Dossiê | Dossier

“No clangor das conchas”: o som da guerra em Mahabharata

“On the clangor of conch shells”: the sound of war in Mahabharata

João Gomes Braatz
Universidade Federal de Pelotas, Brasil
Carolina Kesser Barcellos Dias
Universidade Federal de Pelotas, Brasil

“No clangor das conchas”: o som da guerra em Mahabharata

Classica - Revista Brasileira de Estudos Clássicos, vol. 34, núm. 1, pp. 187-204, 2021

Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos

Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos

Recepción: 18 Noviembre 2020

Aprobación: 03 Diciembre 2020

Resumo: Analisamos aqui o som como uma parte fundamental do processo de ritualização da guerra, com foco na sociedade guerreira indiana descrita no Mahabharata, poema épico indiano que tem como pano de fundo uma guerra de proporções grandiosas. Analisando trechos selecionados da obra que narram detalhadamente as ações dos guerreiros durante o conflito, buscamos compreender a importância do som para a guerra na Antiguidade indiana traçando paralelos com outros contextos, sobretudo exemplos da cultura grega clássica, dada a semelhança pelo uso do som em atividades militares. No Mahabharata, ainda, observamos a importância do som como rito, uma maneira de estar em contato com o sagrado antes e após o combate. O som configura-se, também, como o meio de amedrontar o inimigo: o alto som das conchas sopradas pelos heróis da batalha, das batidas de tambores e dos gritos de guerra demonstram a dimensão de um exército poderoso que se mobiliza para o início da ação, e prevê o sucesso no combate.

Palavras-chave: som, guerra, ritual, Mahabharata, shankhas.

Abstract: This paper intends to analyze sound as a fundamental process of the war rites, focusing on the Indian warrior society described in Mahabharata, an Indian epic poem that has a war of great proportions as its background. By analyzing selected excerpts from the poem that detail the warrior’s actions during the battle, we focus on understanding the importance of the sound of war for the Indian Antiquity by drawing parallels with other contexts, especially examples of the classic Greek culture has given the similarity for the use of the music in military activities. In Mahabharata we also can perceive the importance of the sound as a rite, a way of being in contact with the sacred before and after combats. The sound operates as a mean of frightening the enemies: the loud sound of conch shells blown by the heroes, the beating of the drums and the war cries demonstrate the dimensions of a powerful army preparing itself for the beginning of action and foreseeks its success in combat.

Keywords: sound, war, ritual, Mahabharata, shankhas.

Introdução

A importância do som no cotidiano das sociedades representa o que Marcel Mauss chamou de “fato social total”, segundo a abordagem de Fábio Vergara Cerqueira na proposta do evento onde este estudo foi primeiramente discutido.1 Segundo o autor, “a música se faz presente nas mais variadas facetas da vida social e cultural, que, entrelaçadas umas com as outras, formam uma rede de significados que permeia e constitui a vida cotidiana humana” (Cerqueira, 2019, p. 4). Há uma ligação bastante interessante entre som e música não só nas atividades cotidianas e comuns, mas também em momentos violentos e significativos de conflitos pelos poderes territoriais e/ou identitários.

A Guerra de Kurukshetra é um tópico essencial do épico indiano Mahabharata e, tal como entende Mauss, nesta guerra

[...] tudo se mistura, tudo o que constitui a vida propriamente social das sociedades que precederam as nossas – até as da proto-história. Nesses fenômenos sociais “totais”, como nos propomos chamá-los, exprimem-se, ao mesmo tempo e de uma só vez, toda espécie de instituições: religiosas, jurídicas e morais – estas políticas e familiais ao mesmo tempo [...], sem contar os fenômenos estéticos nos quais desembocam tais fatos e os fenômenos morfológicos que manifestam estas instituições (Mauss, 2013 [1950], p. 187).

Assim, é possível observar diversos registros a respeito da importante relação que o som possui com a guerra nesta sociedade indiana nos versos do Mahabharata, principalmente a partir do Livro 5 – Udyoga Parva, quando começam os preparativos para a grande guerra.

Procuramos ampliar a concepção da utilização do som no combate, e nos apropriamos de algumas discussões do campo das artes, da musicologia e da antropologia, para delinear nossa abordagem, compreendendo, sobretudo, os conceitos de objeto, imagem e paisagem sonoros, e a materialidade do som. Segundo a “teoria do imaginário”, do filósofo francês Gilbert Durand (1921-2012), “refletir sobre o som como imagem significa atribuir-lhe estatuto de representação simbólica: o som escutado se transfigura em um sentido abstrato e sempre parcial que revela os simbolismos da tradição cultural a qual se filia” (Vedana, 2011, p. 30, grifos nossos). Fernando Iazzeta diz ainda que, “da mesma maneira que aprendemos a ver e a interpretar as imagens visuais, também aprendemos a escutar e a interpretar as imagens sonoras” (2016, p. 383). Os sons são, antes de tudo, signos que remetem a algo: a uma fonte sonora, a um ambiente sonoro, a um evento sonoro, mas também a todas as coisas, contextos e situações que possam estar associados a esses sons.

Embora a discussão seja sobre as cidades contemporâneas em relação à tecnologia, as definições de campo e paisagem sonora de Carlos Fortuna (1999) nos parecem adequadas para a construção de nosso raciocínio em relação aos sons desta guerra em particular. Primeiro, as definições:

O campo sonoro se refere ao espaço acústico gerado a partir de uma determinada fonte emissora que irradia e faz distender a sua sonoridade a uma área ou território bem definidos. O centro deste campo sonoro é um determinado agente emissor, humano ou material, que, à medida que o som que produz se propaga e mistura com outros, tende a ver obscurecida e indeterminada a sua origem. Por isso, a expressão acústica que constitui o campo sonoro é sempre uma expressão híbrida e, de certo modo, desterritorializada (1999, p. 107).

Contudo, em determinados limites físicos e geográficos, há a sobreposição de diversos campos sonoros. Verdadeiro para a paisagem urbana, pretendemos aqui que nosso ambiente de guerra em Kurukshetra também seja compreendido a partir de todos os ruídos e barulhos que se sobrepõem no momento das batalhas, e o resultado desta sobreposição constitui uma paisagem sonora, isto é,

[...] um ambiente sonoro multifacetado que envolve os diferentes sujeitos-receptores. A paisagem sonora é, assim, fundamentalmente antropocêntrica já que, ao contrário do que sucede com o campo sonoro, não é um agente emissor indiferenciado – humano ou material –, mas o sujeito humano em concreto, que, na sua qualidade de receptor, constitui o seu centro. Dito de outra maneira, enquanto os campos sonoros fazem destacar a ação de produção/emissão de sonoridades, as paisagens sonoras referem-se ao acto da sua apropriação/recepção e parecem, assim, capazes de reterritorializar e tornar específica a acústica indiferenciada do campo sonoro (Fortuna, 1999, p. 107, grifos nossos).

O que determina e reterritorializa o campo sonoro em Kurukshetra é um som bastante específico extraído de conchas marinhas, por meio de um sopro longo e forte, que é acompanhado por demais instrumentos musicais de sopro e percussão, além de todos os ruídos típicos de guerra. No entanto, é o som específico da concha que representa aquilo que entendemos como a materialidade do som.

Compreendemos aqui a materialidade do som de uma maneira bastante ligada à percepção e aos sentidos. Embora o conceito de objeto sonoro esteja alinhado à modernidade, graças ao advento da eletricidade e, portanto, da criação de ferramentas e da invenção de tecnologias de gravação, reprodução e difusão do som, o som em seu aspecto material é investigado desde a Antiguidade e,

ao se compreendê-lo como algo concreto, sua qualidade vibratória torna-se quase tátil, possibilitando a sua integração na dinâmica sintática de elementos do espaço [...]. Esta passa a ocorrer de modo ainda mais pulsional, rítmico e emocional, próxima do que acontece com a luz, em seu aspecto de fluidez, de variação tonal e de criação de perspectivas e topologias distintas (Gusmão, 2019, p. 4).

Com esses conceitos em mente, refletimos aqui sobre o som da guerra nas fontes indianas, especificamente no Mahabharata, durante a principal luta de 18 dias entre clãs irmãos, os kauravas e os pandavas, pelo trono de Hastinapura, compreendendo o uso da shankha, como instrumento musical ritualístico para a guerra e para o contato com o sagrado.

Shankha: instrumento musical, instrumento ritual

As conchas marinhas têm sido utilizadas como instrumentos de sopro em quase todas as partes do mundo. A acústica das conchas não foi muito estudada (Montagu, 1981, p. 273), e o comportamento do som extraído gera ainda um certo grau de incompreensão. Estritamente, uma concha é um longo tubo conoidal que se fecha em uma espiral e, embora conchas de tamanhos maiores precisem ser modificadas para que se tornem uma trombeta, conchas pequenas podem ser usadas sem maiores modificações como um apito; uma concha pequena e intacta forma essencialmente um tubo, e se sua abertura tiver um tamanho apropriado para que quem sopre nela consiga criar uma embocadura, a concha pode efetivamente apitar. Geralmente, uma concha é usada para produzir uma nota, embora seja possível criar harmonias (Clark, 1996).

O uso mais comum das conchas é como um dispositivo de sinalização sonoro: “a shell trumpet may announce curfew in Samoa, or announce that fresh fish is for sale in Fiji, or may serve as a foghorn on the Mediterranean” (Clark, 1996). A trombeta de concha (fig. 1) é também utilizada em contextos musicais, comumente em rituais.

Observa-se em diversas culturas o papel mágico da trombeta de concha em relação à água, ao mar e ao clima. Na mitologia ocidental clássica, sobretudo na poesia mais tardia e na arte, o instrumento é um atributo de Tritão, divindade marinha, filho de Poseidon e Anfitrite. Segundo Ovídio (Met. 1.333), Tritão sopra sua trombeta de concha sob comando de Poseidon para acalmar as ondas revoltas do mar e, em episódio de luta com os Gigantes, o som gutural de sua trombeta serviu para aterrorizar os inimigos (Pseudo-Higino, Poet. Astr. apud Smith, 1873).

– Shankha ou trombeta de concha com bocal e detalhes de latão e cera O instrumento é associado ao deus Vishnu mas a decoração na concha permite sua ligação aos rituais do shivaísmo.
Figura 1
– Shankha ou trombeta de concha com bocal e detalhes de latão e cera O instrumento é associado ao deus Vishnu mas a decoração na concha permite sua ligação aos rituais do shivaísmo.
Século XIX, Kerala, Índia. Metropolitan Museum of Art, n. inv. 1986.12.2

Na Índia, a concha – do sânscrito shankha – é utilizada tanto como um instrumento musical,3 quanto um recipiente ritual.4 Figura, ainda, na iconografia como importante atributo de divindades e guerreiros, como abordaremos adiante.

A concha Turbinella pyrum, descrita pelo biólogo Lineu, em 1767,5 é uma espécie de molusco gastrópode marinho que habita a região indo-malaia, ocorrendo sobretudo no litoral leste da Índia; sua distribuição se interrompe mais ao sul da costa de Travancore, reaparecendo por toda a costa oeste e noroeste do continente indiano (Hornell, 1915, p. 3) e, ainda, no Paquistão e Sri Lanka. Concha de médio porte (entre 14 e 20 cm), a Turbinella p. ocupa uma importante posição no hinduísmo como objeto sagrado ligado a divindades de sua cosmogonia. Popularmente, a shankha é compreendida como um amuleto contra os poderes do mal, também associada a rituais de passagem, sobretudo relacionados à infância, ao casamento e à morte, e a rituais domésticos de bom agouro, paz, saúde e fortuna.6

De importante simbolismo no hinduísmo, possui grande valor e representa qualidades de brilho, pureza e auspiciosidade, e um senso de validação espiritual. O som do sopro da shankha é considerado uma representação do Om, o primeiro som da criação, o som ou a voz de Brahma.

Os primeiros relatos do uso da shankha em cenas de batalha ocorrem em dois épicos indianos, o Ramayana e o Mahabharata, em que a concha é empregada como uma trombeta pelos grandes guerreiros. Entende-se também que a primeira aparição de uma shankha tenha ocorrido no episódio da “agitação do Oceano”,7 narrado nos Puranas,8 e a partir do capítulo 17 da primeira parva do Mahabharata. Este episódio é de grande importância na cosmogonia hindu pois é nele que se narra o início dos tempos e a criação do universo, o nascimento das divindades e a vitória do bem sobre o mal. Diz a lenda que a primeira concha surgiu e permaneceu como um objeto auspicioso, seguida pelo aparecimento de Lakshmi,9 deusa consorte de Vishnu.

Concha esculpida e decorada com prata. No medalhão central da decoração, Narayana (avatar de Vishnu) sentado com sua consorte Lakshmi.
Figura 2
Concha esculpida e decorada com prata. No medalhão central da decoração, Narayana (avatar de Vishnu) sentado com sua consorte Lakshmi.
Século XI-XII (Período Pala), Índia ou Bangladesh. Metropolitan Museum of Art, n. inv. 1986.501.6.10

Em cerimônias religiosas, a shankha é utilizada para declarar a chegada de determinada divindade, e o início das orações; em alguns locais, água é coletada e distribuída em conchas. Durante a celebração do culto a Lakshmi,11 enche-se uma shankha com leite, que é vertido sobre a imagem da divindade.

A shankha é uma parte fundamental da simbologia de Vishnu. Vishnu é uma das principais divindades do hinduísmo, responsável pela sustentação do universo e, junto a Shiva e Brahma, forma a trindade sagrada do hinduísmo. Em suas representações mais comuns, possui quatro braços e porta em cada mão um de seus atributos divinos: um disco – Sudarshana Chakra; a gada (clava, maça) – Kaumodaki; uma flor de lótus; e a shankha (fig. 3).

Representação de Vishnu
Figura 3
Representação de Vishnu
Mahabharata, Ramanarayanadatta astri. v. 6. Gorakhpur: Gorakhpur Geeta Press, 1901.12

No Mahabharata, encontra-se a primeira menção ao nome da shankha de Krishna,13Panchajanya. De acordo com uma das lendas, Panchajanya era originalmente a casa de um terrível demônio marinho de nome Panchajana, inimigo dos cinco tipos de seres (jano): deuses, homens, gandharvas, serpentes e fantasmas, ou espíritos não-encarnados. Habitava o fundo do mar e, dentre tantos crimes, raptou o filho de Sandipani, o guru que havia ensinado Krishna a usar armas. Assumindo a forma de um peixe, a divindade vai em socorro da criança e luta contra o monstro, vencendo-o e pegando sua concha como um troféu, nomeando-a Panchajanya e transformando-a, assim, em um de seus atributos (Hornell, 1915; Fonseca, 2009). Quando Krishna toca sua trombeta de concha, o som anuncia o início de uma batalha, e a morte de seu oponente.

Mahabharata – o épico indiano

O Mahabharata é um épico indiano de proporções monumentais, com cerca de 90.000 versos duplos, definido por Louis Renou como “compilações enormes lidando com práticas religiosas, mitologia e cosmogonia. Misturado a esses elementos rigorosamente religiosos, há um número de assuntos mais seculares” (Renou, 1964, p. 19), o que possibilita discussões a respeito da sociedade que o produziu. O Mahabharata é considerado uma importante fonte de estudo sobre a “Idade do Ouro” da Índia, período pertencente a uma divisão no hinduísmo conhecida como as quatro yugas,14 ciclos cósmicos que se iniciam com a Idade do Ouro (Satyayuga), que representa uma “época perfeita” em que o conhecimento e a justiça predominavam entre os homens, e não havia a miséria.

Maha significa “grande”; Bharata é o nome de uma família do norte da Índia, “o clã dos Bharata”, e também um dos antigos nomes da Índia, “a Terra dos Bharata”. Mahabharata, portanto, pode ser entendida como “A grande história dos Bharata” ou a “grande história da Índia”. Por meio das guerras, dos feitos e dos dilemas morais das personagens do Mahabharata, compreendem-se os elementos da cultura védica e bramânica fundamentados no sagrado.

Sua produção é posterior a dos grandes Vedas,15 os primeiros textos sagrados do que viria a tornar-se o hinduísmo. O épico adquiriu o formato atual aproximadamente no século V AEC, com seus versos inteiramente compilados durante o século IV AEC. Sua autoria mitológica é creditada ao escritor Vyasa.

A intenção da obra é ser mais que uma narrativa a respeito de uma batalha de proporções monumentais, apresentando uma abrangência explícita logo em sua primeira parva,16 “não há uma história no mundo que não dependa desta história, assim como o corpo do alimento que recebe” (Meier, 2011, p. 40). Além de servir como um guia completo para o conhecimento do próprio “eu” e do sentido da vida, contendo o que são considerados como todos os aspectos da sabedoria divina, o Mahabharata desempenha o papel de marco na história desta sociedade, constituindo uma base para a sabedoria do sagrado. Dentre os diversos tipos de textos sagrados, o Mahabharata configura-se como um Itahasa iti, “desta maneira”, “desta forma”; ha, “de fato” e asa, como “ocorreu”. A tradução demonstra que este tipo de texto é considerado na tradição hindu como “um relato do que realmente ocorreu”.

A história principal trata da guerra de Kurukshetra, e os motivos que levaram a ela. Este combate se deu entre duas linhas de descendentes do clã dos bharata: os cem kauravas de um lado, e os cinco pandavas – Yudhishthira, Arjuna, Bhima, Nakula e Sahadeva, adotados pelo rei Dhritarashtra e criados juntos com os kauravas, os cem filhos do rei – de outro. Esta guerra é descrita em detalhes, o que possibilita o contato com o significado da guerra para esta sociedade, principalmente por meio do discurso de Krishna ao guerreiro Arjuna, momentos antes do combate iniciar.

Na guerra do Mahabharata, “as imortais instruções de Sri Krishna ao devoto guerreiro Arjuna também representam as dificuldades que cada um deve enfrentar na luta da vida neste mundo” (Paramadvaiti; Acharya, 2003, p. 16). Esta interpretação da vida como uma guerra reforça a metáfora que envolve a batalha e o confronto interno do herói Arjuna, provocando esta reflexão ao leitor ou ouvinte da obra. Mas, ao mesmo tempo em que o Mahabharata exerce papel fundamental para o processo espiritual na perspectiva hindu, diversos elementos guerreiros podem ser percebidos ao longo da obra. Além da moral, da coragem e do heroísmo, observamos na fonte um elemento importante do campo de batalha: o som da guerra.

O som da guerra

A Udyoga Parva apresenta o momento em que a principal guerra do Mahabharata está prestes a ter início; em seus versos são descritos o cenário com detalhes, e os elementos de uma sonoridade muito presente no campo de batalha. “Ouvem-se” exércitos postados, guerreiros motivados e focados em cumprirem seu dever como varna17 guerreira: “No exército de Duryodhana havia milhares e centenas de tais Ganas (unidade de exército) consistindo em guerreiros capazes de derrotar o inimigo e ansiosos pela batalha” (Mahabharata, l. 5, v. 156). Sanjaya, o condutor do carro do rei dos bharatas, Dhritarashtra, descreve todo o cenário ao seu rei, que é cego. Assim, elementos sonoros são destacados na narrativa, dando textura e volume ao ambiente da narrativa:

Com o clangor de conchas e o som de baterias que pareciam rugidos leoninos, ó Bharata, com o relincho de corcéis, e o estrépito de rodas de carro, com o barulho de elefantes turbulentos e os gritos, batidas no peito, e gritos de combatentes que rugiam, o tumulto causado em todos os lugares era muito grande. Os grandes exércitos dos kurus e dos pandavas, ó rei, se levantando ao nascer do sol, terminaram todos os seus arranjos. (Mahabharata, l. 6, v. 16).

Os instrumentos musicais são tocados em diversos momentos das batalhas: na formação das tropas, na preparação dos acampamentos, no início e ao fim do dia. As conchas são sopradas pelos guerreiros no início da batalha (fig. 4), um som que cumpre uma função no ritual marcial. Mas, além das conchas, há também o som de tambores para marcar a marcha das tropas que “se movem como um corpo irregular em meio ao clangor de conchas, ao bater de tambores e a gritos de guerra frequentes” (Chakravarti, 2004, p. 99). Ainda, imprimem a força e a violência características de um contexto de guerra, como no trecho de Harshacarita, de Banabhatta,18 citado por Prasenjit Chakravarti: “o tambor em marcha foi batido como um estrondo profundo, como o rugido estonteante dos elefantes. Então, depois de um momento de pausa, oito golpes afiados foram dados de novo no tambor, fazendo o número de passos na marcha” (Chakravarti, 2004, p. 99).

Ilustração de Bhishma Parva, do Mahabharata: “Os exércitos Pandava e Kaurava frente a frente”.
Figura 4
Ilustração de Bhishma Parva, do Mahabharata: “Os exércitos Pandava e Kaurava frente a frente”.
Mewar, Índia, c. 1700.19

No Bhishma Parva, lê-se:

Vendo o estandarte principal do filho de Pritha (epíteto de Arjuna), o filho de grande alma de Dhritarashtra (Duryodhana), com um guarda-sol branco sobre sua cabeça, no meio de mil elefantes, e cercado por sua centena de irmãos, começou com todos os reis (do seu lado) a organizar suas tropas contra o filho de Pandu (Arjuna). Vendo Duryodhana, os Panchalas (pandavas) que se deleitavam em batalha estavam cheios de alegria e sopraram suas conchas de som alto e pratos de sons agradáveis. Contemplando aquelas tropas assim encantadas, o filho de Pandu (Arjuna) e Vasudeva (Krishna) de grande energia tinham seus corações cheios de alegria (Mahabharata, l. 6, v. 1)

Na fig. 4, em uma ilustração circa 1700, estão representados os dois exércitos frente a frente: à esquerda, o exército de Duryodhana, líder dos karauva, que na imagem está bem ao centro de uma formação de soldados montados em elefantes, sob um pequeno guarda-sol branco. À direita, o exército dos pandava que, comandado por Arjuna e Krishna soprando suas conchas, hasteiam os estandartes e tocam seus instrumentos – os tambores e as trombetas, à frente da formação.

Em diversos contextos de batalha, o som das trombetas20 é recorrente. Na cultura helênica, há um instrumento específico, a salpinx, cujo uso é quase estritamente marcial, de acordo com numerosas fontes escritas de gêneros diversos, e com a iconografia de vasos pintados dos séculos VI e V a.C. Segundo Cerqueira, “diversas cenas sugerem que os atenienses costumavam utilizar a trombeta em situações militares variadas, associando a ela alguns simbolismos com conotação militar” (2018, p. 151). O autor reforça a presença da salpinx no contexto bélico grego como um instrumento de forte simbolismo guerreiro para esta sociedade, informando ainda que por meio do contato “com os povos orientais, através dos lídios, os gregos tinham conhecimento da presença de músicos acompanhando as tropas como forma de espetacularizar a guerra, procurando impressionar o adversário com uma imagem de grandeza, ordem e riqueza (2018, p. 163, grifo nosso).

A salpinx produz um som que pode ser ouvido à distância, e era tocada em “campos abertos, sob o barulho intenso de um campo de batalha” e cujo som remeteria a uma “sanguinolenta melodia de guerra” (Cerqueira, 2019, p. 174) e, portanto

precisava ser altissonante, para que pudesse cumprir sua missão nos amplos e ruidosos campos de batalha. Ela possuía uma função psicológica e uma função comunicativa. Psicologicamente, a salpinx servia para “incitar e inflamar os ânimos” ut excitarentur atque evibrarentur animi, quod cornua et litui moliuntur (Gell I.11.1), “provocando os jovens às armas”, προκαλουμένην τοὺς νέους ἐς ὅπλα (Philostr. Gym. VII.18-19). Era o estímulo encorajador para enfrentar o inimigo (2019, p. 174, grifo nosso).

Ainda, “the salpinx is a powerful instrument whose sound signifies both the terror of combat and the power of the divine (Nooter, 2019, p. 236, grifo nosso), o que também é adequado para os relatos do Mahabharata, inclusive quando falamos das shankhas:

Então Bhima de braços fortes, cimitarra na mão, e cheio de alegria, soprou sua concha de sonoridade terrível. E com aquele clangor ele fez os corações de todas as tropas Kalinga (Kalinga é um reino descrito no Mahabaharata que lutou ao lado dos kauravas) tremerem com medo. E, ó castigador de inimigos, todos os kalingas pareciam ao mesmo tempo estar privados de sua razão. E todos os combatentes e todos os animais tremeram com terror (Mahabharata, l. 6, v. 54, grifo nosso).

O som amedronta e enfraquece os inimigos, tira-lhes a razão ao ser tão estridente e demonstra a dimensão do exército oponente, além de servir como parte do ritual de anúncio da batalha. Neste ritual, que inclui, portanto, outros instrumentos musicais, as conchas recebem papel destacado, justamente por ter essa ligação com o divino, e ser parte fundamental da cosmogonia hindu. Para se ter uma dimensão da importância do objeto nos rituais de batalha, a individualidade e a identidade das shankhas é registrada. Cada um dos principais guerreiros pandavas possui a sua shankha, que é dotada de significados, histórias e nomes:

Então Mádhava (Krishna) e o filho de Pandu (Arjuna), ambos posicionados sobre um carro magnífico ao qual estavam unidos corcéis brancos, sopraram suas conchas celestes. E Hrishikesha (Krishna) soprou (a concha chamada) Panchajanya e Dhamanjaya (Arjuna) a Devadatta; e Vrikodara (Bhima) de feitos terríveis soprou a concha enorme Paundra. E o filho de Kunti, o rei Yudhishthira, soprou (a concha chamada) Anantavijaya; enquanto Nakula e Sahadeva, (aquelas conchas chamadas respectivamente) Sughosa (Dulcisona) e Manipushpaka (Gemmiflora). E aquele arqueiro esplêndido, o soberano de Kasi e aquele poderoso guerreiro em carro, Sikhandin, Dhrishtadyumna, Virata, e o invicto Satyaki, e Drupada, e os filhos de Draupadi, e o poderosamente armado filho de Subhadra, todos estes, ó senhor da terra, respectivamente sopraram suas conchas. E aquele clangor, reverberando ruidosamente pelo céu e pela terra, despedaçou os corações dos Dhartarashtras (Mahabharata, l. 6, v. 25, grifos nossos).

Portanto, as shankhas Paundra, Devadatta, Anantavijaya, Sughosha e Manipuslipaka21 são as cinco conchas de guerra dos pandavas; Paundra, a concha de Bhima, parece ter seu nome derivado de um demônio que fora morto pelo herói. Ainda, tem o nome relacionado ao pundra, sinal ou linha feitos na testa com cinza ou pós coloridos para marcar o pertencimento a uma vertente de adoradores e fiéis da divindade Shiva (Fonseca, 2009, p. 30). Devadatta (Dado por Deus) é o nome da concha de Arjuna, e faz “referência à sua filiação, como discípulo de Drona (o mestre dos pandavas)” (Fonseca, 2009, p. 30).

E então, a batalha de Kurukshetra tem seu fim. Se os sons, os ruídos de guerra, a música e os gritos fazem parte de diversos momentos ativos do combate, também à queda de um comandante seguem o som da tristeza de um lado, e o som da conquista, do outro:

De fato, quando Bhishma, derrubado de seu carro caiu sobre a superfície da terra, gritos de ‘Oh’ e ‘Ai’ foram ouvidos entre todas as criaturas. [...]

Os pandavas, por outro lado, tendo obtido a vitória, permaneceram na dianteira de suas tropas. E eles todos sopraram suas grandes conchas enfeitadas com ouro. E quando por consequência de sua alegria milhares de trombetas, ó impecável, foram sopradas lá, nós vimos, ó monarca, o poderoso Bhimasena, o filho de Kunti, se divertindo em grande alegria, tendo matado rapidamente muitos guerreiros hostis dotados de grande força (Mahabharata, l. 6, v. 121, grifos nossos).

No quadro “Queda de Bhishma” (fig. 5), é representado o momento silencioso e triste da morte de Bhishma em contraposição à sonoridade que vem do exército pandava. Na cena, estão destacados Krishna e Arjuna que, junto a outros cinco guerreiros, sopram suas conchas.

Quadro “Queda de Bhishma”, miniatura do Kangra tardio (séc. XIX).
Figura 5
Quadro “Queda de Bhishma”, miniatura do Kangra tardio (séc. XIX).
Arki, Himachal Pradesh, Srikrishna Museum.

Considerações finais

Segundo Morag Josephine Grant, a pesquisa sobre a musicologia da guerra e de outras formas de violência coletiva é um campo muito novo que tem tomado corpo nos últimos vinte ou trinta anos (Grant, 2020). A historiografia ocidental demonstra que o som e a música em ambientes de guerra são abordados eventualmente, e em apenas uma restrita parte de um campo muito maior de estudos sobre a guerra, desde Carl von Clausewitz (1780-1831), um soldado prussiano com extensa experiência em combate durante a guerra Napoleônica, considerado um dos primeiros autores teóricos sobre a guerra moderna.

Para nosso recorte, que envolve um épico cuja historicidade22 não pode ser comprovada, mas que permanece influente nas práticas ritualísticas e religiosas da sociedade indiana contemporânea, optamos prudentemente por avaliar as narrativas sobre o som da guerra no Mahabharata por meio de abordagens interdisciplinares que vão ao encontro dos aportes teórico-metodológicos da sociologia e antropologia da música:

Music sociology investigates material and conceptual value systems, mediality and structures of social behaviour, the attribution of and expectations associated with particular roles, and in particular the functions of music in everyday life, and does so both synchronically and diachronically. In doing so, interdisciplinary impetuses – for example from the fields of sociological theory, empirical social research, but also a wider spectrum ranging from religious studies to communication theory – play an important role, without ever losing sight of those aspects of the subject “music” which are specific to it and cannot be reduced to other things (Grant, 2020, p. 2).

A narrativa do Mahabharata não é linear, e suas histórias são contadas por diversos narradores que se sobrepõem. As questões sobre sua historicidade prosseguem em pesquisas de diversas áreas do conhecimento cultural, mas aqui procuramos perceber como o som é socialmente inserido em processos históricos de longa duração, e compreender suas funções em diferentes sistemas culturais.

Seguimos aqui estudos em que, tradicionalmente, se presume que a música tocada em combates tem “the function of striking fear into the heart of the opponent, or of ‘inspiring’ or ‘inciting’ soldiers of one’s own side to the attack” (Grant, 2015,23 p. 1). A narrativa do Mahabharata deixa isso claro em diversos momentos, e podemos observar esse uso do som em diversas outras narrativas, históricas24 ou não.25 Os sons estridentes dos instrumentos de sopro, os estrondos produzidos pelos instrumentos de percussão, todos eles causam sensações em seus ouvintes, e, no ambiente das batalhas, eles certamente influenciam as atitudes daqueles que performam a música e a coreografia da guerra.

A música – ou o som – em contextos de guerra, portanto, reforça ainda mais a já estreita ligação da guerra com as questões culturais e identitárias das sociedades envolvidas. O uso dos sons e o da música antes, durante e após as batalhas dão significado a elas, e marcam não só estratégias nos combates propriamente ditos, como servem também como estratégias psicológicas para que estes ocorram. O som ordena, o som coordena, o som movimenta, causa medo, apreensão ou permite a comemoração e a celebração de guerreiros, funcionando como um catalisador de emoções e construtor de memórias.

Referências

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BEN, Arnold. Music and War: a research and information guide. New York: Garland, 1993.

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Notas

1 A comunicação “No clangor das conchas”: o som da guerra em Mahabharata, foi apresentada na Sessão temática VII – Instrumentos musicais: estudos iconográficos e literários (Grécia e Índia), da XX Jornada de História Antiga, UFPel.
2 Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/503672. Acesso em: 16 nov. 2020.
3 No Natya Shastra, de Bharata-muni (1951), um tratado técnico da literatura sânscrita, é apresentado um sistema de classificação dos instrumentos musicais indianos. A obra possui um caráter enciclopédico, e trata do teatro e das artes correlatas, como a música. Os instrumentos musicais – vadhya – são divididos em quatro classes, determinadas pela maneira de vibração do respectivo componente do instrumento. No caso, a concha entra na categoria Susira, instrumento musical oco, isto é, aerofono.
4 Nos versos 91-92 do capítulo III – Ritual aos deuses do palco (rangapuja) – do Natya Shastra (Bharata-muni, 1951), fala-se sobre o uso da concha como um instrumento a ser tocado em batalha (não especificada): “then a fight should be caused to be made [on the stage] in accompaniment with the sound of all the musical instruments such as conch-shell, Dundubhi, Mṛdaṅga and Paṇava” (grifo nosso).
5 Nomeada anteriormente Xancus pyrum, terminologia substituída por Turbinella p. (WoRMS, 1998-2010).
6 “Blowing the conch primarily signifies the calling in and experience of domestic mongol (auspiciousness): peace, health, and fortune. Right at that liminal moment, when day is slipping into night, every Bengali household captures that short span of dusk in embodied discourse, which although shall pass, twirls through the conch’s spiral folds, sounding it, and opening out into the night’s expanse. The shankh’s sound is heavy and long, yet always ends suddenly. It both reminds of the day gone, and the night’s arrival. Riding precisely on this dyad of nostalgia as a reminder of dark death and invitation as a reminder of life, arrive two critical goddess figures of Bengal: Manasa and Lakshmi” (Sarbadhikary, 2019, p. 2).
7 Tradução nossa de Samudra Manthan. Na tradução do Mahabharata para o português, de Eleonora Meier (2011), o capítulo 18 intitula-se “Batimento do Oceano”.
8 Segundo Louis Renou (1964, p. 121-2), “textos versificados, cada qual, via de regra, dedicado a uma descrição das características e feitos de alguma grande divindade e a uma afirmação dos elementos de seu culto relacionado e as peregrinações ligadas ao mesmo”. 9 “Restabelecidos assim em força, os deuses recomeçaram a bater. Depois de algum tempo a Lua suave de mil raios emergiu do Oceano. Depois saiu Lakshmi vestida de branco, então Soma, então o Corcel Branco, e então a joia celeste Kaustubha que orna o peito de Narayana. Então Lakshmi, Soma e o Corcel, veloz como a mente, todos chegaram diante dos deuses no alto” (Meier, 2011, parva 1, cap. 18, grifos nossos).
9 “Restabelecidos assim em força, os deuses recomeçaram a bater. Depois de algum tempo a Lua suave de mil raios emergiu do Oceano. Depois saiu Lakshmi vestida de branco, então Soma, então o Corcel Branco, e então a joia celeste Kaustubha que orna o peito de Narayana. Então Lakshmi, Soma e o Corcel, veloz como a mente, todos chegaram diante dos deuses no alto” (Meier, 2011, parva 1, cap. 18, grifos nossos).
10 Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/38131. Acesso em: 16 nov. 2020.
11 O culto (puja) a Lakshmi ocorre no dia de lua cheia do mês de Ashwin, entre setembro e outubro, anteriormente ao Diwali, Festival das Luzes, em que também se comemora a adoração à deusa em outras partes da Índia e Nepal.
12 Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c2/Bhagavan_Vishnu.jpg. Acesso em: 14 nov. 2020.
13 Oitavo avatar de Vishnu, Krishna é a encarnação da divindade. No Mahabharata, Vishnu desce à Terra nessa forma humana e momentos antes do combate revela sua verdadeira forma para Arjuna.
14 Além da Idade do Ouro, fazem parte do ciclo a Idade de Prata (Tetrayuga), Idade de Bronze (Dvaparayuga) e a Idade do Ferro (Kaliyuga). Um resumo sobre as quatro yugas pode ser encontrado na dissertação de Célia Tomimatsu (2013, p. 18-20).
15 Os primeiros textos sagrados do vedismo, considerado um estágio embrionário do que seria o hinduísmo: Rig Veda, Yajur Veda, Sama Veda e Atar Veda. O Rig Veda é o “mais antigo documento literário da Índia e um dos mais antigos do mundo indo-europeu, estando escrito em sânscrito bem arcaico” (Renou, 1964, p. 16).
16 Em português, “seção” ou “capítulo”; a obra é dividida em 18 parvas.
17 Divisão na sociedade hindu na Antiguidade. Para ler mais sobre as varnas, destaca-se a contribuição de Ciro Flamarion Cardoso (1998, p. 163). A varna guerreira denomina-se Kshatriya.
18 “Os feitos de Harsha”, uma biografia do imperador indiano Harsha, escrita por Banabhatta no século VII EC (Sarkar, 2018, p. 8)
19 Disponível em: https://www.sothebys.com/en/auctions/ecatalogue/2012/indian-southeast-asian-works-of-art/lot.235.html. Acesso em: 14 nov. de 2020.
20 Há uma grande discussão sobre o uso do termo ‘trombeta’ como tradução para o instrumento salpinx no estudo de Cerqueira: “em razão da forma e dimensão do instrumento, considero mais adequada para o português a tradução “trombeta”, descartando “trompa” ou “trompete”, que sugerem outros tipos de aerofones, que não possuem tubos exclusivamente retos” (2018, p. 179, n. 2), o que é pertinente também ao nosso estudo. Nos textos que falam sobre a música no ambiente militar, é comum encontrarmos “trompa”, “trompete” e, ainda, “corneta” para os instrumentos que emitem sons de aviso. No caso específico das shankhas, entretanto, encontramos a tradução “trombeta de concha” para aquelas utilizadas na atualidade durante os pujas e demais ritos religiosos hindus e budistas, que podem receber partes de metal para a sua embocadura, além de outros tipos de enfeites (fig. 1).
21 Segundo Hornell (1915, p. 14), o significado das três outras conchas é, respectivamente: Vitória Eterna, Doce Voz ou Tom de Mel, e Flor de Joia.
22 Estudos linguísticos e da literatura védica ainda procuram relações históricas para a obra: S. S. N. Murthy questiona a historicidade do Mahabharata, por meio de um estudo de nomes e termos presentes no épico, e cotejados no texto do Rig Veda, onde há a narrativa de uma “Batalha dos dez Reis” (The Battle of ten Kings – btk), que ele chama de uma “mini-Bharata battle”. Propondo a comparação crítica da Batalha dos dez Reis com a grande batalha do Mahabharata, o autor diz que o grande número de similaridades leva à conclusão de que o Rig Veda deve ser o núcleo formador do épico (Murthy, 2003, p. 2). O problema é que o Rig Veda é um texto religioso, escrito em um sânscrito mais antigo que aquele encontrado no Mahabharata e, segundo Roberto A. Martins, “os Vedas representam mais propriamente um pensamento religioso, e não filosófico [… e] essa tradição religiosa foi muitas vezes considerada de pequeno valor (Martins, 2011, p. 121), pois representaria uma religião da natureza, criada pelos poetas. Murthy conclui que o Mahabharata é “a dramatized version of the btk and there is no historicity involved in the Epic. There is only one ‘bharata war’ ie., the Vedic battle of ten kings” (Murthy, 2003, p. 9). Já investigações arqueológicas em sítios mencionados no épico, e em outros textos tradicionais indianos, têm sido feitas desde o final do século XIX na Índia. B. B. Lal, arqueólogo indiano, procurou usar as evidências arqueológicas de suas escavações para comprovar a historicidade do Mahabharata, e a apresentação e discussão de suas campanhas foram publicadas em 1981, datando os acontecimentos do épico entre 1000 e 900 AEC, embora consciente das limitações de seus dados para estabelecer a historicidade e antiguidade do texto. Suraj Bahn comenta que Lal concorda que “the evidence is entirely circumstantial and until and unless positive ethnographic and epigraphic proofs are obtained to substantiate the conclusions they cannot but be considered provisional” (Bahn, 1997, p. 5). Para Lal, “however incomplete and circumstantial, does indicate that there is a kernel of truth at the base of both these epics, though poetic imagination and literary embellishment have often rendered the descriptions of places and persons highly exaggerated and consequently unacceptable from a strictly historical point of view” (Lal, 1981, p. 32). Não pretendemos propor aqui um histórico sobre a “arqueologia do Mahabharata”, mas é importante citar que notícias mais recentes publicadas em outubro de 2019 recuam as datações para 2000-1500 AEC. O arqueólogo Sanjay Majul, do Serviço Arqueológico Indiano (ASI, em inglês), relata que achados de sua escavação em Sanauli, sobretudo “um carro de guerra puxado a cavalos”, colocaria este sítio no mesmo horizonte cronológico da cultura do Mahabharata. Desde as escavações dos anos 50 dirigidas por Lal, “there have been at least eight excavations at places mentioned in the Mahabharata, but the ASI now has not published any conclusive, direct or genetic evidence so far to establish historical facts” (grifo nosso). https://economictimes.indiatimes.com/news/politics-and-nation/mahabharata-much-older-say-asi-archaeologists/articleshow/71658119.cms?utm_source=contentofinterest&utm_medium=text&utm_campaign=cppst.
23 A proposta neste texto em específico é compreender o uso da música no momento da violência, estudando batalhas na Segunda Guerra Mundial, sobretudo analisando os tocadores de gaita-de-foles durante os combates.
24 Para a linha de pesquisa sobre a música e as Grandes Guerras a partir do ponto de vista dos sons em batalha, e da influência das guerras na produção musical contemporânea e subsequente a elas, ver Grant, 2017. Para demais contextos históricos desde a Antiguidade, ver Martens, 1925 e Ben, 1993.
25 De grande impacto na cultura popular, a grande obra de J. R. R. Tolkien, a trilogia “Senhor dos anéis”, escrita entre 1939 e 1947, foi diretamente influenciada pelas duas grandes guerras mundiais. Em seus livros, são inúmeros os exemplos em que batidas de tambores e o som alto dos instrumentos de sopro servem para sinalizar o combate e promover a comunicação entre guerreiros (destaque para “o chifre de Gondor”, uma corneta feita de chifre de boi, e herança dos regentes de Gondor, o grande reinado dos homens dentro da mitologia tolkiana).
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