfeso”



Funere saepe uiri uir quaeritur; ire solutis
crinibus et fletus non tenuisse decet.
No enterro de um marido, muitas vezes,
encontra-se outro marido. Por isso,
convém caminhar com os cabelos soltos
e jamais ficar segurando as lágrimas.

Fuente: (Ovídio, Ars, III, 431-2).

De teor cômico e erótico, o Satíricon, de Petrônio6 (?-66 d.C.), é uma obra híbrida – majoritariamente em prosa, com trechos em versos – que se encontra incompleta, sendo desconhecida grande parte do início e do fim. Nessa narrativa, sucintamente, relatam-se os percalços de três jovens, Encólpio, o narrador, Ascilto e Gitão, que constituem um triângulo amoroso decadente. De difícil classificação literária devido, principalmente, à sua forma peculiar de mesclar prosa e verso e de compor temas satíricos, o enredo central – qual seja, a odisseia de Encólpio para reavivar os seus ânimos sexuais, por meio dos favores do deus da fertilidade, Priapo – é entremeado por inúmeras narrativas.

Não é nosso objetivo propor uma reflexão sobre a questão do gênero do Satíricon, tampouco analisar o episódio da matrona de Éfeso “como exemplares supérstites de fábulas milesianas” (Bianchet, 2010, p. 90), mesmo porque a tarefa demandaria uma discussão de fôlego. Apenas enumeram-se algumas dificuldades de propor uma classificação única e absoluta: a) condições lacunares do texto; b) mistura de prosa e verso; c) variedade de tons (paródico e épico, lírico e erótico, épico e erótico); d) registros variados de língua latina; e) pluralidade temática; f) transições abruptas de humor (mais agressivo ou mais brando); g) concomitância de assuntos (discussões filosóficas e poéticas, ao mesmo tempo elevadas e baixas); h) inserção de contos paralelos; i) por conseguinte, diluição do eixo narrativo condutor; j) grande extensão do texto, apesar de incompleto; k) ausência de unidade; l) pluralidade de espaços; m) substratos literários da obra; dentre outras razões elencadas por diversos teóricos, como Bakhtin e Ernout (Moura, 1996, passim). Tendo em vista essas inúmeras questões que impedem uma classificação absoluta da obra petroniana, toma-se a liberdade de referir-se a ela como um “romance antigo” ou somente “romance”, ou ainda um “proto-romance como querem alguns” (Aquati, 2008, p. 223).

O recorte temático das traduções engloba parte dos capítulos CXI e CXII. Neles, enquanto Encólpio e Gitão encontram-se no navio de Licas, Eumolpo, um velho poeta, após a reconciliação de uma contenda, conta a história da matrona de Éfeso, um dos contos inseridos na narrativa central. Toma-se como um episódio cômico, em que se narra o comportamento atípico de uma mulher, supostamente muito virtuosa, que perde o marido. A viúva, não satisfeita com os ritos fúnebres tradicionais, desejando demonstrar ser a mais fiel e pudica entre as mulheres, estende o luto ao máximo possível. Em busca da própria morte, afinal, deseja morrer de sede e de fome ao lado de seu único esposo tão amado. Porém, tudo pode ser uma farsa. O luto hiperbólico pode fazer parte de sua encenação. Parece haver, nessa história, um comportamento de aparência, de virtude planejada para a admiração das pessoas. Por isso, a matrona parece querer fazer de si seu próprio espetáculo (ad spectaculum sui).

– Placa funerária em terracota (520-510 a.C.) do período arcaico grego Durante a próthesis (πρόθεσις), lamenta-se o morto antes de seguir à sepultura (ἐκφορά).
Figura 2
– Placa funerária em terracota (520-510 a.C.) do período arcaico grego Durante a próthesis (πρόθεσις), lamenta-se o morto antes de seguir à sepultura (ἐκφορά).
The Metropolitan Museum of Art, New York. (https://www.metmuseum.org/art/collection/search/254801).

Antes de apresentar as traduções em variante do português, propõe-se, abaixo, uma tradução em língua padrão, que visa à compreensão da obra petroniana, preservando a originalidade da história. Ressalta-se que a tradução a seguir tem caráter autônomo e pode ser lida independentemente das outras duas traduções.

2. A matrona de Éfeso

Embora não seja nosso intuito discutir sobre questões tradutórias, comentam-se algumas passagens traduzidas, para esclarecer a proposta. Um desafio foi ponderar entre uma tradução semanticamente mais próxima do texto latino e aquela que privilegie os efeitos cômicos, sempre que possível, conotando sentidos de ordem psicológica ou sexual, como se, nas entrelinhas, Petrônio desmascarasse comicamente a suposta moralidade das personagens.

Por exemplo, em Itaque mulier aliquot dierum abstinentia sicca passa est frangi pertinaciam suam, procurou-se manter o termo sicca (seca), em função de seu duplo sentido: a mulher estava exausta e enfraquecida por conta da abstinência alimentar, mas também havia outra, a sexual. Sugere-se a seguinte tradução do trecho: “Assim a mulher, seca pela abstinência de alguns dias, permitiu que a sua obstinação fosse aplacada”. “Seca”, portanto, é mais literal e sugere, também em português, ambas as abstinências, em jogo aliterante com “obstinação”; por isso, a preferência de sentido, em detrimento de “sedenta, exausta ou exaurida”, que poderia representar melhor o estado físico da viúva, mas talvez perdesse um provável efeito cômico em português. Este pensamento guiou a tradução nas escolhas de equivalentes (e não substitutos)7 semânticos.

Semelhante processo ocorre logo no início do episódio, em que o narrador apresenta a matrona de Éfeso, uma mulher de fama tão grande pela fidelidade e pudicícia, que atraía outras mulheres de várias regiões: Matrona quaedam Ephesi tam notae erat pudicitiae, ut uicinarum quoque gentium feminas ad spectaculum sui euocaret.8 Especificamente a expressão ad spectaculum sui foi traduzida por “para o espetáculo de si”, porque sugere a noção da autoespetacularização da matrona como representante da moral e dos bons costumes. Ela parece se construir como uma personagem casta e fiel e transforma isso em seu próprio show feminino. Assim, tanto a suposta raridade do fenômeno, uma mulher fiel, como a farsa narrada, em que o trágico torna-se burlesco, estabelecem o efeito duplamente cômico.

Aparentemente, a viúva pretende morrer de fome e de sede por causa do marido morto. De qualquer forma, ela precisa, antes de tudo, atuar. Na expressão “espetáculo”, afinal, já se adianta o tom da farsa, mediante a visão que transforma o público da matrona em voyeur da castidade. Ela, afinal, precisa sustentar esse espetáculo por meio da hipérbole de seu luto. Por essa razão, o ritual fúnebre que ela encena é estendido a um prazo muito maior do que concebe a cultura funerária de sua cidade. É coerente, portanto, que ela não esteja contenta uulgari more funus passis prosequi crinibus aut nudatum pectus in conspectu frequentiae plangere, isto é, “contente com o costume habitual de acompanhar o funeral com os cabelos bagunçados ou de bater no peito despido à vista da multidão”. Ela precisa fazer mais do que isso, ou não há espetáculo. Portanto, a proximidade da expressão portuguesa, “espetáculo de si”, com a latina, ad spectaculum sui, mantém o efeito cômico desejado, delineando, em português, a configuração psicológica das personagens e sugerindo a fraude espetacular, já que tudo parece ser uma grande mentira moral.

Procurou-se, também, priorizar a concisão da escrita, evitando qualquer efeito prosaico, principalmente em pontos em que o laconismo seja relevante, ainda mais em se tratando de clímax narrativo. Por essa razão, preferiu-se subentender palavras ou não obedecer a uma correspondência sintática mais literal. É o caso de omnium eundem esse exitum [sed] et idem domicilium, traduzido por “a todos, o mesmo fim, a mesma morada”. A supressão do verbo ser e da conjunção pode sugerir o efeito desejado: uma frase rápida, tal qual um conselho, em um suposto discurso de resignação. Na história, o homem, afinal, discursa querendo agradar, pois ele estava diante de uma mulher muito bonita. O narrador, no entanto, não tem intenção de descrever toda a verborragia do soldado, estabelecendo, pois, a síntese (lembrando, inclusive, que o soldado não era infacundus, mas eloquente). Trata-se, logo, de um discurso de cortesia. Essa conversa dissimulada é a primeira tentativa de fazer a matrona sair do luto.

Destaca-se, também, o trecho em que a matrona ordena ao soldado que pendure o defunto do marido na cruz. A sabedoria da mulher, pois, encontra o caminho mais conveniente para remir o erro do amante, cuja negligência permitiu que uns parentes roubassem o corpo de um ladrão crucificado, dando-lhe sepultura. Assim, Malo mortuum impendere quam uiuum occidere foi traduzido como “Antes pendurar um morto do que perder um vivo”, procurando cultivar o efeito de síntese da expressão.

Por fim, para facilitar a leitura, emparelharam-se o texto em latim e o texto vertido. O excerto latino, que constitui o episódio da matrona de Éfeso (CXI – CXII), foi retirado das edições Les Belles Lettres, traduzido e estabelecido por Alfred Ernout, em cotejo com a edição de Bücheler. Em especial, além da francesa, destacam-se a tradução brasileira e os estudos feitos por Cláudio Aquati (1991; 2006), que muito ajudaram na composição da versão apresentada a seguir.9

Detalhe de uma cena de funeral em vaso ático do período geométrico (IX-VIII a.C.). Cena de próthesis
Figura 3
Detalhe de uma cena de funeral em vaso ático do período geométrico (IX-VIII a.C.). Cena de próthesis
The Metropolitan Museum of Art, New York. (https://www.metmuseum.org/art/collection/search/248904)

2.1. O episódio da matrona de Éfeso (Sat., CXI-CXII)

Ceterum Eumolpos, et periclitantium aduocatus et praesentis concordiae auctor, ne sileret sine fabulis hilaritas, multa in muliebrem leuitatem coepit iactare: quam facile adamarent, quam cito etiam filiorum obliuiscerentur, nullamque esse feminam tam pudicam, quae non peregrina libidine usque ad furorem auerteretur.De resto, Eumolpo, advogado dos que correm perigo e promotor da presente concórdia, para que a alegria não se calasse por falta de assunto, começou a dizer muitas coisas sobre a leviandade feminina: quão facilmente se apaixonam, quão rapidamente se esquecem até dos filhos, e que não havia nenhuma mulher tão pudica que não se voltasse de um desejo peregrino para uma paixão furiosa.
Nec se tragoedias ueteres curare aut nomina saeculis nota, sed rem sua memoria factam, quam expositurum se esse, si uellemus audire. Conuersis igitur omnium in se uultibus auribusque sic orsus est:Nem das tragédias antigas ou dos nomes conhecidos pelos séculos afora trataria, mas contaria algo que aconteceu na sua época, se quiséssemos ouvir. Pois com os olhos e os ouvidos de todos voltados para si, assim começou a falar:
CXI. Matrona quaedam Ephesi tam notae erat pudicitiae, ut uicinarum quoque gentium feminas ad spectaculum sui euocaret.111. Certa matrona de Éfeso era de uma pudicícia tão conhecida que atraía as mulheres até de povos vizinhos para o espetáculo de si.
Haec ergo cum uirum extulisset, non contenta uulgari more funus passis prosequi crinibus aut nudatum pectus in conspectu frequentiae plangere, in conditorium etiam prosecuta est defunctum, positumque in hypogaeo Graeco more corpus custodire ac flere totis noctibus diebusque coepit.Pois ela, depois que sepultou o marido, não satisfeita com o costume de acompanhar o funeral com os cabelos rotos ou de bater no peito nu à vista da multidão, acompanhou o defunto até ao sepulcro e começou a velar o corpo colocado no hipogeu10 à maneira grega e a chorar durante todas as noites e todos os dias.
Sic adflictantem se ac mortem inedia persequentem non parentes potuerunt abducere, non propinqui; magistratus ultimo repulsi abierunt, complorataque singularis exempli femina ab omnibus quintum iam diem sine alimento trahebat.Assim, maltratando-se de fome e buscando a morte, nem os pais, nem os parentes conseguiram tirá-la de lá. Os magistrados, por fim, foram embora, rechaçados. Lamentada por todos, a mulher de exemplo singular prolongava-se já pelo quinto dia sem alimento.
Adsidebat aegrae fidissima ancilla, simulque et lacrimas commodabat lugenti, et quotienscunque defecerat positum in monumento lumen renouabat.A fidelíssima criada da viúva infeliz conservava-se ao seu lado e, ao mesmo tempo, não apenas lhe emprestava suas lágrimas de luto, como renovava a candeia, colocada no túmulo, todas as vezes que apagava.
Vna igitur in tota ciuitate fabula erat, solum illud adfulsisse uerum pudicitiae amorisque exemplum omnis ordinis homines confitebantur, cum interim imperator prouinciae latrones iussit crucibus affigi secundum illam casulam, in qua recens cadauer matrona deflebat.Logo o assunto era um só em toda a cidade: os homens de toda ordem admitiam a existência daquele único verdadeiro exemplo de pudicícia e de amor; enquanto, nesse meio tempo, o governador da província mandou crucificar uns ladrões ao lado daquele túmulo, em que a matrona deplorava-se pelo cadáver fresco.
Proxima ergo nocte, cum miles, qui cruces asseruabat, ne quis ad sepulturam corpus detraheret, notasset sibi [et] lumen inter monumenta clarius fulgens et gemitum lugentis audisset, uitio gentis humanae concupiit scire quis aut quid faceret.Pois na noite seguinte, como o soldado, que vigiava as cruzes para que ninguém retirasse o corpo para a sepultura, notara uma luz brilhando mais forte entre os túmulos e ouvira um gemido de luto, desejou saber, por um defeito da espécie humana, quem ou o quê o causava.
Descendit igitur in conditorium, uisaque pulcherrima muliere, primo quasi quodam monstro infernisque imaginibus turbatus substitit.Logo desceu à tumba e, tendo visto a belíssima mulher, primeiramente parou como se fosse perturbado por algum prodígio ou por aparições infernais.
Deinde ut et corpus iacentis conspexit et lacrimas considerauit faciemque unguibus sectam, ratus scilicet id quod erat, desiderium extincti non posse feminam pati, attulit in monumentum cenulam suam, coepitque hortari lugentem ne perseueraret in dolore superuacuo, ac nihil profuturo gemitu pectus diduceret: omnium eundem esse exitum [sed] et idem domicilium, et cetera quibus exulceratae mentes ad sanitatem reuocantur.Depois, como viu não só o corpo do morto mas também notou as lágrimas e o rosto arranhado pelas unhas, entendeu tratar-se de uma mulher que não podia mais suportar a saudade do morto, levou ao túmulo seu jantarzinho e começou a aconselhar a mulher chorosa para que não persistisse na dor inutilmente e não partisse o coração com gemidos que de nada serviriam: a todos, o mesmo fim, a mesma morada, e outras coisas com as quais as mentes enfermas são reconduzidas à razão.
At illa ignota consolatione percussa lacerauit uehementius pectus, ruptosque crines super corpus iacentis imposuit. Non recessit tamen miles, sed eadem exhortatione temptauit dare mulierculae cibum, donec ancilla uini [certe ab eo] odore corrupta primum ipsa porrexit ad humanitatem inuitantis uictam manum, deinde refecta potione et cibo expugnare dominae pertinaciam coepit et: « Quid proderit, inquit, hoc tibi, si soluta inedia fueris, si te uiuam sepelieris, si antequam fata poscant, indemnatum spiritum effuderis? Id cinerem aut manes credis sentire sepultos? Vis tu reuiuiscere? Vis discusso muliebri errore, quam diu licuerit, lucis commodis frui? Ipsum te iacentis corpus admonere debet, ut uiuas.”Mas ela, tocada por aquele consolo surpreendente, dilacerou o peito com mais veemência e lançou os cabelos rotos sobre o corpo do morto. O soldado, todavia, não retrocedeu, mas, com a mesma animação, tentou dar alimento à pequena, enquanto a criada, seduzida pelo aroma do vinho, primeiro estendeu a mão vencida à humanidade do anfitrião, depois, restaurada pela bebida e pela comida, começou a lutar contra a teimosia da matrona e disse: “De que lhe adianta isso, se for morrer de fome, enterrar-se viva, se, antes que os destinos a reclamem, deixar ir a alma inocente? Acha que as cinzas ou os manes sepultos são sensíveis a isto?11 Você quer voltar a viver? Tendo dissipado o erro feminino, quer gozar dos privilégios da luz, por muito tempo o quanto seja permitido? O próprio corpo do defunto deve adverti-la para que viva!”
Nemo inuitus audit, cum cogitur aut cibum sumere aut uiuere. Itaque mulier aliquot dierum abstinentia sicca passa est frangi pertinaciam suam, nec minus auide repleuit se cibo quam ancilla, quae prior uicta est.Ninguém ouve contra a vontade quando é impelido a comer ou a viver. Assim a mulher, seca pela abstinência de alguns dias, permitiu que a sua obstinação fosse aplacada, não menos ávida do que se empanturrou a criada, que foi vencida primeiro.
CXII. Ceterum scitis quid plerumque soleat temptare humanam satietatem. Quibus blanditiis impetrauerat miles ut matrona uellet uiuere, isdem etiam pudicitiam eius aggressus est.112. Quanto ao mais, vocês sabem o que a saciedade humana geralmente costuma provocar... Com aquelas palavras doces, o soldado determinou que a matrona desejasse viver e, além disso, com as mesmas palavras, atacou a pudicícia dela.
Nec deformis aut infacundus iuuenis castae uidebatur, conciliante gratiam ancilla ac subinde dicente:À casta, o jovem não parecia feio ou sem desenvoltura; e a criada recomendando a gratidão e dizendo constante-mente:
“Placitone etiam pugnabis amori? [Nec uenit in mentem quorum consederis aruis?”]“Ainda lutará contra o amor agradável? Não se lembra daqueles em cuja terra veio se [estabelecer?”]12
Quid diutius moror? Ne hanc quidem partem corporis mulier abstinuit, uictorque miles utrumque persuasit.Por que me demoro por mais tempo? Decerto a mulher não mais privou de alimento aquela parte do corpo, e o soldado vitorioso persuadiu uma e outra.
Iacuerunt ergo una non tantum illa nocte, qua nuptias fecerunt, sed postero etiam ac tertio die, praeclusis uidelicet conditorii foribus, ut quisquis ex notis ignotisque ad monumentum uenisset, putaret expirasse super corpus uiri pudicissimam uxorem.Pois se deitaram não só naquela noite, em que fizeram núpcias, mas também na seguinte e ainda no terceiro dia, certamente com as portas da cripta fechadas, para que quem quer que fosse ao túmulo, entre conhecidos e desconhecidos, pensasse que a pudicíssima esposa tivesse expirado sobre o corpo do homem.
Ceterum delectatus miles et forma mulieris et secreto, quicquid boni per facultates poterat, coemebat et prima statim nocte in monumentum ferebat.De resto, o soldado, encantado não só com a beleza da mulher, mas também com o segredo, comprava tudo de bom que podia com seus recursos e levava ao túmulo logo ao cair da noite.
Itaque unius cruciarii parentes ut uiderunt laxatam custodiam, detraxere nocte pendentem supremoque mandauerunt officio.Assim, os pais de um dos crucificados, como viram a guarda relaxada, à noite retiraram o crucificado e deram as honras fúnebres.
At miles circumscriptus dum desidet, ut postero die uidit unam sine cadauere crucem, ueritus supplicium, mulieri quid accidisset exponit: nec se expectaturum iudicis sententiam, sed gladio ius dicturum ignauiae suae. Commodaret ergo illa perituro locum, et fatale conditorium familiari ac uiro faceret.Mas o soldado, ausente enquanto descansava, como viu, no dia seguinte, uma cruz sem cadáver, temendo o castigo, expôs à mulher o que sucedeu: não se dispõe a esperar a sentença do juiz, mas, com a espada, daria uma sentença de morte à sua indolência. Que ela emprestasse, pois, um lugar para aquele que está prestes a morrer e arranjasse o túmulo fatal ao marido e ao amante.
Mulier non minus misericors quam pudica: “Ne istud, inquit, dii sinant, ut eodem tempore duorum mihi carissimorum hominum duo funera spectem. Malo mortuum impendere quam uiuum occidere.”A mulher não menos misericordiosa do que virtuosa disse: “Que os deuses não consintam isso, que eu veja ao mesmo tempo os dois funerais dos homens mais amados por mim. Antes pendurar um morto do que perder um vivo.”
Secundum hanc orationem iubet ex arca corpus mariti sui tolli atque illi, quae uacabat, cruci affigi.Depois desse discurso, ordenou que o corpo de seu marido fosse retirado da arca e pregado naquela cruz que estava vazia.
Vsus est miles ingenio prudentissimae feminae, posteroque die populus miratus est qua ratione mortuus isset in crucem.O soldado fez uso do engenho da sapientíssima mulher, e, no dia seguinte, a população admirou-se com a razão por que o morto tinha ido à cruz.

3. O caso da viúva de éfeso: uma tradução em variante materna



Não é fácil escrever errado como eu escrevo, pois tem que parecer bem real.
Se não souber dizer as coisas, não diz nada...

Fuente: Adoniran Barbosa, em entrevista [Mugnaini Jr., 2013, p. 102]).

Esta tradução não procurou adaptar o texto, tendo mantido as referências à cultura grega, como os costumes funerários. No entanto, a forma de narrar procurou trazer dados do falar do interior paulista, considerando, principalmente, a região de Ribeirão Preto. Nesse sentido, incluíram-se determinados usos linguísticos, como a repetição de palavras (“fácil fácil”), adaptações de advérbios (“rapidinho”) e de expressões do dia a dia ou gírias (“ué”, “moçoilo”, “bocó”, “necas de catibiriba”13), bem como sentenças hiperbólicas (“por nada nesse mundo”).

Os traços fonéticos não foram marcados ortograficamente, conservando, sempre que possível, as normas vigentes. Por isso, a locução “de resto” não foi grafada “di réstu”, evitando a confusão entre grafema e fonema. Sob mesmo raciocínio, não seria possível marcar os alofones tão típicos do falar caipira, como o -r retroflexo. Ademais, vale considerar a coexistência de variantes da variante. Por exemplo, o nome do personagem Eumolpo poderia ser escrito tanto como “Eumopu”, quanto “Omopu” ou ainda “Omoupu”. Preferiu-se deixar a forma tradicional do nome. Outrossim, o título do artigo poderia começar com “uai, um Petrônio caipira?”. Mas, por questões de uso, escolheu-se a interjeição “ué”, mais frequente na região. São, pois, escolhas tradutórias em variante materna.

Em suma, para a modalidade escrita, escolheu-se a não marcação de estereótipo fonético, devido, também, à coexistência de formas que constituem o falar caipira. No entanto, deixa-se claro que se trata de uma opção que não impede, obviamente, que o texto seja lido em voz alta obedecendo à pronúncia regional, sob sotaque.

Reunião de família durante o Natal, em 1957.14
Figura 4
Reunião de família durante o Natal, em 1957.14
Imagem gentilmente cedida por Leonildo Balsalobre Lopes (2021).

3.1. O caso da viúva de Éfeso

De resto, o Seu Eumolpo, advogado dos que passam sufoco e autor desse sossego de agora, pra alegria não se silenciar por falta de assunto, rapidinho começou a dizer um tanto de coisa da leviandade das mulheres, como que ficam caidinhas fácil fácil, como que, num estalar de dedos, se esquecem dos filhos tudo e também como que, por nada nesse mundo, poderia existir uma mulher assim tão comportada que não saísse dum desejinho à toa pruma paixão de fim de mundo. Disse ainda que não ia falar, necas de catibiriba, das velhas histórias nem dos nomes das pessoas famosas pelos séculos aí afora, mas que iria contar um caso verdadeiro da sua época, se a gente quisesse ouvir, claro. Então, com todo o mundo de ouvido atento, prestando bem atenção, começou a narrar:

Uma viúva aí de Éfeso tinha uma mania tão grande de querer ser fiel que chamava a atenção de todas as outras mulheres da região pro seu próprio espetáculo. E não é que, depois que enterrou o seu marido, não satisfeita com o costume de acompanhar o funeral com os cabelos bagunçados ou de bater no peito de fora na frente de todo mundo, foi com o morto até o túmulo. Colocado lá na sepultura à maneira grega, começou a chorar o defunto toda santa noite e todo santo dia.

Assim, ela judiava dela mesma querendo morrer de fome, tanto é que nem os próprios pais conseguiram arrancar ela de lá. As autoridades, no final das contas, também desistiram e vazaram dali, pois não tinham mais o que fazer. Com todo mundo lamentando, aquela mulher de exemplo único já aguentava o quinto dia sem comida. A empregada super fiel da viúva triste ficava o tempo todo perto dela e, ao mesmo tempo, não apenas dava pra ela suas lágrimas de luto como ficava acendendo o lampião sobre o túmulo, todas as vezes que ele apagava.

Uia, rapidinho o assunto virou um só na cidade toda: os homens de todas as classes admitiam a existência daquele único e verdadeiro exemplo de pudor e de amor. Nesse meio tempo, o governador da província mandou crucificar uns ladrões do lado daquele túmulo, onde a viúva se matava de chorar o cadáver fresco. Daí, na noite seguinte, um soldado que vigiava as cruzes, pra que ninguém enterrasse o corpo na sepultura, percebeu uma luz brilhando mais forte entre os túmulos e escutou um gemido de luto. Como a raça humana tem problema, quis saber quem ou o que que fazia aquilo lá.

Então ele desceu pra tumba voando e, vendo aquele mulherão, primeiro parou como se tivesse sido perturbado por algum milagre maravilhoso ou por uma visão lá dos quintos dos infernos. Depois, como viu não só o corpo do morto, mas também percebeu as lágrimas e o rosto arranhado por unhas, tratou de pensar que era uma mulher que não estava dando conta da saudade do falecido. Então, levou ao túmulo a sua jantinha e deu pra aconselhar a mulher chorona dizendo que era pra ela não insistir numa dor inútil e não partir o coração com gemidos que não serviam pra nadica de nada:

– Pra todo mundo, o mesmo fim, a mesma morada!

E disse outras coisas que fazem as mentes doentes voltarem pra razão.

Mas ela, surpreendida com aquele consolo repentino, aí que bateu mais no peito com muito mais força e jogou os cabelos bagunçados em cima do corpo do morto. Mas o soldado não deu pra trás. Pelo contrário, com a mesma coragem, tentou dar comida pra pequena. Enquanto isso, a criada, atiçada com o cheiro do vinho, rapidinho esticou a mão, vencida pela bondade do anfitrião; depois, restabelecida pela bebida e pela comida, começou a lutar contra a implicância da mulher. Então falou:

– Ué, qual a vantagem disso tudo, se você vai morrer de fome? Se, antes da sua hora chegar, vai deixar ir embora a alma inocente? Você acha que o pó ou os espíritos dos mortos estão ligando pra isso? Você quer voltar a viver? Corrige esse erro aí de mulher, vai lá aproveitar o conforto da luz, enquanto ainda pode. Ora, o próprio corpo do defunto falaria pra você viver.

Ninguém fica do contra quando é levado a comer e a viver. Assim, a mulher, numa secura por causa da abstinência daqueles dias todinhos, deixou sua teimosia em pedaços, não menos afoita do que se empanturrou a empregada, que perdeu primeiro. De resto, vocês já sabem o que é que a satisfação humana é capaz de atiçar. Com aquelas palavras doces, o soldado conseguiu fazer a viúva querer viver e, com as mesmas palavras, atacou a vergonha dela.

Pra mulher casta, o moçoilo não parecia nem feio nem bocó. Daí a criada ficava querendo reconciliar, o tempo todo matracando:

– Ainda vai lutar contra esse amor prazeroso? Se esqueceu daqueles que vieram pra essas terras?

Eita, por que é que me alongo tanto? Com certeza, a mulher não ficou mais evitando dar alimento pra aquela parte do corpo; e o soldado vencedor engambelou aquela e a outra. Pois não é que se deitaram não só naquela noite de amor, mas também na seguinte e ainda no terceiro dia, com certeza de portas fechadas, pra que quem quer que passasse por lá, dentre conhecidos e desconhecidos, achasse que aquela esposa fiel pra burro tivesse morrido em cima do corpo do homem?

De resto, o soldado, deslumbrado não só com a beleza da mulher, mas também com aquele segredo todo, comprava do bom e do melhor dentro da sua possibilidade e levava ao túmulo ao cair da noite.

Assim, os parentes de um dos crucificados, vendo a guarda largada às moscas, retiraram o condenado e deram um enterro digno. Mas o soldado, sumido de lá enquanto descansava, como viu, no outro dia, uma cruz sem corpo nenhum, com medo do castigo que ia levar, contou pra mulher o que aconteceu. Nem quis esperar a sentença do juiz, mas, com sua própria espada, declarou pena de morte pro seu desleixo. Disse pra ela emprestar, então, um cantinho pra morrer e também pra ela dar uma ajeitada no túmulo fatal tanto pro marido quanto pro amante.

A mulher, não menos misericordiosa que virtuosa, então falou:

– Eita, que os deuses não tolerem isso: que eu veja, ao mesmo tempo, os dois funerais dos homens que eu mais amo! Antes pendurar um morto do que matar um vivo.

Depois desse falatório, ela mandou que o corpo do marido fosse tirado de lá do caixão e pregado naquela cruz vazia. O soldado se valeu da sacada genial daquela mulher esperta pra chuchu e, no outro dia, a população ficou boba de ver como é que o morto foi parar na cruz.

4. O causo da muié de éfis: uma tradução caipira



A muié me deixou...
– Mizerave, mizerave!

Fuente: (Alvarenga e Ranchinho, Berlim na batucada15 de Luiz de Barros, 1944)

Além de verter o texto petroniano para o caipira, a partir dos descritores linguísticos expostos na obra de Amaral (1920) e do léxico compilado por Martins (2001), principalmente, esta tradução adaptou algumas partes da história romana ao contexto caipira, mantendo o mesmo espaço narrativo, a cidade de Éfeso. Por exemplo, não se retirou a referência às crucificações, pois ela não é estranha. Em relação ao costume funeral grego, houve pequenas adaptações, uma vez que bater nos peitos nus à vista de todos não seja um hábito mais familiar. Destaca-se, dentre essas alterações, o acréscimo de um verso célebre de Camões, como equivalente à citação de Virgílio proferida pela criada, como expediente persuasivo. Nesse sentido, arriscam-se alguns acréscimos e pequenas adaptações, em caráter inventivo, para além da tradução.

Em relação à escrita, procurou-se adaptar a ortografia ao falar caipira, sob imitação. Não se trata, evidentemente, de escrita fonética, mas de adequação. Assim, priorizam-se as formas “muié”, “homi”, “paxão” etc. No entanto, para evitar uma leitura pouco fluída, algumas palavras seguem a convenção, como a preposição “de” (e não “di”). Sob mesmo motivo, mantém-se a vogal -o final, ao invés de -u (“resto”, e não “réstu”). Em suma, as regras aplicadas para a construção da tradução caipira basearam-se em parâmetros estabelecidos em obras de Amadeu Amaral (1920), Guimarães Rosa (1971), Cornélio Pires (1985), além de escritores locais, como o itararense José Maria Silva (1997), e de obras adaptadas, como a de Soffredini (Abreu; Carvalho, 2005).

Enterro (1959), de Candido Portinari. Pintura a óleo, madeira compensada. 24,5 x 33,5 cm. Ao fundo, paisagem de Brodowksi (uma ἐκφορά caipira?).
FIGURA 5
Enterro (1959), de Candido Portinari. Pintura a óleo, madeira compensada. 24,5 x 33,5 cm. Ao fundo, paisagem de Brodowksi (uma ἐκφορά caipira?).
Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco. (Disponível em: http://www.portinari.org.br/#/acervo/obra/2928/detalhes).

4.1. O causo da muié de éfis16



Dá até vontade de cantar uma coisa que rima com alegre.
– Com alegre? Ó, funébre.

Fuente: (Alvarenga e Ranchinho, 1981)

De resto, o Seu Omopo, adevogado dos que briquita e autô desse sosseguim de agora, pa aligria num si silenciá por farta de assunto, rapidim si lançô a dizê um tan de coisa da liviandade das muié: como que facim eas fica caidinha, que ligero si isqueci dos fio tudo, e tamém que num havia de ixisti, de jeito manera, ninhuma muié ansim avregonhada que num fosse, num átimo, dum desejim à toa pruma paxão de fim de mundo.

Ei disse inda que num ia falá necas de pitibiriba dos causo antigo nem dos nome das pessoa famosa pelos sécro afora, mas que ia contá uma estória vredadera que si assucedeu e que ei viu co seus póprio zóio que a terra há de cumê, caso nóis quisesse inscutá, craro. Antão, co todo mundo botano reparo, atrelô a falá:

Foi vê, era que tinha uma tar muié de Éfis, lá da Greça Antiga,17 que tinha uma mania de sê fier tão grande que chamava as atenção de todas as otra muié das redondeza po ispetáculo dea mêma.

E num é que, dispois que ponhô o marido pra debaxo da terra, não sastisfeita co interro habituar, cos homi si amiudano co chapéu baxo e as choradera num chororô danado, caquele canto triste de doê, ea foi co defunto inté o túmbalo e quis porque quis ficá lá pa mor de velá o caxão chorano por dimais da conta, durante o dia todim, uai, que cê num ia querditá.

Ansim, ea si martratava querendo morrê de fome, tanto é que nem as parentada conseguiro rancá ea de lá. As otoridade, no finar das conta, desistiro e picaro mula dali, apois num tinha mais o que fazê. Malimpregada por todo mundo, aquea dona de inzempro sem iguar já garrava o quinto dia sem o de-cumê.

A veúva infiliz inda tinha uma criada mas muito fier que ficava o tempo todim bem juntim do lado dela. Além de imprestá as lágrima po choro, ela reinovava a luiz da lamparina, em riba do túmbalo, todas as veiz que se apagava.

Rapidim a prosa era uma só na cidade interinha: os homi de todas as crasse aceitava a inzistência daquele único e vredadero inzempro de amor e de pudor.18 Acontece que, nesse mei tempo, o governador da província mandô crucificá uns ladrão do lado daquele túmbalo, adonde a veúva si matava de chorá pelo defunto fresco.

Apois, na noite seguinte, um sordado que vigiava as cruiz pra que ninguém ponhasse os presunto19 pa debaxo da terra, percebeu uma luiz alumiano mais forte entre os túmbalo, uê, e iscuitô um gemito de luto, ai ai. Porque a raça humana tem pobrema, quis porque quis sabê quem ou o quê que fazia aquilo lá, uai.

Loguim desceu foi pa tumba, e tendo anvistado aquea muié chei di formosura, premero parô como si tivesse sido atazanado por um prodígio maravioso o por uma assombração do otro mundo, nossinhora!

Dispois, como avistô não sumente o corpo do morto mais tamém percebeu as lágrima e o rosto ranhado cas unha, atinô que só pudia era sê uma muié que num guentava mais de sodadi do falecido. Daí é que levô ao túmbalo a sua jantinha e desembestô a dá conseio pra muié chorona: que era prela não insisti naquela dor atôa, e não istorasse o peito de gemitu que num ia ajudá nadica de nada não. “Nóis tudim vamô tê o mêmo fim, a mêma morada”, tamém disse ôtras coisa que ajuda as mente doente a vortá pra rezão.

Mais porém, tomano susto caquea supresa de consolo, aí é que bateu nus peito co mais força inda e pinchô os cabelo disgrenhado tudo pa riba do morto. Mais o sordado não moleô de jeito manera. Pelo contrário, ca mêma fiuza, tentô dá cumida pa pobrezinha. Nesse ínterim, a creada, tentada co cheirim de pinga, premero isticô a mão, desacochada ca bondade do moço; despois, refeita pelo de-bebê e pelo de-cumê, foi é que desembestô a lutá contra a imbirrância da muié. Antão disse:

– De que le adianta isso, si cê vai morrê de fome, si interrá vivinha da silva, si vai dexá i zimbora antes do tempo sua arminha inocente, sem que o destino le chame? Tá imaginano que os pó ou os isprito dos defunto tão si lixano pra isso? Cê qué vortá a vivê? Dispois de desfazê esse erro de muié, qué disfruitá das comoididade da luiz, o tan de tempo que cê pudé? Inté o próprio corpo do defunto aí deveria le pedi procê vivê, uai, que esse agora?

Ninguém iscuita contrariado o desejo de comê e de vivê. Ansim, a muié, na secura do jejum daqueles dias todo, dexô a sua birra num caco, não menos afoita do que a gulodice da criada, que si deixô vencê premero.

De resto, ocêis já sabe o que que a sastifa humana é capaiz de atiçá. Caqueas palavra agradáver, o sordado conseguiu que a veúva ficasse co desejo de viver. Antão, co essas merma palavra, atacô as vregonha dea.

Pra muié casta, o rapaiz num parecia nem feo nem bocó. E a creada ficava reconciliando e tamém, teterê-tetê, matracando: – “Nhá-dona inda vai lutá contra um amor prazeroso desses? Amor é fogo que arde sem se vê...”

Uai, por que me demoro, sô? É craro que a muié não s’istreitô de dá alimento praquea parte do corpo, e o sordado vencedor ingambelô aquea e a ôtra.

E num é que êis si deitaro nem só naquela noite de furunfa não, mais tamém na ôtra e inda no tercero dia, cum certeza de porta fechada, pra quem qué qui fosse passeá no çumitério, tanto faiz si conhecido o desconhecido, ia maginá que aquea veúva envregonhadíssima tivesse batido a caçoleta sobre o corpo do homi.

De resto, o sordado, amaraviado nem só ca formosura da muié, mais tamém c’aqueie segredim todo, comprava tudo do bom e do mió que podia co seus mei de sobrevivênça e levava pa cova no comecim da noite.

Ansim, os parente de um dos crucificado, veno o relaxo da guarda, de noitinha foro lá e despencaro o condenado e le dero as honra funébre.

Mais o sordado, sumido de lá enquanto drumia, como tinha zoiado, notro dia, uma cruiz sem presunto, co medo da dura que ia levá, contô pa muié o que é que si assucedeu. Não queria isperá a fubecada do juiz, mais, ca espada, ia ele mêmo si declará curpado daquea lombera toda. Antão pediu que a veúva cedesse apois um cantinho pa morrê e arranjasse a tumba derradera po marido e po amante.

A muié, não menos misericordiosa que honrada, antão falô: “Êee, que os deus tudo não tolere isso, uai, que ieu veja na mêma casião os dois funerá dos meus homi que ieu amo por dimais da conta. É mió pregá um marido morto que dá cabo de um amante vivo.”

Dispois desse falatório, mandô que o corpo do seu marido fosse rancado fora do caxão e pregado na cruiz esvaziada. O sordado fez que fez valê o ingenho daquea muié todinha sábia. Notro dia, o povo tudo ficô bobo di vê como é que o morto tinha si acabado na cruiz.

Considerações finais

Este trabalho apresentou duas traduções experimentais em variante caipira, quer como variante materna, quer como imitatio, embasada em diretrizes consolidadas na literatura. Além delas, incluiu-se uma outra sob rigor normativo, que se preocupou com equivalências gramaticais e literárias da língua de partida, o latim. O intuito das traduções foi potencializar o efeito cômico da história petroniana e favorecer a compreensão da obra pelo falante do português. A proposta variacional, em suma, para além da tradução, procurou contribuir com a inclusão, no cenário tradutório atual, de variantes linguísticas, principalmente do interior paulista. Dessa forma, tentou-se exaltar o engenho artístico e o humor do arbiter elegantiae, suscitando o riso.

Referências

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Notas

1 Este artigo expressa uma parte de nossa pesquisa financiada pela FAPESP. Processo nº 2018/01418-2, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
2 A Kulturindustrie ou indústria da cultura, expressão de Adorno e Horkheimer (1969 [1944]), “representa o sistema ideológico mais avassalador do capitalismo contemporâneo” (Ricciardi, 2015, p. 364). No nosso caso, esse fenômeno hegemônico aniquilou a música caipira e, em seu lugar, impôs quer as duplas de cowboys quer o sertanejo universitário, já totalmente distantes da arte e do folclore (Ricciardi, 2020, p. 133).
3 Refiro-me aos fatos históricos que envolveram a dupla caipira composta por Alvarenga e Ranchinho, curiosamente liberados da censura militar pelo próprio Getúlio Vargas, que teria se divertido com as canções satíricas dessa dupla contrária ao autoritarismo (Caldas, 2005, p. 60).
4 Expressão inspirada em Rubem Braga (2002, p. 156), “delícias do gênio carioca”.
5 Todas as figuras distribuídas ao longo deste trabalho não têm pretensão metodológica ou argumentativa. Por isso, devem ser entendidas como sugestões temáticas que aproximam, indiretamente, o conto petroniano e as traduções. Nesse viés, as imagens desejam demonstrar possíveis relações entre o episódio da matrona e o mundo caipira, instaurando, artisticamente, o contexto funerário. Com todo o resguardo quanto a aproximações anacrônicas, as cenas pintadas por Portinari, nascido em Brodowski, interior de São Paulo, parecem “se confundir” com algumas cenas de Petrônio. Sendo o pintor brasileiro um autor regional de expressão universal, os quadros auxiliam-nos em nossa tarefa de estabelecer possíveis afinidades entre o romano e o caipira, sob uma proposta mais sugestiva do que argumentativa ou analítica, evitando-se vínculos forçosos. No entanto, mais do que relações temáticas, as imagens, sem conexão direta a argumentos, configuram uma dimensão filosófico-poética, para além dos modelos de escrita acadêmica, permitindo que o leitor fique, visualmente, mais próximo de obras de arte. A intercalação de imagens sem comentário argumentativo-descritivo explícito propõe, além disso, uma outra via de expressão acadêmica, em busca de novas configurações, que permitam ensejo artístico e a inclusão da linguagem não verbal, sem que haja, no texto científico, o esquecimento da poíesis, na esteira heideggeriana. Nesse sentido, as pinturas querem levar o leitor a um contato mais direto com a arte, promovendo uma sugestão de diálogo do mundo greco-romano com a expressão regional brasileira, principalmente a do interior de São Paulo.
6 De nome incerto, Petrônio é, muitas vezes, identificado como Caius Petronius, conforme se refere Tácito, em seus Anais (XVI, 18-20). Além dessa alcunha, também é reconhecido como Titus Petronius Niger (Conte, 1999, p. 453) ou também Petronius Arbiter (Büecheler, 1904, p. 5).
7 Cf. Thamos, 2011.
8 “Certa matrona de Éfeso era de uma pudicícia tão notável que atraía as mulheres até de povos vizinhos para o seu próprio espetáculo.”
9 A omissão de outras traduções não significa desconhecimento nosso. A intenção é destacar somente aquelas referências de fato utilizadas em nossa práxis de tradução.
10 Construção subterrânea ou escavada em escarpas, muito usada como sepultura ou templo funerário pelos antigos egípcios e, frequentemente por sua influência, também usada como sepultura por vários povos da Antiguidade, como os hebreus, gregos, persas, etruscos e romanos (Houaiss, 2001, s. v.).
11 Virgílio, En., IV, 35.
12 Virgílio, En., IV, 38-39.
13 Considere-se, também, a variante “pitibiriba”, a depender da faixa etária do falante local.
14 Esta imagem procura representar, visualmente, o contexto da vida das famílias do interior, muitas, inclusive, formadas a partir do estabelecimento de imigrantes em regiões rurais. Neste caso, os imigrantes são espanhóis e espalharam-se, principalmente, pelo interior de São Paulo, em cidades como Lins, Rinópolis, Uchôa, Batatais, Ribeirão Preto e Patrocínio Paulista, desde a primeira metade do século XX.
15 A dupla caipira, Alvarenga e Ranchinho, participou da comédia de Luiz de Barros. A canção, por assim dizer, um pequeno chiste da ópera Il trovatore, de Giuseppe Verdi (1813-1901), ocorre aproximadamente entre os 15 e os 17 minutos do filme. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_HBLwOp4JE8
16 Como não é possível incluir um glossário, comprometendo o limite do artigo, sugere-se consultar a obra de Amadeu Amaral, em domínio público (Amaral, 1982), em caso de dúvidas quanto ao significado de algumas palavras.
17 Exemplo de acréscimo contextual, em se tratando de uma história greco-romana contada por um enunciador caipira.
18 Procurou-se evitar possíveis confusões com regionalismos de outros Estados (“pudô”), para além do caipira.
19 Lembrando a figura de Pedro Malasartes (Cascudo, [s. d.], s. v.), emprega-se o caipira também sob o contexto da malandragem.
20 Agradece-se a Marcos Roberto Sgambati (in memoriam) a doação do material.
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