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SUCESSÃO IMPERIAL E LEGITIMIDADE POLÍTICA NA ROMA ANTIGA: NERO ENTRE A HERANÇA FAMILIAR E O REPUBLICANISMO (54 d.C.)

IMPERIAL SUCCESSION AND POLITICAL LEGITIMACY IN ANCIENT ROME: NERO BETWEEN FAMILY HERITAGE AND REPUBLICANISM (54 A.D.)

Cesar Luiz Jerce da Costa Junior
Universidade Federal do Paraná, Brasil

SUCESSÃO IMPERIAL E LEGITIMIDADE POLÍTICA NA ROMA ANTIGA: NERO ENTRE A HERANÇA FAMILIAR E O REPUBLICANISMO (54 d.C.)

Classica - Revista Brasileira de Estudos Clássicos, vol. 34, núm. 2, pp. 1-18, 2021

Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos

Recepción: 16 Junio 2020

Aprobación: 26 Noviembre 2020

Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar os mecanismos de legitimidade associados ao exercício do poder imperial durante o início do principado de Nero (54), momento de transição política para um novo governo em Roma. Por não haver regras definidas de sucessão, a legitimidade se constituía como questão fundamental na consolidação do novo principado. O modelo político criado a partir de Augusto e herdado por Nero deixava ambíguo o status do príncipe perante as elites, o que tornava ainda mais imperativa a construção de princípios de legitimação capazes de trazer segurança ao regime. Analisaremos duas formas de legitimidade possíveis nesse contexto: aquela derivada da herança familiar e dependente da ancestralidade, e a que podemos chamar de legitimidade cidadã, inclinada ao republicanismo.

Palavras-chave: legitimidade, política, Nero, sucessão, herança familiar, republicanismo, principado.

Abstract: This article aims to analyse the mechanisms of legitimacy associated with the exercise of the imperial power at the beginning of Nero’s principate (54), a moment of political transition to a new government in Rome. Due to the absence of defined succession rules, legitimacy was a fundamental issue in the consolidation of the new principate. The political model created by Augustus and inherited by Nero left the status of the prince ambiguous before the Roman elites, which made even more imperative the construction of legitimacy principles capable of bringing security to the new regime. We will analyse two possible forms of legitimacy in that context: one derived from family inheritance and dependent on ancestry, and the citizen legitimacy, inclined to republicanism.

Keywords: legitimacy, politics, Nero, succession, family inheritance, republicanism, principate.

Poder, força e sociedade política na Antiguidade

É questão indiscutível que o exercício do poder político, em qualquer tempo ou espaço, esteve sempre vinculado à lei, regras e princípios legitimadores de algum tipo. Legitimação é, justamente, um direito, algo derivado das leges. Já poder, no sentido lato, designa a possibilidade ou capacidade de um ou mais indivíduos estabelecerem suas determinações sobre as demais vontades de um grupo ou comunidade. Na língua latina, o radical po dá origem a várias nuances semânticas: enquanto verbo, possum indica a forma mais básica de uso da força física, aquela mesma que alguém exerce com o seu próprio corpo contra outro indivíduo ou objeto. É possibilidade de manejar uma espada e fazer valer seu próprio interesse. Potentia(ae), por sua vez, marca a qualidade de uma ação ou de um indivíduo que se faz forte, a exemplo de um bom soldado ou gladiador capaz de se fazer vitorioso contra um adversário mais fraco. Potestas(tatis), termo com maior carga conceitual ao longo do tempo, designa o poder em si, aquele dado pela própria natura, o poder emanado dos cargos ou daquelas pessoas autorizadas, por um âmbito de legitimidade, a exercerem algum tipo de força coercitiva sobre outros (Saraiva, 2006, p. 921-3).

As discussões sobre os fundamentos primordiais do poder político e sua relação com a utilização da força como meio coercitivo foram especialmente frutíferas entre os pensadores da Antiguidade. A questão está implícita, no livro I da República de Platão, na definição do sofista Trasímaco de que o que é justo, em uma cidade, depende da conveniência daquele grupo ou facção mais forte, posição que é criticada por Sócrates (Pl. Resp. 1, 399a).1 Aristóteles, na Política, distinguiu, dentre vários tipos possíveis de tirania, aquela mais nociva, o governo do autocrata que, visando seus interesses particulares ao invés do bem comum, se impõe sobre os cidadãos relutantes em aceitar tal domínio (Arist. Pol. 8, 1295a).

O uso da força bruta como instrumento de domínio sobre outros indivíduos, suas origens e desdobramentos, também não escapou à perspectiva do historiador grego Políbio de Megalópolis. Ao escrever suas Histórias sobre a emergência política e militar dos romanos e seu consequente domínio do Mediterrâneo, no século II a.C., Políbio concebeu a ideia, numa perspectiva teórica, de que as formas clássicas de governo, monarquia, aristocracia e democracia, estavam fadadas ao eterno ciclo de ascensão e corrupção, enquanto lei natural. Porém, antes que existisse qualquer forma de poder político estabelecido (e legitimado), primitivamente, a força bruta de uns poucos homens intimava os mais fracos a segui-los, tal qual animais selvagens se impõem uns sobre os outros (Polyb. 6, 5), metáfora naturalista que olhava para a natureza do homem em sua animalidade arbitrária e primordial. Se o poder é uma condição de se fazer obedecido, ou condicionar outros a seguir determinações, tal exercício, segundo Políbio, deve ser “mais por consenso que pelo temor e pela força” (Polyb. 6, 4). E eis que daí nascem os mecanismos legitimatórios que podem sustentar um governo saudável, aceito por todos ou, pelo menos, por uma maioria, por isso a necessidade de normas e regras para a conduta do líder político e do governo constituído por tal indivíduo. A conduta de um príncipe, por outro lado, levou o estoico Posidônio, contemporâneo de Políbio, a considerar a virtuosidade do líder como elemento essencial na obtenção de legitimidade em uma monarquia verdadeira, incorrupta, guiada pela sabedoria. Para aquele filósofo, pois, havia um vínculo entre legitimidade e o domínio dos melhores e mais sábios indivíduos (Sen. Ep. 14, 90, 5-6). O orador Cícero, por sua vez, considerou que a cara noção romana de Res Publica só se define quando se reúnem seres humanos unidos por uma disposição de consentimento jurídico (Cic. Rep. 1, 25). Já o epicurista Lucrécio não deixou de notar, igualmente, que o desejo de uma vida sossegada das violências arbitrárias durante a fase inicial da gênese humana levou à criação das leis e dos magistrados (Lucr. 5, 1145).

O tema ganhou grande desenvoltura teórica. A tese de consenso/consentimento foi levada adiante e, no alvorecer do iluminismo, John Locke a torna elemento fundamental para a existência concreta de uma sociedade civil, na qual o consentimento é a única forma aceitável de se submeter à autoridade de outrem (Locke, 1998, p. 468). Em tempos mais recentes, o conceito de legitimidade não deixou de receber novos enriquecimentos, sobretudo no campo da sociologia política, com a tese das formas puras de dominação de Max Weber (racional-legal, tradicional e carismática; cf. Weber, 1979, p. 128-41). Da mesma forma, tornou-se tema de grande urgência para as nações democráticas, na qual a legitimidade passa a estar associada ao alargamento da população votante e à garantia por parte do Estado aos direitos fundamentais dos cidadãos.

Seja como for, podemos ver em todas as definições já apresentadas os elementos comuns do consenso e da voluntariedade como carros-chefes de qualquer autoridade instituída. A força bruta se avizinha à arbitrariedade e, por consequência, à tirania, o pior dos males políticos que pode haver, como já indicamos, mesmo que brevemente, nos parágrafos acima. O que caracteriza uma relação de força é o predomínio da irracionalidade, da ira e da disposição meramente destrutiva, por isso sua associação, entre os pensadores antigos, com o comportamento de feras selvagens. A exemplo do naturalista Plínio, o velho, a violência é o domínio da crudelitas, intrínseca à guerra, mas um mal moral associado à raiva e à fúria, algo que aproxima os seres humanos da animalidade (Oliveira, 1992, p. 42). Na mesma linha, Sêneca pensa em termos muito semelhantes a imagem da perfeita tirania: a saevitia é a insanidade dos príncipes que matam pelo simples prazer de matar (Sen. Clem. 2, 2, 2). A legitimidade seria, portanto, o domínio oposto, o da racionalidade (Bobbio, 1983, p. 675), elemento sem o qual não pode haver nem sequer um conceito de política ou de sociedade política.

Assim, as legitimidades, que podem ser construídas de variadas formas, andam de mãos dadas com a noção de direito, no sentido de que o governo legítimo se faz bom para a comunidade e visa sua permanência enquanto grupo coeso. Daí a necessidade de estabelecer normatizações para tal exercício, regulamentação de quem é ou não apto ao exercício do poder, regras de sucessão e questões do tipo. A própria conduta do príncipe é meio de legitimidade: se este não regula seu modo de agir de forma a haver uma constante, for errante em suas decisões e não privilegiar uma ideia de equidade, a legitimidade de suas ações será posta em questão. Nesse sentido, vemos uma convergência nas posições dos autores antigos e modernos: o domínio da política, na pólis/civitas, deve ancorar-se nas leges. Dessa forma, os mecanismos de legitimidade dão sustentação ideológica ao poder constituído e, igualmente, confiança de que a autoridade estabelecida se manterá fiel às demandas dos grupos sociais envolvidos em sua consolidação. O mau governo, o governo ilegítimo, é o domínio da ilegalidade, da usurpação e da tirania, balizados pela violência despótica.

1. O Principado Romano e seus mecanismos de legitimidade

As questões teóricas acima estabelecidas permitem uma discussão muito proveitosa na compreensão das realidades políticas romanas, em qualquer fase ou período de sua história. Por legitimidade ser um conceito abrangente, pode ser considerado um tema político de natureza universal, mas sua investigação requer atenção aos elementos culturais particulares de cada contexto. É preciso lembrar que o termo legitimidade não era empregado nos textos antigos, pois se trata de um conceito criado em tempos recentes visando a definir e explicar o funcionamento de mecanismos políticos, religiosos, simbólicos e sociais que revestiam e regulavam o exercício do poder no âmbito das sociedades do passado. Falamos, pois, de um conceito instrumentalizado por historiadores e sociólogos, parte de um repertório historiográfico (Barros, 2016, p. 148). É um termo, pois, a ser constantemente repensado conforme o contexto cultural oferecido pelas fontes ao pesquisador interessado no amplíssimo tema das relações de poder.

O tema da legitimidade no mundo romano, sobretudo naquela fase chamada pelos historiadores de Principado, se reveste de especial interesse por conta da natureza sui generis daquele regime político, sem paralelos tanto na própria Antiguidade como em épocas posteriores, marcado por uma fase de violência e uso da força bruta como linguagem política extrema, tal qual descrita no tópico anterior. O sistema político oriundo da profunda reformulação do Estado romano por Otaviano Augusto, após sua vitória sobre Sexto Pompeu, Lépido, Marco Antônio e Cleópatra (31 a.C.), configurou-se de modo bastante peculiar, dadas as estruturas preexistentes da velha República oligárquica. O novo modelo de exercício do poder se constituiu, assim, sobre os alicerces da tradicional cultura política aristocrática e senatorial. A questão inicial é a seguinte: o que permitiu a Otaviano (e a Nero, seu herdeiro), um governante que emergiu vitorioso por conta das arbitrariedades, da violência e da força, estabelecer-se estavelmente e legar sua hegemonia a outros?

A República estava consolidada nas garantias constitucionais de suas magistraturas, ou seja, do exercício rotativo do poder. Da legalidade dos cargos emanava a autoridade de um magistrado, não de sua pessoa. A deposição de Tarquínio Soberbo, último representante do modelo monárquico da Roma ancestral, expulso da Cidade com sua família (509 a.C.), permitiu à elite romana criar um novo sistema político que não autorizava a consolidação do poder nas mãos de um único indivíduo, pois “[...] o povo romano, livre a partir de então [...], [estava] sob o governo dos magistrados eleitos anualmente [os cônsules] e sob a autoridade de leis superiores à autoridade dos homens”2 (Lívio, II, 1). Os cônsules eram investidos de imperium, no sentido de que detinham poder de comando tanto para agir internamente, na aplicação das leis, como externamente, no comando dos exércitos (OCD,3 2012, p. 730).4 Desse modo, a ação dos magistrados e o uso da força coercitiva por parte deles (potestas) eram legítimos somente dentro dos limites estabelecidos por sua eleição, embora nunca tenha deixado de haver certa tendência ao personalismo, como deixam evidentes os nomes célebres de Cipiões e Catões, por exemplo. Tal modelo, contudo, começou a se mostrar cada vez mais instável no século I a.C., conforme figuras de destacada atuação militar, como Mário, Sula, Pompeu e, dos mais notórios, César, foram capazes de impor cada vez mais suas determinações políticas pessoais, ou seja, vemos, nesse contexto de guerras civis entre poderosos rivais, o retorno da projeção política de um único indivíduo, que levaria, por fim, ao principado de Otaviano Augusto.5

Aquilo que a historiografia mais recente chama de Principado, com efeito, é um modelo ou sistema político personalista oriundo de uma crise profunda e instituído progressivamente conforme o poder de Otaviano, herdeiro político de César, se consolidava. Eis a primeira manifestação de legitimidade: a vitória militar lhe abriu caminho para ser, segundo o historiador Veleio Patérculo, o restaurador da ordem legal republicana esfrangalhada pelas rivalidades de poder (Vell. Pat. 2, 89, 3-4). Aqui, a guerra é o elemento maior que deu origem à pessoalidade política de Otaviano Augusto, conforme lemos em seu testamento: “a totalidade da Itália voluntariamente me jurou fidelidade e me exigiu como seu chefe na guerra que venci em Ácio” (RG, 5, 25). A legitimidade de Augusto está presente justamente na voluntariedade dos itálicos em demandá-lo como seu líder, ou seja, na disposição consensual de que o posto lhe cabia por direito por uma determinação coletiva, social. Contudo, o quadro geral é complexo, pois Augusto tentou evitar, conscientemente, toda e qualquer associação com a monarquia,6 mas, ao mesmo tempo, seu papel ordenador e suprainstitucional o faz parecer, a nós, um monarca não titulado (Veyne, 2015, p. 16).

Nas fontes do período, vemos que Augusto e seus sucessores se tornam, diante dos olhos dos demais, indivíduos dotados de poder militar para salvaguardar o bem da Cidade, um guardião (Le Roux, 2009, p. 30) da pax e da ordo. Augusto era, desse modo, o representante último do populus Romanus, um servidor, portanto, e o primeiro de todos os servidores. Nada mais apropriado para um indivíduo que mantinha, em suas atribuições, concedidas pela legitimidade senatorial, o imperium maius, prerrogativa legal que lhe permitia intervir em qualquer lugar (Woolf, 2017, p. 219), e a chefia das legiões, corpos militares profissionais permanentes que, a partir daquele momento, tinham também seu peso na manutenção do poder imperial vigente e eram igualmente capazes de criar legitimidade, quando não o próprio imperador, a exemplo de Cláudio (Suet. Claud. 10). A aristocracia senatorial romana, por seu turno, era uma elite paradoxal: helenística por excelência, inclinava-se à cultura grega, mas, ao mesmo tempo, rejeitava qualquer condição de submissão a uma monarquia helenística do tipo despótico, nem se percebia, enquanto corpo cívico, como inferior aos príncipes em atribuições políticas, segundo as determinações ideológicas do mos maiorum, os idealizados costumes legados pelos ancestrais. Para essa elite, a legitimidade do imperador ganha contornos pessoais, pois ela passa a residir no exercício do bom governo da República, segundo preceitos de virtuosidade que garantissem sua libertas e o respeito por sua condição de iguais ao príncipe, embora os príncipes nem sempre estivessem interessados em se posicionar como iguais, a exemplo de Calígula, que se proclamava deus (Suet. Calig. 22).

Em suma, o modelo de regime instituído por Augusto trouxe consigo novamente o elemento personalista da antiga monarquia, sem, contudo, desenvolver-se plenamente enquanto tal, segundo os modelos clássicos daquele regime, nem ser capaz ou sequer desejar abolir o sistema republicano vigente do ponto de vista formal. Eis a complexidade do modelo augustano, que nos impele a uma análise criteriosa. O debate em torno das fronteiras entre República e Principado é antigo, começando com Mommsen, no século XIX, enfatizando a constitucionalidade dos poderes imperiais (numa perspectiva de continuidade, portanto), passando por Ronald Syme que, ao publicar seu The Roman revolution (1939), procurou justamente construir tese contrária, de ruptura, à luz dos dramáticos eventos de seu tempo, marcado pela ascensão de regimes totalitários na Alemanha e na União Soviética (Faversani, 2013, p. 101-2).

A imagem tradicional de tal período cristalizada no imaginário popular é a de uma época de decadência e de domínio tirânico de príncipes insanos, que governavam de maneira absoluta (Guarinello; Joly, 2001, p. 133), o que, claro, se trata de um grande equívoco. Da mesma forma, o uso corrente do termo monarquia para descrever o regime imperial, disfarçado de formato republicano, ou seja, uma dissimulação, é comum entre historiadores desde o século XVIII e não deixa de incluir trabalhos bastante recentes,7 algo que consideramos, no mínimo, apressado, já que tal definição mascara as nuances desse sistema de governo que guardava grandes particularidades, o que prontamente nos obriga a retrabalhar o conceito de monarquia, se houver interesse em seu uso para tal período. Em nossa perspectiva, consideramos o Principado um regime autocrático que, a depender do príncipe, possuía tendências que flertavam com o estilo helenístico de monarquia. Nesse sentido, monarquia descreve melhor aquilo que se estabelecerá na anarquia militar do século III e, sobretudo, com Diocleciano, a partir do século IV, quando efetivamente temos uma basileia (ou Dominato) plena com seus rituais cortesãos e ideologia teocrático-sagrada (deus et dominus), que superou o modelo político do Principado, um “regime de exceção continuamente prorrogado” (Mendes; Silva, 2006, p. 202). No contexto dos primeiros dois séculos da Era Cristã, sobretudo na perspectiva de Tácito, o poder de um dominus ou qualquer aproximação com um regnum representava justamente algo diferente, no caso, a degeneração do Principado (Fontana, 1993, p. 27). Suetônio, contemporâneo de Tácito, igualmente distingue Principatus e Regnum com muita clareza (Suet. Calig. 22).

Afinal, o Principado não nasceu pronto com Augusto, mas foi sendo construído conforme seus sucessores criavam seu estilo próprio de governança, a exemplo do próprio Nero, para o gosto ou desgosto das elites senatoriais. A partir dessa premissa, o entendimento desse regime se enche de possibilidades. Não se equivocou, por exemplo, Pierre Grimal, ao falar de uma “duplicação do Estado romano”, ou seja, um governo paralelo ao das instituições formais da antiga República e que estabeleceu uma maquinaria governamental dependente exclusivamente das decisões do príncipe (Grimal, 2010, p. 130). O Senado mantinha-se como o núcleo maior que congregava as famílias aristocráticas e seu desejo de percorrer as magistraturas do cursushonorum. Os cônsules permaneciam em seus cargos anuais. Exigia-se do príncipe, na sua condição de magistrado, acessibilidade direta aos cidadãos (Millar, 1967, p. 9), algo incompatível com a pomposidade cortesã régia. Contudo, o Principado romano estava se consolidando a partir da própria pessoa de Otaviano Augusto. Mas, ao mesmo tempo, seus poderes estavam vinculados e limitados, de alguma forma, às tradicionais instituições, pois todos os títulos que recebe se fazem por concessão senatorial. Na perspectiva dos contemporâneos de Augusto, não parecia haver ruptura ou descontinuidade com o passado, ainda mais se pensarmos na manutenção de uma mentalidade republicana (Mendes, 2006, p. 37-8).

Como já mencionamos, o sistema augustano, que foi se alterando com o tempo, ganhando novos contornos e se mostrando cada vez mais híbrido entre tradições políticas romanas e gregas (Frighetto, 2012, p. 36), funcionava, assim, numa tensão latente entre o desejo de autonomia decisória dos principes e a vinculação legitimatória do Senado e de suas elites, sempre prontos a estabelecer limites e advogar modelos de boa conduta política, respeitadora de uma ordem que ainda se percebia como res publica. Essa é a ambiguidade maior do Principado romano: tendências de natureza monárquica, a superbia (personalismo, tendência ao absolutismo) coexistiam com o ordenamento cívico (civilitas) do princeps como o primeiro magistrado de Roma, primus inter pares (Wallace-Hadrill, 1982, p. 32). Dentro desse sistema marcado pela ambiguidade, o personalismo do príncipe validava os vínculos de família como meios legítimos de acesso ao poder máximo, mas não deixava, igualmente, de requerer respaldo das elites romanas e de suas tradições ainda vinculadas ao sistema republicano.

2. Nero entre as legitimidades familiar e cívico-cidadã

A partir dessa dualidade característica do sistema imperial, chegamos, por fim, a Nero, nascido em Ânzio no ano de 37. Após a morte de Augusto, de idade avançada, em 14, a sucessão por adoção coube a Tibério (14-37), filho natural de Lívia, esposa do velho imperador.8 Após um longo governo, Tibério escolheu o jovem Calígula como seu sucessor, no mesmo ano de nascimento de Nero (37). O breve principado de Calígula terminou violentamente com seu brutal assassinato, em 41. Elevado à condição de princeps, por sua vez, foi Cláudio, neto de Lívia e tio do príncipe assassinado. Nesse sentido, as imbricações familiares foram determinantes na constituição da legitimidade política de Nero quando de sua aclamatio em 54. Nero era filho natural de Cneu Domício Enobarbo, homem de origem aristocrática, mas que gozava de má reputação por diversos tipos de improbidades, segundo Suetônio (Suet. Ner. 5, 2). Agripina, a jovem, filha do então celebrado general Germânico e bisneta de Augusto, era sua mãe. Por via materna, portanto, Nero se filiava à linhagem Júlio-Claudiana, então mandatária do Império.

O processo sucessório na Roma dos príncipes era sempre uma questão delicada, pois, a rigor, não havia nenhum tipo de delimitação legal ou regras claras que o determinassem, justamente o que seria mister em uma monarquia plena. O que havia de mais próximo era a legislação que versava sobre como legar propriedade (embora não houvesse natureza patrimonialista na sucessão do poder imperial). E a lei romana não estipulava que o primogênito fosse o único herdeiro (Beard, 2017, p. 409). O resultado era fruto de uma escolha pessoal do príncipe em exercício, mas não sem sofrer pressões de fora, o que abria margem a inúmeros concorrentes. O procedimento comum era a adoção intrafamiliar ou extrafamiliar. A adoptio era costume generalizado entre as elites romanas e muitos indivíduos se alçaram a posições de poder por meio dessas conexões familiares, ainda mais num contexto em que o peso do nome da família era mais importante do que os vínculos de sangue (Veyne, 2007, p. 25), embora estes também fossem levados em consideração, em algum grau, sobretudo se pensarmos no valor da descendência direta de Augusto e como isso instituiu, no caso de Agripina, um princípio de legitimidade. A escolha de Tibério por parte de Augusto se deu num sistema de corregência, que punha o escolhido na obrigatoriedade de mostrar seu valor pessoal (Mendes, 2006, p. 43). No Principado, relações de poder em âmbito intrafamiliar eram, nesse sentido, tão importantes quanto aquelas que se faziam no Fórum.

Nero, por sua vez, nasceu de uma mulher particularmente notável, pois Agripina era filha de um celebrado líder militar, Germânico, irmã de Calígula, esposa de Cláudio e, por fim, também mãe de um príncipe. Agripina, que havia recebido do Senado o título de Augusta (Tac. Ann. 12, 26), demonstrava grande interesse em controlar os assuntos políticos do Império romano e exercitava seus poderes dentro da Domus imperial com grande habilidade. Diz Tácito, num típico tom de reprovação, que “tudo obedecia a uma mulher, que se imiscuía na administração” (Tac. Ann. 12, 7). O próprio Cláudio havia notado que, após a morte de Messalina, seu casamento com Agripina poderia ser vantajoso em termos de legitimação ao reaproximar os Cláudios dos Júlios. A realização do casamento foi um conselho de Palas, secretário imperial, e pragmaticamente pensado em termos de união familiar para reforçar a legitimidade do próprio Cláudio (que descendia de Lívia, não de Augusto) e evitar que o peso da linhagem Júlia se afastasse da gens Cláudia, somado ao fato de trazer consigo Nero, neto de Germânico (Tac. Ann. 12, 2). Nero teve seu caminho aberto ao poder no momento em que foi adotado pelo príncipe (Tac. Ann. 12, 26), que o integrou aos Cláudios, medida que certamente evitaria o fortalecimento legitimatório de outras famílias aristocráticas ávidas em competir pelo poder imperial. Agripina não tardou em propor outro casamento, o de Nero com Otávia, filha de Cláudio (Tac. Ann. 12, 3), o que lhe conferia ainda mais segurança em grau de legitimidade para ser o próximo príncipe, seja por parte de mãe e, também, agora, por parte de pai.

A realização do casamento de Cláudio com Agripina, contudo, não era simplesmente um ato a ser realizado por vontade exclusiva do príncipe, ainda mais por ser uma relação incestuosa entre tio e sobrinha, causadora de possíveis males oriundos da ira divina. A união também aproximaria Cláudio da tradição faraônica-oriental de casamentos incestuosos, o que, naturalmente, não gozava de grande reputação entre as elites romanas e sua moralidade tradicionalista, fazendo emergir novamente a tensão latente entre a superbia monárquica e a civilitas cidadã (Wallace-Hadrill, 1982, p. 32). Cláudio estava consciente de que tal ação, de interesse seu, familiar, seria objetada por representar um mal ao interesse público. Era necessário, pois, obter legitimidade cidadã para realizar seu casamento, algo que pode ser feito recorrendo-se ao apoio senatorial e às redes de amizade política que abriam espaço de manobra. Vitélio, amigo e aliado político de Cláudio, foi seu interlocutor entre os senadores. Em seu discurso, Vitélio apelou ao exemplo de outros povos que casavam parentes e à flexibilidade dos próprios costumes romanos. O resultado foi um grande sucesso. Cláudio obteve, pois, a legitimidade republicana que queria, jocosamente até, pois “a um cidadão não era lícito contrastar a vontade de todos” (Tac. Ann. 12, 5-6). Nero, anos mais tarde, viria a enfrentar situação similar em seu casamento com Otávia: ao se divorciar dela para unir-se a Popeia Sabina, sua escolha pessoal, privata, precisou fazer uso da sua guarda para reprimir a plebe de Roma que subiu o Palatino para reclamar de sua decisão e exigir o retorno de Otávia (Tac. Ann. 15, 61). Para a plebe de Roma, politicamente atuante, o casamento de um príncipe era matéria de interesse público, embora, como nos mostra o caso de Cláudio, houvesse um considerável espaço de manobra para os príncipes.

De qualquer forma, o arranjo de Agripina decididamente pavimentou a sucessão e Nero foi alçado ao poder no ano de 54. A morte de Cláudio se deu por envenenamento.9 Além de ter articulado a adoção de Nero, conseguiu estabelecer seus aliados na corte para garantir o bom andamento de seus planos: o filósofo Sêneca, tornado tutor de Nero anos antes, garantiria conselho e prestígio literário ao seu círculo, também uma maneira de angariar legitimidade cultural ao novo regime que se aproximava (Tac. Ann. 12, 8).10 Afrânio Burro, o Prefeito do Pretório, era seu elo de ligação com o exército. Palas, o secretário imperial encarregado do tesouro (a rationibus), justamente aquele que propôs seu casamento com Cláudio, mantinha-se igualmente fiel. Nos últimos suspiros de Cláudio, Nero tinha sua aclamação confirmada, em detrimento de Britânico, o filho natural do príncipe com sua esposa anterior, Messalina. A despeito da relativa segurança, Agripina tinha seus rivais e não hesitou em recorrer, novamente, ao assassinato para eliminá-los. Tratou de suprimir Narciso, outro poderoso liberto imperial, impelido ao suicídio por ter sido seu opositor, e Marco Silano, tetraneto de Augusto (Tac. Ann. 13, 1). O segundo caso é revelador justamente por mostrar que a ancestralidade de Augusto era valiosa não apenas para Agripina ou Nero, mas para outros que também a compartilhassem, algo que trazia prestígio social e, mais ainda, legitimidade para reclamar o imperium perante outros competidores. Ao mesmo tempo, colocava seu portador em risco maior de desaparecer por meios violentos.11

Aqui, o uso da violência deveria ter limites: embora assassinatos fossem comuns em processos sucessórios, ou limitados a expurgos controlados (a exemplo do que Cláudio fez em relação aos assassinos de Calígula), o uso generalizado da brutalidade facilmente conduzia à perda da legitimidade política, por quebra da pax e da concordia públicas, sobretudo porque eram sumárias e não respeitavam os procedimentos jurídicos, ou seja, eram mortes ilegais que não permitiam defesa, conforme denúncia do próprio Sêneca sobre as execuções ocorridas nos tempos de Cláudio (Sen. Apocol. 10, 3-4). Esperava-se que senadores acusados de algum crime fossem levados perante a Cúria para que houvesse julgamento, não executados arbitrariamente (Talbert, 1984, p. 470). Sêneca, observador metódico das realidades romanas e testemunha ocular dos últimos principados, foi além e deixou a Nero uma enfática recomendação no De clementia, datado entre 55 a 56: a existência de muitas mortes indica a proliferação de uma doença, de uma verdadeira epidemia (Sen. Clem. 3, 23, 5). Não há recado mais evidente de que recorrer ao uso da violência torna um príncipe um tirano, um mau governante, um déspota, na ótica de certos grupos senatoriais. As ações dos príncipes não passavam alheias aos juízos políticos da aristocracia (ou de qualquer outro grupo social), imbuída de uma cultura e de um decoro jurídicos de longa duração, oriundos do período republicano e ainda muito vivos durante o Principado. Ultrapassar certos limites era algo temerário, pois excitava ainda mais as forças de oposição nos quadros da aristocracia, que bem poderia se reunir às voltas de um novo pretendente ao exercício do poder. Sêneca novamente descreve tal situação: conspirações e complôs são a expressão última do descontentamento, sejam elas particulares ou revoltas públicas (Sen. Clem. 3, 23, 3). Não é equivocado dizer que o Principado exigia dos príncipes a renovação constante de sua legitimidade frente aos grupos políticos da aristocracia que poderiam se aproximar ou se afastar do poder imperial conforme suas próprias finalidades, já que ela estava longe de ser homogênea em seus quadros.

Sêneca também foi o responsável pela formulação dos discursos que Nero realizava em ocasiões solenes. Um deles foi pronunciado diante do Senado e transcrito por Tácito, exibindo uma marca tipicamente republicana em que prometia 1) compartilhar seu poder com os senadores; 2) que não houvesse julgamentos secretos (intra domum ou intra cubiculum), nem disposição a considerar intrigas e delações; 3) haver distinção entre sua casa e a res publica; 4) que o Senado teria suas antigas atribuições asseguradas; 5) que as províncias públicas ficariam sob o poder dos cônsules, que se reportariam ao Senado, e que a ele caberia o comando do exército (Tac. Ann. 13, 4). O discurso é revelador por indicar, da parte de Nero (ou de Sêneca), o indicativo de uma conduta que, a princípio, se aproximaria do modelo augustano de respeito às elites senatoriais e aos seus direitos políticos, ou seja, uma aproximação à civilitas e à condição de primus inter pares. Aqui, vemos Nero se afastar das questões de linhagem e buscar sua legitimidade nas instituições cívicas tradicionais de Roma, garantindo a elas a devida deferência. De todas, a separação da res publica da res privata do imperador é a mais evidente, algo que só faz sentido num modelo republicano de governo, mas também indica que não era o que vinha ocorrendo até então.12 Ao mesmo tempo, vemos ali, perfilados, os temores e as esperanças da aristocracia senatorial tradicional: o cessar de meios repressivos (acusadores, delatores etc.), símbolo máximo do poder pessoal desmedido e violento, e participação na governança do Império, ao lado do príncipe, prerrogativa que sua cultura política buscava manter (Guarinello; Joly, 2001, p. 146).

A transição de poder foi igualmente marcada pela expectativa de um brilhante futuro, abundantemente captada pela florescente literatura do período. Com Nero, haveria o início de uma nova “era de ouro” para o Império romano (Sen. Apocol. 1, 1), o reestabelecimento de uma governança pacífica e próspera. O poeta Calpúrnio Sículo compartilhou do mesmo otimismo ao prenunciar uma era dourada sob a regência de um jovem símile aos deuses (Calp. Ecl. 1, 40-45). Até então Cláudio, conforme nos indica Suetônio, ordenou a morte de mais de trinta e cinco senadores e trezentos cavaleiros (Suet. Claud. 29). A ética senatorial, assim, entendia o uso da violência como símbolo do mau governo exercido por Cláudio. Os assassinatos ordenados por Agripina, que assim seguia os métodos do falecido esposo, obrigaram Sêneca e seus aliados a atuarem junto a Nero com mais ênfase em contraponto à imperatriz (Tac. Ann. 13, 2), que foi isolada de seus círculos de apoiadores.

Todo o início de governo de Nero, embora pacífico, é envolto em complicações e a própria legitimidade familiar pode ser posta em perspectiva nesse contexto: além de Agripina ser razão de instabilidade, como filho adotivo de Cláudio, caberia ao novo príncipe render louvores ao seu predecessor, mas também indicar que os tempos haviam mudado para melhor. A família era fonte de legitimidade e, ao mesmo tempo, algo a ser superado para que Nero estabelecesse a sua própria: a sucessão sempre se realizava com algum grau de necessária depreciação do príncipe predecessor, quando não uma completa desvinculação, através de políticas oficiais de apagamento público, a damnatio memoriae, caso que coube a Calígula quando da aclamatio de Cláudio.

A despeito da relativa tranquilidade com que Nero recebeu a guarda do Império, a segurança do novo principado só poderia ser mantida com o devido cuidado em relação aos mecanismos de legitimação e, assim, apartar o princeps de possíveis perturbações políticas e angariar consenso entre o conjunto da aristocracia e do populus, algo que foi efetivamente conseguido até meados do ano de 59, quando da execução de Agripina. A possibilidade de emergirem pretendentes era improvável, mas o risco sempre permanecia. A própria família imperial poderia fornecer sérias ameaças ao príncipe em exercício. Agripina, ao se ver alijada do poder por Sêneca e Burro, e vendo seus apoiadores se afastarem, tentou uma arriscada manobra, já que detinha grande popularidade entre os membros da Guarda: ameaçou conduzir Britânico, então com quatorze anos, aos acampamentos dos pretorianos para convencê-los a aclamá-lo príncipe por direito, pois ele era “digno e legítimo herdeiro do pai, a quem devia caber o império, ocupado agora por um intruso, um filho adotivo” (Tac. Ann. 13, 14).13 A ameaça de Agripina é reveladora em dois sentidos: em primeiro lugar, põe os pretorianos como protagonistas maiores na arte de fazer príncipes. Estes aclamaram Cláudio em 41 e foram os primeiros a receber Nero em 54, antes de qualquer intervenção senatorial, sempre mediante um generoso soldo. Ao mesmo tempo, sempre haveria a chance de certos grupos senatoriais dirigirem seu apoio a outro indivíduo detentor de algum grau de legitimidade, certamente não sem promessas de algum benefício. Em segundo lugar, evidencia que o elo de sangue tem seu papel legitimatório na sucessão, o que faz ressurgir a inclinação monárquica. A mera possibilidade de uma divisão do poder levou Nero a cometer seu primeiro crime, o envenenamento de Britânico (Tac. Ann. 13, 16). Os temores de Nero não eram de todo infundados: ainda nos primeiros meses de principado, Nero rejeitou receber acusação formal contra o cavaleiro Júlio Denso, que se declarava a favor de Britânico para o principado (Tac. Ann. 13, 10). É plausível que Denso não fosse o único entre os seus a devotar apoio a Britânico.

No plano iconográfico, a transição de poder também pode ser observada com abundantes e reveladores detalhes. Na ótica dos contemporâneos de Nero estava muito claro que Agripina havia sido a grande articuladora do novo principado e, portanto, veículo de legitimação para a ascensão de Nero. O papel ativo da imperatriz na administração é atestado nas emissões monetárias do período, na qual mãe e filho são apresentados lado a lado, como iguais, a exemplo do que encontramos no seguinte aureus:14

Aureus ano 54
Figura 1
Aureus ano 54
Fonte: Classical Numismatic Group, Inc.

Não só a paridade entre Nero e Agripina, mas as duas menções a Cláudio nos mostram a necessidade de filiação ao antigo príncipe, seja como esposa, seja como filho e sucessor escolhido. Mas, ao mesmo tempo, a apresentação de Nero não está restrita ao seu meio familiar. A legalidade de sua condição e a legitimidade de suas ações são explicitadas na detenção da Tribunicia Potestas, ou seja, no exercício de uma magistratura civil de origem republicana que o vinculava à plebe de Roma. Não deixa de ser representativa, igualmente, a autorização senatorial necessária (EX SC) para que tal emissão fosse realizada.

A importância da legitimidade familiar e cidadã também pode ser evidenciada longe da capital, nas províncias do Império. As cidades, que prosperavam enormemente devido ao florescimento das atividades econômicas, cobriram-se de monumentos honoríficos que celebravam os Júlio-Cláudios. A difusão do culto imperial pelas províncias era um importante elemento de vínculo entre elites locais e a família imperial, então as imagens dos príncipes (estátuas, bustos, retratos) se disseminam por toda parte. Nas províncias, sobretudo nas orientais, a percepção da condição imperial era monárquica (Smith, 1987, p. 88), contudo, mesmo assim, as ambiguidades não deixam de transparecer, como veremos a seguir.

A vinculação dinástica de Nero e sua consequente posição como autocrata legítimo do Império romano foi tornada pública na pequena cidade de Afrodísias, na Ásia Menor (moderna Turquia). A antiga cidade, localizada na Cária, desenvolveu fortes laços com Roma desde o século II a.C., quando passa a ser signatária de tratados com outras comunidades locais se comprometendo a proteger eventuais interesses romanos, sob juramento à deusa Roma (Reynolds, 1980, p. 70). Dentre as estruturas remanescentes de Afrodísias, destaca-se um monumento, chamado Sebasteion ou Augusteum, erguido numa área central da cidade. A estrutura exibia notáveis relevos marmóreos que enalteciam a família imperial, as divindades patronais de Roma e as virtudes dos imperadores. E não por acaso: Afrodísias vinculava-se ao culto de Afrodite (daí seu nome), a Vênus romana. Júlio César, no século I a.C., considerava a deusa como ancestral mítica da família Júlia e dedicou a ela um templo em Roma, o templo de Vênus Genetrix (Cass. Dio. 43.22.2). Em Roma, a narrativa mítica também fundamentava princípio de legitimidade e, por extensão, de direito ao poder. Quanto ao Sebasteion, alguns de seus relevos merecem atenção especial:

Nero e Agripina
Figura 2
Nero e Agripina
Fonte: SMITH, Roland R. R. The imperial reliefs from the Sebasteion at Aphrodisias, The Journal of Roman Studies. Plate XXIV. Foto nº 11 (M. Ali Dügenci).

Agripina, que também é associada ao imperador Cláudio em outro relevo, em um aperto de mãos simbólico, é apresentada neste coroando Nero (vestido com trajes militares, dada sua condição de imperator) com a mão direita e segurando uma cornucópia na mão esquerda, símbolo por excelência de prosperidade e abundância. A mensagem é clara: por intermédio de Agripina, Nero é alçado ao poder supremo e se faz legítimo como digno herdeiro de sua casa. A iconografia do Sebasteion de Afrodísias, contudo, também não escapa às ambiguidades intrínsecas do sistema imperial romano. Num outro relevo, vemos o seguinte:

Figura 3

Príncipe não identificado
Príncipe não identificado
SMITH, Roland R. R. The imperial reliefs from the Sebasteion at Aphrodisias. The Journal of Roman Studies. Plate XII. Foto nº 5 (M. Ali Dügenci).

No relevo acima, vemos indivíduos em posições similares, mas num diferente contexto. À direita, uma figura masculina, togada, coroa um príncipe, de identidade indefinida (talvez Cláudio), que está inteiramente nu, representação compartilhada com os deuses. O príncipe, por sua vez, mantém a palma de sua mão sobre um troféu, símbolo de vitória militar (talvez a Britannia). Abaixo do troféu, uma mulher cativa encontra-se prostrada. A figura togada, segundo a interpretação de Smith (1987, Plate XII), representa a personificação do Senado ou, também, do Populus romano.15 Se no relevo anterior Agripina é a protagonista da coroação de Nero, por sua linhagem e nobreza, aqui vemos a personificação das maiores instituições cidadãs de Roma legitimando a ação dos príncipes à maneira tradicional republicana, enquanto magistrados ao serviço do bem público romano.

Considerações finais

Até aqui, vimos que o sistema imperial romano criado por Augusto se caracterizava por uma notável ambiguidade, calcada na dualidade entre tendências de principado-cidadão e principado-régio. A primeira aproximava-se da cultura política das elites senatoriais, a segunda, dos modelos helenísticos de monarquia absoluta e teomórfica, estilo de governo a ser evitado sob pena de acusações de tirania, superbia, traduzida por ações que excluíssem as elites da governança, ou que as exasperassem com o uso da violência para a imposição de um poder pessoal. Na dinâmica entre essas duas posições latentes, as modalidades de legitimidade política se tornaram questão complexa, pois mantinham as antigas tradições republicanas em tênue ligação com o personalismo de um indivíduo sem status legal claramente definido ou institucionalizado. Legitimidades, no plural, pois elas poderiam e deveriam contemplar a aprovação das elites senatoriais e, ao mesmo tempo, garantir associação à linhagem de Augusto. A produção imagética do principado (moedas, relevos etc.) nos revelam intrincados modos de exibição dessas fontes legitimatórias como mensagem política para os habitantes do Império. Também buscamos evidenciar o grande número de protagonistas políticos capazes de ter um peso determinante na construção de legitimação no processo sucessório, grupos senatoriais, pretorianos, a plebe de Roma e a própria família imperial, embora nunca sem algum grau de conflito entre tantos interesses distintos de grupos tão heterogêneos.

A tarefa primordial do príncipe romano, e de Nero, como sucessor de Cláudio, era ser capaz de produzir consenso e algum tipo de concórdia entre os variados grupos sociais, a fim de garantir sua estabilidade política. Fortalecer o poder imperial era, pois, um difícil jogo de obtenção de legitimidade e uma capacidade ainda maior de não a perder ao longo do governo. A força, a violência e a imposição autocrática eram os meios mais diretos para a degradação da legitimidade, algo que efetivamente ocorre a Nero quando se desembaraça de seus conselheiros (Sêneca e Burro) e até mesmo de Agripina, assassinada no ano de 59. Nesse caso, era inevitável a percepção de que, a rigor, qualquer membro das elites poderia ser uma vítima em potencial. Afinal, para possíveis pretendentes ao principado, a própria comparação de conduta moral com o princeps em exercício já poderia ser suficiente na formulação de complôs ou intrigas, segundo o princípio da utilitas publica. O exercício do Principado exigia, por sua própria natureza, habilidades políticas que nem sempre os príncipes eram capazes de demonstrar.

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Notas

1 Os tradutores de todas as fontes clássicas aqui utilizadas, citadas ou não, constam nas referências bibliográficas. Todas as datas, salvo indicação, se referem à Era Cristã.
2 Exceção feita à condição de dictator, nomeado com plenos poderes em tempos de crise, mas com tempo determinado. César tornou sua ditadura vitalícia antes de ser assassinado e seu uso formal caiu no esquecimento durante a época imperial.
3 Oxford Classical Dictionary. Cf. Referências.
4 Para Cícero, o imperium era uma concessão do povo e do Senado aos magistrados (Frighetto, 2008, p. 148); Cf. Cic. Leg. 3, 2, 4-5.
5 A linguagem do poder também se transforma nesse processo, e nunca é demais estabelecer as devidas distinções: formalmente, imperator e princeps possuem diferentes conotações. Imperator era título honorífico concedido pelos soldados a um comandante vitorioso na guerra (daí o uso do termo imperador). É derivado de imperium (OCD, 2012, p. 728). Princeps era título concedido pelo Senado e designava aquele que o recebia como principal senador ou primeiro cidadão de Roma. Era, pois, título político-cívico. Augustus, cuja tradução aproximativa é “o venerável”, de cunho religioso, foi outorgado a Otaviano em 27 a.C. e lhe concedia, igualmente, posição honorífica de grande destaque na vida política de Roma.
6 Diferente de Augusto, César manteve-se ambíguo quanto à realeza, a depender das fontes. Plutarco nos diz que César recusou publicamente, duas vezes, o diadema oferecido por Antônio (Plut. Caes. 61). Já Suetônio afirma que César tinha pretensões reais (Suet. Caes. 79).
7 Dentre tantos, há a interpretação clássica e muito influente de Gibbon sobre a dissimulação ou disfarce do poder de facto monárquico e absoluto do imperador. Cf. Gibbon, 1989, p. 78. Ronald Syme (1939, p. 513) desprezou a questão. Mais recentemente, o uso do termo monarquia ainda encontra uso, embora não mais a ideia de disfarce republicano; cf. Goldsworthy, 2016, p. 179 e Woolf, 2017, p. 215-6.
8 Otaviano Augusto pertencia, por adoção, à gens Júlia de César. Lívia, por sua vez, pertencia a uma antiga e distinta família patrícia de Roma, a gens Cláudia. Da junção de ambas as casas, com Tibério, temos a linhagem comumente chamada de Júlio-Claudiana. A distinção nominal entre as duas casas permanecia, embora consorciadas no exercício do poder.
9 O envenenamento de Cláudio por ordem de Agripina se apresenta no temor de que o velho príncipe mudasse de posição e voltasse a preferir Britânico como sucessor (Tac. Ann. XII, 66). O episódio, se verdadeiro, demonstra os extremos da disputa sucessória, justamente por ela não ser legalmente regulada, como mencionamos anteriormente.
10 Trazer homens de prestígio literário para o círculo do imperador era uma tradição helenística por excelência na Antiguidade. Augusto já o havia feito com seu círculo de poetas (Virgílio, Horácio et al.). O patronato de literatos, oradores ou artistas em geral também era uma forma de obtenção de legitimidade do tipo cultural, vinculada ao prestígio das artes.
11 O caso de Marco Silano é ainda mais significativo quando analisamos seu contexto familiar: pertencente a um ramo da gens Junia, os Junii Silani foram particularmente visados. Lúcio Silano, seu irmão, havia sido prometido a Otávia e, por maquinações de Agripina, que buscava assegurá-la em casamento para Nero, foi acusado de incesto com a irmã e destituído do Senado. Por tais razões, cometeu suicídio em 49 (Tac. Ann. 12, 8). Outro irmão seu, Décimo Silano, foi morto em 64: era descendente de Augusto e supostamente planejava um golpe (Tac. Ann. 15, 35). Outro Silano, filho de Marco, foi morto em 66 também pela mesma acusação (Tac. Ann. 16, 8-9).
12 Não escapou ao olhar de Tácito o fato de que as decisões políticas (ou judiciais) tendiam a permanecer ocultas dentro do espaço da domus imperial, o que levou o autor romano a cunhar a expressão arcana imperii (Tac. Ann. 2, 36) para descrever as manobras políticas que se realizavam em segredo, longe do olhar público.
13 O termo legítimo, empregado na tradução de Leopoldo Pereira, é no original latino o adjetivo verus no acusativo singular feminino (veram dignamque stirpem). Daí que uma tradução mais precisa poderia ser “digno e verdadeiro herdeiro”.
14 No anverso, lê-se: NERONIS CAES[aris] MATER AGRIPP[ina] AVG[usta] DIVI CLAVD[ii]; Agripina, mãe de Nero, (esposa) do Divo Cláudio. No reverso: NERONI CLAVD[ii] DIVI F[ilius] CAES[ar] AVG[ustus] GERMAN[icus] IMP[erator] TR[ibunicia] P[otestas]; Nero, filho do Divo Cláudio, César Augusto Germânico, Imperador, (no exercício) do Tribunato da Plebe; EX S(senatus) C(onsulto); Por decreto do Senado. RIC I Nero 1. Cf. Sutherland; Carson, 1984, v. 1, p. 150.
15 Talbert (1984, p. 216) defende que a toga passa a ser uma vestimenta distintiva dos senadores na época imperial, interpretação que indica a figura como, de fato, a personificação do Senado.
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