Traduções

DIÁLOGO DO PRÍNCIPE E NOBILÍSSIMO JOVEM PEPINO COM O PROFESSOR ALBINO

DIALOGUE BETWEEN THE PRINCE AND THE MOST NOBLE YOUNG PIPPIN WITH PROFESSOR ALBINUS

Artur Costrino
Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil

DIÁLOGO DO PRÍNCIPE E NOBILÍSSIMO JOVEM PEPINO COM O PROFESSOR ALBINO

Classica - Revista Brasileira de Estudos Clássicos, vol. 34, núm. 2, pp. 1-11, 2021

Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos

Recepción: 14 Septiembre 2020

Aprobación: 12 Diciembre 2020

Resumo: Apresento aqui nova tradução completa e anotada em português do texto Disputatio regalis et nobilissimi iuvenis Pippini cum Albino scholastico. Esse importante texto de caráter didático é composto quase que inteiramente a partir de outros textos anteriores que circulavam nos domínios carolíngios e evidencia o processo de composição de Alcuíno de Iorque, baseado, senão na emulação, certamente na prática da coleção e mistura de exemplos passados. A tradução acompanha breve introdução e notas que explicitam as respostas dos enigmas mais difíceis.

Palavras-chave: Alcuíno, diálogo, educação, renascimento Carolíngio.

Abstract: I present here a new and complete translation in Portuguese of the text Disputatio regalis et nobilissimi iuvenis Pippini cum Albino scholastico. This important educational text is composed almost entirely from other previous texts that circulated in the Carolingian domains and shows the process of composing of Alcuin of York, based, if not on emulation, certainly on the practice of the collection and mixture of past examples. The translation accompanies a brief introduction and notes explaining the answers to the most difficult puzzles.

Keywords: Alcuin, dialogue, education, Carolingian Renaissance.

Introdução

Alcuíno de Iorque (Flaccus Albinus Alcuinus, mas também conhecido por seus nomes anglo-saxões, Ealhwine, por exemplo), nascido por volta do ano 735 e morto em 804 da nossa era, foi um dos pensadores, poetas e executores mais importantes do chamado “Renascimento Carolíngio” (Bullough, 2004). Sob o domínio de Carlos Magno, Alcuíno exerceu incomparável influência como principal conselheiro do rei/imperador e, principalmente, como um dos principais professores da escola palatina, encarregado da educação não só dos filhos da família real como também do projeto de letramento de todo o império.1

O texto a seguir foi escrito provavelmente na década 790, enquanto Alcuíno trabalhava no palácio em Aachen. Nesse período, antes de sua nomeação como abade de São Martinho em Tours em 796, teria escrito sua obra, a maioria composta de diálogos, dedicada às artes liberais e à educação.2

Como era frequente em Alcuíno e seus contemporâneos, o engenho do autor não estava na capacidade de criar algo “original”, mas em usar, copiar e combinar textos mais antigos de modo a reinseri-los em debates ou, como era provavelmente o caso, em sala de aula. De fato, o diálogo apresentado aqui, embora curto, é uma mistura de diferentes textos antigos, de gêneros distintos.

O diálogo (de certa forma epistolar, como podemos ver pela última linha) de Alcuíno é uma mistura de diálogo sapiencial e enigmas. Dois gêneros que já tinham uma longa história, separadamente, desde o final da Antiguidade e que Alcuíno combina e condensa em um único diálogo.3 Este é uma conversa entre o professor Alcuíno, denominado “Albino” no texto, e Pepino, filho de Carlos Magno. Evidentemente, a veracidade da conversa não é verificável ou importante para o gênero. Alcuíno usa da presença da personagem da família real para elevar a importância e acesso de seu texto, como já fizera em seus outros diálogos em que o interlocutor é o próprio rei Carlos Magno.

Para a tradução, baseei-me na edição da Patrologia Latina (1844). As notas, que concernem aos enigmas mais obscuros para o público contemporâneo, foram feitas com base em outros textos que já se dedicaram ao estudo desta obra didática do professor de Iorque, como Bayless (in Halsall, 2004), Beeson e Orchard.

Pippini Regalis et Nobilissimi Juvenis Disputatio cum Albino Scholastico Diálogo do príncipe e nobilíssimo jovem Pepino com o professor Albino
Pippinus. Quid est littera? – Albinus. Custos historiae. Pepino. O que é a letra? – Albino. Guardiã da História.
P. Quid est verbum? – A. Proditor animi. P. O que é a palavra? – A. Reveladora da alma.
P. Quis generat verbum? – A. Lingua. P. O que cria a palavra? – A. A língua.
P. Quid est lingua? – A. Flagellum aeris. P. O que é a língua? – A. Flagelo do ar.
P. Quid est aer? – A. Custodia vitae. P. O que é o ar? – A. Guarda da vida.
P. Quid est vita? – A. Beatorum laetitia, miserorum moestitia, exspectatio mortis. P. O que é a vida? – A. A alegria dos contentes, tristeza dos infelizes, expectativa da morte.
P. Quid est mors? – A. Inevitabilis eventus, incerta peregrinatio, lacrymae viventium, testamenti firmamentum, latro hominis. P. O que é a morte? – A. O acontecimento inevitável, a peregrinação incerta, as lágrimas dos vivos, a fundação de um testamento, ladrão do homem.
P. Quid est homo? – A. Mancipium mortis, transiens viator, loci hospes.P. O que é o homem? – A. O escravo da morte, um viajante que passa, um hóspede da casa.
P. Cui similis est homo? – A. Pomo.P. Com o que se parece o homem? – A. Com uma árvore frutífera.
P. Quomodo positus est homo? – A. Ut lucerna in vento. P. De que modo o homem foi colocado? – A. Como uma lanterna no vento.
P. Ubi est positus? – A. Intra sex parietes. P. Onde foi colocado? – A. Entre seis paredes.
P. Quos? – A. Supra, subtus; ante, retro; dextra laevaque. P. Quais? – A. Em cima, embaixo; diante, atrás; direita, esquerda.
P. Quot modis variabilis est? – A. Sex. P. De quantos modos pode variar? – A. Seis.
P. Quibus? – A. Esurie et saturitate; requie et labore; vigiliis et somno. P. Quais? – A. Da fome e da saciedade; do descanso e do trabalho; da vigília e do sono.
P. Quid est somnus? – A. Mortis imago. P. O que é o sono? – A. A aparência da morte.
P. Quid est libertas hominis? – A. Innocentia. P. O que é a liberdade do homem? – A. A inocência.
P. Quid est caput? – A. Culmen corporis. P. O que é a cabeça? – A. O topo do corpo.
P. Quid est corpus? – A. Domicilium animae. P. O que é o corpo? – A. Domicílio da alma.
P. Quid sunt comae? – A. Vestes capitis. P. O que são os cabelos? – A. As roupas da cabeça.
P. Quid est barba? – A. Sexus discretio, honor aetatis. P. O que é barba? – A. Distinção do sexo, adorno da idade.
P. Quid est cerebrum? – A. Servator memoriae. P. O que é o cérebro? – A. Conservador da memória.
P. Quid sunt oculi? – A. Duces corporis, vasa luminis, animi indices.P. O que são os olhos? – A. Os comandantes do corpo, os recipientes da luz, os indicadores da alma.
P. Quid sunt nares? – A. Adductio odorum. P. O que são as narinas? – A. Condutor dos odores.
P. Quid sunt aures? – A. Collatores sonorum. P. O que são os ouvidos? – A. Coletores dos sons.
P. Quid est frons? – A. Imago animi. P. O que é a face? – A. Aparência da alma.
P. Quid est os? – A. Nutritor corporis. P. O que é a boca? – A. Nutriz do corpo.
P. Quid sunt dentes? – A. Mola morsorum. P. O que são os dentes? – A. Moinhos das mordidas.
P. Quid sunt labia? – A. Valvae oris. P. O que são os lábios? – A. Entrada da boca.
P. Quid est gula? – A. Devorator cibi. P. O que é a garganta? – A. Engolidor da comida.
P. Quid manus? – A. Operarii corporis. P. O que são as mãos? – A. Operários do corpo.
P. Quid sunt digiti? – A. Chordarum plectra. P. O que são os dedos? – A. Palhetas das cordas.
P. Quid est pulmo? – A. Servator aeris. P. O que é o pulmão? – A. Conservador do ar.
P. Quid est cor? – A. Receptaculum vitae. P. O que é o coração? – A. Receptáculo da vida.
P. Quid est jecur? – A. Custodia caloris. P. O que é o fígado? – A. Guarda do calor.
P. Quid est fel? – A. Suscitatio iracundiae. P. O que é o fel? – A. Incitação da ira.
P. Quid est splenis? – A. Risus et laetitiae capax. P. O que é o baço? – A. O que segura o riso e a alegria.
P. Quid est stomachus? – A. Ciborum coctor. P. O que é o estômago? – A. O cozinheiro da comida.
P. Quid est venter? – A. Custos fragilium. P. O que é o ventre? – A. O guardião das migalhas.
P. Quid sunt ossa? – A. Fortitudo corporis.P. O que são os ossos? – A. A fortaleza do corpo.
P. Quid sunt coxae? – A. Epistylia columnarum. P. O que é o quadril? – A. O suporte da coluna.
P. Quid sunt crura? – A. Columnae corporis. P. O que são as pernas? – A. As colunas do corpo.
P. Quid sunt pedes? – A. Mobile fundamentum. P. O que são os pés? – A. Alicerce móvel.
P. Quid est sanguis? – A. Humor venarum, vitae alimentum. P. O que é o sangue? – A. O fluido das veias, alimento da vida.
P. Quid sunt venae? – A. Fontes carnis. P. O que são as veias? – A. As fontes da carne.
P. Quid est coelum? – A. Sphaera volubilis, culmen immensum.P. O que é o céu? – A. Esfera circulante, cume imensurável.
P. Quid est lux? – A. Facies omnium rerum. P. O que é a luz? – A. A face de todas as coisas.
P. Quid est dies? – A. Incitamentum laboris. P. O que é o dia? – A. Estímulo ao trabalho.
P. Quid est sol? – A. Splendor orbis, coeli pulchritudo, naturae gratia, honor diei, horarum distributor. P. O que é o sol? – A. Esplendor do mundo, beleza do céu, graça da natureza, adorno do dia, distribuidor das horas.
P. Quid est luna? – A. Oculus noctis, roris larga, praesaga tempestatum.P. O que é a lua? – A. Olho da noite, cheia de orvalho, profetiza da tempestade.
P. Quid sunt stellae? – A. Pictura culminis, nautarum gubernatores, noctis decor. P. O que são as estrelas? – A. Pintura das alturas, capitães dos marinheiros, decoração da noite.
P. Quid est pluvia? – A. Conceptio terrae, frugum genitrix.P. O que é a chuva? – A. Fertilizadora da terra, genitora das searas.
P. Quid est nebula? – A. Nox in die, labor oculorum.P. O que é a nuvem? – A. Noite durante o dia, trabalho para os olhos.
P. Quid est ventus? – A. Aeris perturbatio, mobilitas aquarum, siccitas terrae. P. O que é o vento? – A. Perturbação do ar, o movimento das águas, secura da terra.
P. Quid est terra? – A. Mater crescentium, nutrix viventium, cellarium vitae, devoratrix omnium. P. O que é a terra? – A. A mãe das coisas que crescem, nutriz dos viventes, celário da vida, devoradora de tudo.
P. Quid est mare? – A. Audaciae via, limes terrae, divisor regionum, hospitium fluviorum, fons imbrium, refugium in periculis, gratia in voluptatibus. P. O que é o mar? – A. O caminho da audácia, os limites da terra, divisor das regiões, pousada dos rios, fonte das garoas, refúgio nos perigos, graça nos prazeres.
P. Quid sunt flumina? – A. Cursus indeficiens, refectio solis, irrigatio terrae. P. O que são os rios? – A. Curso inacabável, descanso do sol, irrigação da terra.
P. Quid est aqua? – A. Subsidium vitae, ablutio sordium. P. O que é a água? – A. Subsídio da vida, limpadora das manchas.
P. Quid est ignis? – A. Calor nimius, fotus nascentium, maturitas frugum. P. O que é o fogo? – A. Calor excessivo, aquecimento dos recém-nascidos, o maduro dos frutos.
P. Quid est frigus? – A. Febricitas membrorum. P. O que é o frio? – A. O estremecer dos membros.
P. Quid est gelu? – A. Persecutio herbarum, perditio foliorum, vinculum terrae, fons aquarum. P. O que é o gelo? – A. Perseguidor das plantas, destruidor das folhas, laço das terras, fonte das águas.
P. Quid est nix? – A. Aqua sicca. P. O que é a neve? – A. Água seca.
P. Quid est hiems? – A. Aestatis exsul. P. O que é o inverno? – A. Exílio do verão.
P. Quid est ver? – A. Pictor terrae. P. O que é a primavera? – A. Pintora da terra.
P. Quid est aestas? – A. Revestio terrae, maturitio frugum. P. O que é o verão? – A. Revestimento da terra, madureza dos frutos.
P. Quid est autumnus? – A. Horreum anni.P. O que é o outono? – A. Armazém do ano.
P. Quid est annus? – A. Quadriga mundi. P. O que é o ano? – A. A quadriga do mundo.
P. Quis ducit? – A. Nox et dies, frigus et calor. P. Quem a conduz? – A. A noite e o dia, o frio e o calor.
P. Quis est auriga ejus? – A. Sol et luna. P. Quem é o cocheiro dela? – A. O sol e a lua.
P. Quot habet palatia? – A. Duodecim.P. Tem quantos palácios? – A. Doze.
P. Qui sunt praetores palatiorum? – A. Aries, Taurus, Gemini, Cancer, Leo, Virgo, Libra, Scorpius, Arcitenens, Capricornus, Aquarius, Pisces. P. Quem são os chefes dos palácios? – A. Áries, Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem, Libra, Escorpião, Sagitário, Capricórnio, Aquário e Peixes.
P. Quot dies habitat in unoquoque palatio? – A. Sol XXX dies et decem semis horas. Luna duos dies et octo horas, et bisse unius horae. P. Quantos dias habita em cada um dos palácios? – A. O sol habita trinta dias e dez meias-horas; a lua, dois dias, seis horas e dois terços de uma hora.
P. Magister, timeo altum ire. – A. Quis te duxit in altum? P. Professor, tenho medo subir muito alto. – A. Quem o elevou muito alto?
P. Curiositas. – A. Si times, descendam. Sequar quocunque ieris. P. A curiosidade. – A. Se você tem medo, desceremos. Eu o seguirei aonde quer que você vá.
P. Si scirem quid esset navis, praepararem tibi, ut venires ad me. – A. Navis est domus erratica, ubilibet hospitium, viator sine vestigiis, vicina arenae. P. Se eu soubesse o que é um barco, eu faria um para que você viesse até mim. – A. Barco é uma casa errante, um refúgio em qualquer lugar, viajante sem pegadas, vizinho da areia.
P. Quid est arena? – A. Murus terrae. P. O que é a areia? – A. A parede da terra.
P. Quid est herba? – A. Vestis terrae. P. O que é a relva? – A. A roupa da terra.
P. Quid sunt olera? – A. Amici medicorum, laus coquorum. P. O que são os vegetais? – A. Amigos dos médicos, louvor dos cozinheiros.
P. Quid est, quod amara dulcia facit? – A. Fames. P. O que é que torna o amargo doce? – A. A fome.
P. Quid est, quod hominem non lassum facit? – A. Lucrum. P. O que é que não torna o homem preguiçoso? – A. O lucro.
P. Quid est vigilanti somnus? – A. Spes. P. Qual é o sonho de quem está acordado? – A. A esperança.
P. Quid est spes? – A. Refrigerium laboris, dubius eventus. P. O que é a esperança? – A. Refresco do trabalho, evento duvidoso.
P. Quid est amicitia? – A. Aequalitas animorum. P. O que é a amizade? – A. Igualdade das almas.
P. Quid est fides? – A. Ignotae rei et mirandae certitudo. P. O que é a fé? – A. A certeza de algo desconhecido e maravilhoso.
P. Quid est mirum? – A. Nuper vidi hominem stantem, mortuum ambulantem, qui nunquam fuit. P. O que é uma maravilha? – A. Recentemente eu vi um homem, que nunca existiu, em pé, mexendo-se e andando.
P. Quomodo potest esse, pande mihi? – A. Imago in aqua. P. Como pode ser? Me explica? – A. Um reflexo na água.
P. Cur hoc non intellexi per me, dum toties vidi hunc ipsum hominem? – A. Quia bonae indolis es juvenis et naturalis ingenii, proponam tibi quaedam alia mira; tenta, si per teipsum possis conjicere illa. P. Por que eu não entendi isso por mim mesmo, embora eu tenha visto este homem muitas vezes? – A. Porque você é um jovem de boa índole e de engenho natural, eu vou descrever para você outras maravilhas. Veja se consegue reconhecê-las por você mesmo.
P. Faciam; tamen ita, si secus, quam est, dicam, corrigas me. – A. Faciam, ut vis. Quidam ignotus mecum sine lingua et voce locutus est, qui nunquam ante fuit, nec postea erit; et quem non audiebam, nec novi.P. Tentarei, mas, se eu errar, me corrija. – A. Farei como você preferir. Um desconhecido falou comigo sem língua e sem voz, alguém que não existia antes, e nem existirá depois, e que eu não ouvia e nem conhecia.
P. Somnium te forte fatigavit magister? – A. Etiam, fili. Audi et aliud: Vidi mortuos generare vivum, et aura vivi consumpti sunt mortui. P. Talvez o sono o fatiga, professor?4 A. Sim, filho. Ouça essa outra: vi mortos gerarem o vivo, e o suspiro do vivo consumir os mortos.
P. De fricatione arborum ignis natus est, consumens arbores. – A. Verum est. Audivi mortuos multa loquentes.P. Da fricção das árvores nasce o fogo, que consome as árvores.5A. É verdade. Ouvi que os mortos falam muitas coisas.
P. Nunquam bene, nisi suspendantur in aere. – A. Vere. Vidi ignem inexstinctum pausare in aqua. P. Nunca bem, a não ser que estivessem suspensos no ar.6A. De fato. Eu vi o fogo parado na água sem se apagar.
P. Silicem in aqua significare vis, reor. – A. Ut reris, sic est. Vidi mortuum sedentem super vivum, et in risu mortui mortuus est vivus. P. Você vê a sílica na água, creio. – A. É isso mesmo. Eu vi um morto sedento sobre um vivo, e no riso do morto o vivo morreu.
P. Hoc coci nostri norunt. – A. Norunt. Sed pone digitum super os, ne pueri hoc audiant, quid sit. Fui in venatione cum aliis, in qua si quid cepimus, nihil nobiscum portavimus; quem non potuimus capere, domum portavimus nobiscum. P. Os nossos cozinheiros sabem essa.7A. Sabem. Mas tampe a boca, para que as crianças não escutem o que é. Fui a uma caçada com outros, se pegamos algo, não podemos trazer conosco, e o que não podemos pegar, trouxemos conosco para casa.
P. Rusticorum est haec venatio. – A. Est. Vidi quemdam natum, antequam esset conceptus. P. Esta é uma caçada de grosseiros.8A. Sim. Eu vi algo nascido antes de ser concebido.
P. Vidisti, et forte manducasti. – A. Manducavi. Quis est, qui non est, et nomen habet et responsum dat sonanti? P. Você viu e talvez comeu.9A. Comi. Quem é que não existe, mas tem nome e dá uma resposta a quem chama?
P. Biblos in silva interroga. – A. Vidi hospitem currentem cum domo sua; et ille tacebat, et domus sonabat. P. Pergunte aos juncos da floresta.10A. Vi um hóspede correr com sua casa, e ele era silencioso e sua casa era barulhenta.
P. Para mihi rete, et pandam tibi. – A. Quis est, quem videre non potes, nisi clausis oculis? P. Me dê uma rede que eu mostro.11A. O que é que você não pode ver a não ser que feche os olhos?
P. Qui stertit, tibi ostendit illum. – A. Vidi hominem octo in manu tenentem, et de octonis subito rapuit septem, et remanserunt sex. P. Quem está roncando pode mostrar para você.12A. Vi um homem que tinha oito na mão, dos oito tirou sete e permaneceram seis.
P. Pueri in scholis hoc sciunt. – A. Quis est, cui, si caput abstuleris, altior surgit? P. As crianças nas escolas sabem essa.13A. O que fica mais alto quando você retira a cabeça?
P. Vade ad lectum tuum et ibi invenies. – A. Tres fuere; unus nusquam natus et semel mortuus. Alter semel natus, nunquam mortuus. Tertius semel natus et bis mortuus. P. Vá pra sua cama e o encontrará lá.14A. Havia três: um nunca nascido e morto uma vez, o segundo nasceu uma vez e nunca morreu, o terceiro nasceu uma vez e morreu duas vezes.
P. Primus aequivocus terrae; secundus Deo meo; tertius homini pauperi. – A. Dic tamen primas litteras nominum. P. O primeiro é equivalente à terra, o segundo ao meu Deus, o terceiro a um homem pobre. – A. Diga as primeiras letras dos nomes deles.
P. I. V. XXX. – A. Vidi feminam volantem, rostrum habentem ferreum, et corpus ligneum et caudam pennatam, mortem portantem. P. I, V, XXX.15A. Vi uma mulher voadora, tinha um bico de ferro, corpo de madeira e uma cauda emplumada, carregava a morte.
P. Socia militum. – A. Quid est miles? P. É amiga dos soldados.16 A. O que é um soldado?
P. Murus imperii, timor hostium, gloriosum servitium. – A. Quid est quod est et non est? P. O muro do império, temor dos inimigos, serviço glorioso. – A. O que é que é e não é?
P. Nihil. – A. Quomodo potest esse et non esse? P. Nada. – A. Como pode existir e não existir?
P. Nomine est, et re non est. – A. Quid est tacitus nuncius? P. Existe no nome, mas não nas coisas. – A. O que é um mensageiro calado?
P. Quem manu teneo. – A. Quid tenes manu? P. O que tenho na mão. – A. O que você tem na mão?
P. Epistolam meam – A. Lege feliciter, fili. P. Minha carta. – A. Boa leitura, filho.

Referências

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BAYLESS, Martha. Alcuin’s Disputatio Pippini and the Early Medieval Riddle Tradition. In: HALSALL, Guy (ed.). Humour, History and Politics in Late Antiquity and the Early Middle Ages. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 157-78.

BEESON, Charles Henry. A primer of medieval Latin, an anthology of prose and poetry. Chicago: Scott Foresman and Company, 1953.

BITTERLI, Dieter. Say what I am called: the old English riddles of the Exeter Book and the Algo-Latin riddle tradition. Toronto: University of Toronto Press, 2009.

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BULLOUGH, Donald Auberon. Alcuin [Albinus, Flaccus] (c. 740-804), abbot of St Martin’s, Tours, and royal adviser. Oxford Dictionary of National Biography (on-line). 23 Sep. 2004. Acesso em: 14 set. 2020.

COSTRINO, Artur. Alcuin’s Disputatio de rhetorica: A critical edition with studies of aspects of the text, the stemma codicum, the didactic diagrams and a reinterpretation of sources for the problem of the duality of the dialogue. Doctor of Philosophy – Medieval Studies, York, University of York, 2016. Disponível em: http://etheses.whiterose.ac.uk/17792/.

GARRISON, Mary. The library of Alcuin’s York. In: GAMESON, Richard (ed.). The Cambridge history of the book in Britain. Cambridge: Cambridge University Press, 2012, p. 633-64.

HALSALL, Guy (ed.). Humour, History and Politics in Late Antiquity and the Early Middle Ages. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.

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McKITTERICK, Rosamund (ed.). Carolingian Culture: emulation and innovation. Cambridge University Press, 1994.

ORCHARD, Andy. Alcuin’s educational dispute: the riddle of teaching and the teaching of riddles. In: IRVINE, Susan; RUDOLF, Winfried (ed.). Childhood and adolescence in Anglo-Saxon literary culture. Toronto: University of Toronto Press, 2018, p. 162-201.

SCHECK, Helene. Reform and resistance, formations of female subjectivity in early medieval ecclesiastical culture. Albany: Suny Press, 2008.

Notas

1 Para maiores informações sobre o a Renascença Carolíngia e o papel de Alcuíno nela, v. Brown, 1994.
2 Para uma maior discussão sobre a data de composição dos diálogos didáticos, v. Costrino, 2016, p. 15-27.
3 A primeira parte deste diálogo de Alcuíno segue, de forma bem próxima, o diálogo Altercatio Hadriani Augusti et Epicteti Philosophi, e também o diálogo Disputatio Hadriani cum secundo philosopho. Já na parte final, em que se encontram os enigmas, Alcuíno os busca nos Aenigmata de Sifônio, nos Aenigmata de Adelmo e na coletânea de Pseudo-Beda, dentre outros textos, incertos. A forma quase cristalizada de como começam os enigmas, a saber: “Vidi (Eu vi)” reflete não apenas a tradição latina, mas, principalmente, a forma encontrada com muita frequência no livro de Exeter, escrito em anglo-saxão: “Ic (ge)seah”. Anglo-saxão que é a língua mãe de Alcuíno. Para maiores informações sobre, v. as obras de Bayless (2004), Orchard (2018) e Bitterli (2009).
4 Sinos.
5 Uma panela sobre o fogão.
6 Lêndeas ou pulgas.
7 Pinto no ovo.
8 Eco.
9 Um peixe no rio.
10 Um sonho.
11 Uma pessoa em um sonho.
12 Fogo gerado a partir de gravetos.
13 A resposta desse enigma requer conhecimento de uma forma específica de contagem escolástica. Tal forma de contagem com as mãos remonta ao período clássico e sobrevive descrita em diversos manuscritos medievais. Por exemplo, em Beda, Opera de temporibus (in Halsall, 2004, p. 172): “Cum ergo dicis unum, minimum in laeua digitum inflectens, in medium palmae artum infiges. Cum dicis duo, secundum a minimo flexum, ibidem impones. Cum dicis tria, tertium similiter adflectes. Cum dicis quattuor, itidem minimum leuabis. Cum dicis quinque, secundum a minimo similiterer iges. Cum dicis sex, tertium nihilominus eleuabis, medio dumtaxat solo, qui medicus appellatur, in medium palmae fixo. Cum dicis septem, minimum solum, caeteris interim leuatis, superpalmae radicem pones. Iuxta quem cum dicis octo, medicum.” “Quando, portanto, você diz ‘um’, dobre o dedo mínimo da mão esquerda e coloque a ponta no meio da palma. Quando você disser ‘dois’, dobre o segundo dedo, ao lado do menor, e coloque-o lá da mesma forma. Quando você disser ‘três’, dobre o terceiro dedo da mesma forma. Quando você disser ‘quatro’, levante o dedo mínimo novamente. Quando você disser ‘cinco’, levante o segundo dedo, ao lado do dedo mínimo, da mesma maneira. Quando você diz ‘seis’, você deve levantar o terceiro dedo, com o dedo médio [entre o terceiro dedo e o dedo mínimo – ou seja, o dedo anular], que é chamado de medicus, colocado sozinho no meio da palma. Quando você disser ‘sete’, coloque o dedo mínimo sozinho na palma da mão, levantando o resto. Quando você disser ‘oito’, coloque o dedo anelar ao lado dele.” Assim então nos explica Bayless (2004, p. 173): O sinal para o oito, então, é dobrar o dedo mínimo e o anelar para baixo; o sinal para sete é segurar apenas o dedo mínimo para baixo, e o sinal para seis é manter apenas o dedo anelar para baixo. Assim, fazer o sinal de oito – ou, como diz Alcuíno, “segure o oito na mão” – e, de repente, retirar o sinal do sete realmente produz o sinal do seis.
14 Travesseiro.
15 Adão; Enoque ou Elias; Lazarus. Os numerais ‘.I.’ e ‘.V.’ começando as respostas se referem claramente ao lugar da letra no alfabeto: ‘i’ é o A de Adão e ‘v’ o E de Enoque e Elias. O número ‘XXX’ era representado pelo Lambda grego em certos documentos medievais, e o lambda então representa o L de Lázaro. Adão, sendo feito de terra, é equivalente a ele; Enoque e Elias servem como antítipos de Cristo; e Lázaro era um homem pobre.
16 Uma flecha.
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