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O ARTÍFICE E O POETA: OS EPIGRAMAS PLÁSTICO-ERÓTICOS DE RUFINO E A EMULAÇÃO NAS ARTES

THE ARTIFICER AND THE POET: THE PLASTIC-EROTIC EPIGRAMS OF RUFINUS AND THE EMULATION IN ARTS

Alexandre Agnolon
Universidade Federal de Ouro Preto., Brasil

O ARTÍFICE E O POETA: OS EPIGRAMAS PLÁSTICO-ERÓTICOS DE RUFINO E A EMULAÇÃO NAS ARTES

Classica - Revista Brasileira de Estudos Clássicos, vol. 34, núm. 2, pp. 01-20, 2021

Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos

Recepción: 18 Noviembre 2019

Aprobación: 12 Febrero 2020

Resumo: O presente artigo tem como foco Rufino, poeta grego sobre o qual pouco se sabe, cujos poemas supérstites estão conservados no quinto livro da Antologia Grega ou Palatina. Meu objetivo principal é discutir um certo conjunto de epigramas em que o poeta descreve tipos femininos cujas graças rivalizam com as deusas – em alguns deles, inclusive, o poeta reelabora em chave epigramática o tema do Julgamento de Páris –, com o intento de demonstrar que, ao emular pintores e escultores, Rufino, em seus poemas plástico-eróticos, põe em cena aspectos importantes relacionados à composição artística de um modo geral baseados na emulação, de maneira que, por tudo isso, seus epigramas não seriam somente eróticos, mas comportariam também uma dimensão programática.

Palavras-chave: Rufino, epigrama grego, poesia erótica, descrição, emulação.

Abstract: This article focuses on Rufinus, Greek poet about whom little is known, whose surviving poems are preserved in the fifth book of The Greek Anthology. My main purpose here is to discuss a certain set of epigrams in which the poet describes female types whose graces are rivals to the goddesses – in some of them, for instance, the poet re-creates in epigrammatic discourse the theme of the Judgment of Paris – in order to demonstrate that Rufinus, by emulating painters and sculptors in his plastic-erotic poems, brings to light important aspects related to artistic composition in general based on the aemulatio, so that his epigrams are not only erotic but also have a programmatic propensity.

Keywords: Rufinus, Greek epigram, erotic poetry, description, emulation.

Rufino, um ilustre desconhecido

Rufino,1 em que pese a centralidade de que desfruta na primeira parte do livro quinto da Antologia Palatina, é poeta incógnito, espécie de selva oscura da filologia clássica. Do poeta, de cuja vida nada sabemos, existe tão somente uma ou outra possível indicação, que deve ser naturalmente considerada com reservas, pois que provém meramente de uns poucos dados – biográficos, com alguma probabilidade – fornecidos por sua poesia. Tomada a obra na qualidade de enunciado verossímil, poderíamos, pois, admitir, hipoteticamente claro, que o poeta fosse talvez originário de alguma localidade da Jônia, a um dia de viagem de Éfeso, que é mencionada pelo poeta, quando alude ao monte Coresso e ao Artemísion, o grande templo dedicado à deusa Ártemis.2

Há chances também de que fosse de Samos, que é pouco distante daquela cidade. A ilha é mencionada pelo poeta em outro epigrama onde desenvolve dessa vez o tema das “corsárias de Afrodite”.3 Trata-se, contudo, de mais uma conjectura, porque, neste caso em particular, com o referir Samos, talvez quisesse o poeta somente prestar justa homenagem a Asclepíades, que era originário dessa ilha e o inventor do supramencionado motivo epigramático,4 mais afim, pela matéria, aos jocosos da recolha bizantina. Se estabelecer-lhe a origem é tarefa árdua – já que não há, em nenhuma outra fonte antiga, quem lhe faça menção, e os dois passos que referimos são os únicos que remetem, ainda que minimamente, a algum local de possível nascimento –, datá-lo parece ser tarefa simplesmente impossível, já que o arco temporal em que a tradição interpretativa o insere é demasiado largo, correspondendo a mais ou menos meio milênio. E, a não ser que surja nova evidência proveniente do labirinto da tradição manuscrita, para dar fim às especulações, a questão ainda continuará por muito tempo sub iudice.

No entanto, parece certo que Rufino não poderia ter florescido antes da Guirlanda de Filipe de Tessalônica, dada a lume provavelmente entre os principados de Calígula e Nero, já que o poeta não faz parte dos autores reunidos nessa antologia.5 Há estudiosos que o consideram poeta ativo à época do imperador Adriano, como Cameron, por exemplo, que defende a hipótese de que Rufino fora predecessor e mesmo modelo de Estratão de Sárdis.6 O estudioso chega até a aceitar a possibilidade de Rufino ser ainda um pouco anterior, coevo ou modelo talvez de Marcial, dada a similitude no tratamento de alguns motivos em poesia.7 Page, por seu turno, em sua competentíssima edição de Rufino, considera certo que teria o poeta vivido no século IV d.C.,8 sendo modelo de Ausônio, que traduzira epigramas seus; e conclui que os versos do poeta circularam muito provavelmente em recolha de epigramas anterior ao Ciclo de Agatias Escolástico.9 Jacobs, o primeiro a dedicar-lhe um estudo mais exaustivo, pelo contrário, situa-o no século VI, bem como outros estudiosos.10 O campo, enfim, está aberto a especulações, e as certezas, como se viu, são poucas.

Por que, então, dedicar alguma atenção a Rufino? Ainda que os estudos sobre sua obra sejam escassos, sua importância não subjaz exatamente no fato de ser poeta de origem obscura, para dizer o mínimo, ainda que o fato inegavelmente instigue a curiosidade sobre o poeta.11 O que desperta interesse em Rufino são seus epigramas, todos os 37 que nos chegaram conservados na Antologia Palatina – ou 39, se levados em consideração os de duvidosa atribuição. Seus poemas são, de fato, extremamente penetrantes, vivazes e de um colorido que, como muito bem observou Page em seu estudo, fazem do poeta figura bastante peculiar, já que “não há ninguém muito semelhante a ele na Antologia” e, divertido que é, “está acima da média dos poetas da Era cristã cujos epigramas figuram na Antologia”.12

Há temas em Rufino, como veremos, muito particulares, variações engenhosas da figuração em poesia da beleza feminina, como, por exemplo, o tema do Julgamento do Páris, bem como o flerte que estabelece com as artes plásticas quando descreve o corpo da mulher.13 Mesmo os tópoi mais comuns, já tradicionais, recorrentes até nas antigas Guirlandas, de Meleagro e Filipe, são de maneira aguda atualizados pelo poeta, talvez em convergência com alguma leitura tardia dos elegíacos romanos. Ademais, há o fato de todos os poemas de Rufino versarem assunto amoroso, ou quase isso,14 o que é indicativo de dois problemas interessantes acerca da organização do livro por parte de seu editor:

a) O primeiro deles tem a ver com o fato de que Rufino é o principal poeta da primeira parte (2-103) da seção erótica da Palatina, correspondendo a cerca de 40% dos epigramas.15 Assim, é provável que a parte a que nos referimos tomasse por base uma Silloge Rufiniana, um Ciclo de poemas de Rufino, como a define Boas;16 ou ainda, numa hipótese mais arriscada, uma Guirlanda de Rufino que, a exemplo de Meleagro, atasse às flores de diversos poetas um grande buquê de seu próprio jardim;

b) como todos os epigramas de Rufino são eróticos – pelo menos na sua inserção na AP –, o editor talvez quisesse pôr em evidência sua centralidade na qualidade de epigramatista, como se não somente objetivasse reunir epigramas que versassem aquela temática, mas principalmente constituir uma série, um paradigma de epigramatistas eróticos, daí o lugar de Rufino na tradição, ou de sua Silloge, se se quiser assim. Nesse sentido, para tanto, a especulação de Cameron parece bem justa: para este, o auge, o heyday, do epigrama erótico grego foi a época helenística, com algum ressurgimento no tempo de Meleagro (c. 140 a.C.-70 a.C.) e Filodemo (c. 110 a.C.-30 a.C.), que se distinguiam dos poetas da Guirlanda de Filipe, mais afins a temas epidíticos, e dos poetas posteriores que, já na segunda metade do primeiro século, se dedicaram à composição de epigramas jocosos. Rufino e Estratão seriam, então, para Cameron, no hiato entre a Era de Augusto e a de Justiniano, os maiores cultores do epigrama em sua subespécie erótica.17 Por tudo isso Rufino importa, justamente por seu lugar de ilustre desconhecido na tradição.

Assim sendo, referenciadas as questões de ordem mais geral, meu objetivo, no presente artigo, será basicamente discutir epigramas de Rufino em que haja descrição de tipos femininos, particularmente epigramas a que denomino plástico-eróticos. Buscarei demonstrar que, nessas descrições, paralelamente à aplicação de estratégias ecfrásticas já amplamente conhecidas, Rufino emula as artes pictórica e estatuária, de sorte que a disputa entre as graças das meninas e das deusas nos poemas só fazem encenar o tema da emulação em clave evidentemente epidítica, entendido como princípio compositivo fundamental das artes, do discurso e da poesia. Portanto, mais do que simplesmente descrições, tais epigramas podem converter-se em peças programáticas, de maneira que entronizar, em poesia, a emulação é equivalente a evidenciar sua centralidade para a composição poética e, ao mesmo tempo, compreendê-la como meio para que o poeta possa aspirar à posição de auctor.

Las meninas do poeta

Ainda que o corpus poético de Rufino seja pequeno em comparação com poetas mais assíduos da Antologia, como Meleagro, é interessante notar que há um contingente relativamente grande de nomes de mulheres que se fazem presentes em seus epigramas: Pródice, Melite, Rodocleia, Ródope, Melissa, Melíssia, Filipa, Meônis, Bópis, Tália, Élpis, Amimone. Tamanha quantidade de personagens femininas em um conjunto relativamente pequeno de poemas justificam a predicação “louco por mulheres” – θηλυμανής – que o poeta atribui à sua persona,18 evidenciando, pois, o lugar de Rufino na tradição erótico-epigramática. Alguns desses nomes são únicos em Rufino, outros mais comuns, outros ainda, porque aparecem em epigramatistas precedentes, já indiciam pela alusão conteúdo amoroso. A beleza dessas mulheres (ou a feiura no caso de Pródice) é descrita ou referida pelo poeta em dois grupos distintos de epigramas: o primeiro grupo tematiza tópicas mais ou menos já conhecidas da tradição poética, inclusive epigramática. Dois exemplos são bem representativos dessa série:

AP. 5.21 (= ER VII)

Οὐκ ἔλεγον, Προδίκη, γηράσκομεν; οὐ προεφώνουν·
“ἥξουσιν ταχέως αἱ διαλυσίφιλοι”;
νῦν ῥυτίδες καὶ θρὶξ πολιὴ καὶ σῶμα ῥακῶδες
καὶ στόμα τὰς προτέρας οὐκέτ’ ἔχον χάριτας.
μή τίς σοι, μετέωρε, προσέρχεται ἢ κολακεύων
λίσσεται; ὡς δὲ τάφον νῦν σε παρερχόμεθα.
Pródice, não te disse: “é-nos curta a idade;19
e célere dissipam-se os amores?”
Agora, as rugas, cinzas melenas, o corpo
sem viço, à boca falta o encanto dantes!
alguém, soberba, quer-te, faz-te galanteios?
És qual a tumba que ao largo passamos.

O poeta, com brevíssimas notações,20 aponta a condição física atual de Pródice,21 como é bem marcado por νῦν, que inicia o terceiro verso e a série enumerativa dos índices de sua decadência física: as rugas (ῥυτίδες), os cabelos cinzentos (θρὶξ πολιή), o corpo enrugado (σῶμα ῥακῶδες) etc. É mister observar que o termo σῶμα já antecipa o desfecho do epigrama, pois que alude jocosamente à sua ambiguidade no interior da língua grega, o termo pode significar “cadáver” ou “carcaça”, como, por exemplo, recorre em Homero.22

Ainda que χάρις no acusativo plural, no quarto verso do epigrama, remeta aos encantos que outrora possuía sua boca, é lícito que esses mesmos encantos, essas mesmas graças, sejam tomados em sentido amplo, a remeter também à forma pretérita da mulher. Essa é a forma que se perdeu com o tempo – sempre inexorável –, conforme é apontado logo no primeiro verso, em que a fala epigramática menciona que antes já advertira Pródice acerca do caráter efêmero de sua beleza. O último dístico, basicamente, explicita as consequências de seu envelhecimento: ninguém mais a procura, ninguém mais a quer e, por isso, ela é igual à tumba pela qual os viajantes passam nas estradas.

O tema, no geral, é bastante conhecido, da tradição elegíaca principalmente, em que a velhice indesejada impede a vivência dos amores. O tema é comum a Mimnermo,23 aparece em fragmentos de Arquíloco24 e também em Tibulo.25 A comparação da mulher com uma tumba, hipérbole fantástica da vetustez, pode ser encontrada ainda em Marcial26 e, por relacionar-se ao vitupério contra mulheres velhas, muito embora o epigrama de Rufino não deixe de versar matéria amorosa, estabelece alguma afinidade com o poeta de Paros, nos ataques à Neobule, com epodos de Horácio27 e epigramas da Priapeia (por exemplo, o 57), de modo que há, no poema, convizinhança entre a matéria erótica e vituperiosa. Levando em consideração o fato de o epigrama supor não só a beleza anterior da mulher, mas também sua soberba porque se sabia bela, é possível relacioná-lo a composições de poetas do Ciclo, como Macedônio28 e Agatias.29 O epigrama seguinte é mais ou menos comum, em que a beleza da mulher é construída mediante comparação com as flores de uma guirlanda. Nele, reverbera uma vez mais o tema da efemeridade:

AP. 5.74 (= ER XXVIII)

Πέμπω σοι, Ῥοδόκλεια, τόδε στέφος, ἄνθεσι καλοῖς
αὐτὸς ὑφ’ ἡμετέραις πλεξάμενος παλάμαις.
ἔστι κρίνον ῥοδέη τε κάλυξ νοτερή τ’ ἀνεμώνη
καὶ νάρκισσος ὑγρὸς καὶ κυαναυγὲς ἴον.
ταῦτα στεψαμένη λῆξον μεγάλαυχος ἐοῦσα·
ἀνθεῖς καὶ λήγεις καὶ σὺ καὶ ὁ στέφανος.
Rodocleia, guirlanda dou-te de bonitas
flores por minhas mãos entrelaçadas.
Fi-la com lírios, rosas e úmidas anêmonas,
brandos narcisos e violetas roxas.
Ao cingi-la, mulher, cessa toda a arrogância:
tu e a guirlanda florescem e murcham.

O epigrama é um verdadeiro memento mori. O poeta, ao ofertar Rodocleia com a coroa de flores, apresenta no verso final a advertência: não somente a guirlanda floresce e murcha, mas também ela, Rodocleia. A graça do epigrama subjaz na afinidade entre o encanto e delicadeza das flores e a beleza suposta da menina, ambas formosuras tão exuberantes quanto frágeis e passageiras: ora, não coincidentemente, Rodocleia tem seu nome derivado das rosas!

Harmon (1927, p. 219-20), a propósito, sugere que as letras iniciais das quatro primeiras flores, mais todas que compõem a última (“violeta”), formam a palavra κρανίον, “crânio”, “caveira”, símbolo, portanto, da vanidade e da morte – κρίνον οδέη [...] νεμώνη [...] νάρκισσος [...] ἴον. A hipótese é de fato muitíssimo engenhosa e, se correta, as flores, na frágil beleza que lhes é inerente, já conteriam nos respectivos significantes, icônica e cifradamente, à guisa de um anagrama, sua exuberância e consequente mortalidade.30 Ademais, nesse sentido, o epigrama em tela estabeleceria, do ponto de vista da composição, estreita confinidade com a subespécie “enigma” (γρῖφοι) da epigramática grega, conservada no livro 14 da AP, e com os carmina figurata, já que as letras que comporiam κρανίον – síntese máxima aqui do efêmero –, embaralhadas nas palavras, remeteriam figurativamente às flores entrelaçadas na coroa ofertada pela persona loquens.31 O tema como alegoria da efemeridade tem precedente em epigramas de Meleagro32 e de Marco Argentário.33

O segundo grupo dos epigramas de Rufino que tematiza a beleza feminina articula, em sua sofisticação mimética, procedimentos de composição muito específicos da pintura e estatuária antigas, bem como, em plano propriamente discursivo, estratégicas já prescritas pela tradição retórico-poética, o que torna mais forte em Rufino os laços entre arte, discurso e poesia. Além disso, pelo apelo fortemente visual dessas pequenas peças poéticas, é possível vislumbrar certo caráter voyeur do sujeito poético rufiniano que se intensifica no discurso pelos ares de esteta de que se imbui ao longo do ato descritivo, espécie de Pigmalião epigramático.34 Vejamos, dessa série, os mais representativos:

AP. 5.15 (= ER IV)

Ποῦ νῦν Πραξιτέλης, ποῦ δ’ αἱ χέρες αἱ Πολυκλείτου
αἱ ταῖς πρόσθε τέχναις πνεῦμα χαριζόμεναι;
τίς πλοκάμους Μελίτης εὐώδεας ἢ πυρόεντα
ὄμματα καὶ δειρῆς φέγγος ἀποπλάσεται;
ποῦ πλάσται, ποῦ δ’ εἰσὶ λιθοξόοι; ἔπρεπε τοίηι
μορφῆι νηὸν ἔχειν ὡς μακάρων ξοάνωι.
Que é de Praxíteles? E as mãos de Policleito
que às artes vida outrora concederam?
Quem de Melite os cachos plasmará cheirosos,
os olhos ardentes e a luz do colo?
Artistas onde estão? Pedreiros? À beleza
tal convém templos, como a diva efígie.

O poema acima é o primeiro dos plástico-eróticos do poeta. O epigrama parece articular brevemente, já em si, características que, com variações, aparecerão recorrentemente nos outros, características estas que, como já o adiantamos, se relacionam com procedimentos compositivos das artes plásticas e com práticas retórico-poéticas antigas. É fundamental notar que o poeta já inicia seu epigrama evocando nomes importantíssimos da arte clássica: Praxíteles e Policleito. Não é coincidência que o poeta evoque seus nomes, já que ambos eram fundamentalmente conhecidos pela graça e beleza que imprimiam à forma artística de figuras antropomórficas: Policleito é importante porque foi autor do Cânone – obra hoje perdida – em que apresentava suas teorias a respeito da proporção, índice fundamental para que a representação resultasse bela. Foi Policleito o escultor da estátua colossal de Hera; Praxíteles, por seu turno, segundo o testemunho de Plínio, o velho, oferece à estatuária o contributo da graça e naturalidade com que figurava em pedra a forma de deuses, em toda sua beleza e plenitude juvenis.35 Sua obra mais famosa fora, consoante o erudito romano, a Afrodite de Cnido.

Além de demonstrar, por assim dizer, conhecimento do cânone escultório, Rufino deixa entrever outro elemento central da composição artística clássica que aparece, quase como um leitmotiv em Plínio: a emulação.36 O procedimento é figurado em poesia pela competição do artista com a natureza (e com os próprios deuses). O poeta-artífice busca, com o emular deuses e natura, imprimir não só vida à obra, mas graça divina à forma mortal.37 Vejamos outro exemplo:

AP. 5.48 (= ER XIX)

Ὄμματα μὲν χρύσεια καὶ ὑαλόεσσα παρειή
καὶ στόμα πορφυρέης τερπνότερον κάλυκος,
δειρὴ λυγδινέη καὶ στήθεα μαρμαίροντα
καὶ πόδες ἀργυρέης λευκότεροι Θέτιδος·
εἰ δέ τι καὶ πλοκαμῖσι διαστίλβουσιν ἄκανθαι,
τῆς λευκῆς καλάμης οὐδὲν ἐπιστρέφομαι.
Os olhos dela são ouro; o rosto, cristal;
os lábios são gozo – rosa de vivo
seus pés, mais claros que Tétis argêntea:
carmim!38 –; o colo, mármore, os seios, fulgor;
se por entre as madeixas raiarem-lhe acantos,
não hei de me importar com brancos cálamos.

O epigrama acima incorpora ao tema rufiniano um tópos que já aparece em Filodemo,39 que é elogiar a graça juvenil que se mantém incólume ainda nas formas de uma mulher mais velha. Os acantos e os cálamos são metáfora para os cabelos brancos;40 a imagem já aparece em outro epigramatista, Asclepíades,41 mas o precedente é mais antigo: encontramo-lo também em Homero.42 O que torna excepcional o epigrama em questão é o fato de o poeta, em sequências metafóricas, plasmar, à maneira de um artífice, a beleza feminina a partir de materiais de largo uso na arte escultória, como o ouro, o cristal e o mármore, bem como emular os deuses, Tétis no caso: os pés da mulher são mais claros que os da mãe de Aquiles. Note-se aqui o desenvolvimento do tema em comparação ao epigrama precedente: enquanto em AP. 5.15 (= ER IV) as graças de Melite são análogas às dos deuses, de modo que fariam jus a altares, a beleza da anônima de AP. 5.48 (= ER XIX), impressa discursivamente nos mesmos materiais de uso diuturno pelos artífices, é forjada em consonância ao evidente agón com as divindades. No entanto, contempla-se, em ambos os epigramas, por assim dizer, verdadeira apoteose das meninas.

O critério pautado na emulação como qualidade da beleza plástica das imagens é central em Plínio, o velho, nos livros acerca dos escultores e pintores. O fim, porém, da arte antiga não era evidentemente ser natureza, ou comungar com ela seu “realismo”, mas sim iludir, ou seja, por meio do esforço mimético, que se manifestava no domínio da téchne, o artista intentava gerar a crença na obra, produzir, pois, “efeito” de realidade, em que a mimese constituía-se espécie de traço diferencial, distinguindo-a, evidentemente, da própria natureza: a ilusão é amplificação dos dotes do artista (bem como das próprias meninas que o poeta plasma com as palavras), o efeito é simultaneamente traço mimético e deleite. Lembremos aqui das comparações que Aristóteles faz, na Poética (1448b14), da poesia com a pintura: o prazer engendrado pela poesia, e pela pintura, por extensão, não subjaz em sua verdade empírica, de ser o que foi, ou ser, na pintura, o que é, mas sim na imitação, produto do gesto mimético do artífice, e do poeta.

Outro aspecto interessante, na descrição que o epigramatista faz da beleza da mulher, é adotar para tanto um eixo vertical que começa nos olhos, desce até os lábios, pescoço e seios, terminando nos pés. A dispositio empregada por Rufino para descrever assemelha-se às técnicas antigas da retórica para a construção do retrato e da écfrase. Aftônio, rétor que poderia ter sido mais ou menos contemporâneo de Rufino (se supormos que o poeta florescera no século IV da Era cristã), foi autor de Progymnásmata. Na obra, no exercício relativamente à écfrase, o rétor ensina, seguindo as definições de autores congêneres – como Hélio Teão, Ps.-Hermógenes et al. –, que a descrição, além de periegemática (Ἔκφρασις ἐστὶ λόγος περιηγηματικός), ou seja, que faz ver em torno, que conduz ao redor, deve seguir um eixo vertical sempre descendente, do alto até embaixo.43

Ora, se é verdade que as artes figurativas constituem, pelo que vimos até aqui, paradigma essencial para os epigramasplástico-eróticos de Rufino, não é menos verdadeiro que, discursivamente, o poeta atualizasse, em poesia, convenções da tradição retórica, como é o caso aqui: periegematicamente constrói o retrato da mulher seguindo o mesmo eixo vertical prescrito por Aftônio, e conduz de maneira ágil os olhos imaginários do leitor em torno de sua estátua viva44 por meio de notações breves, como convém à pequenez do gênero do epigrama, que tomam como termo segundo da metáfora materiais utilizados de maneira recorrente pelos artífices que neles moldam (fingere = fictio) a forma imitada. Rufino busca superá-los, pois forja com o λόγος poético imagem a conjugar, numa só forma, materiais nobres de ordem vária – o ouro, o cristal e o mármore – ao mesmo tempo em que desses materiais transfere para a mulher as qualidades, como o brilho, a maciez e o valor: amplificatio, portanto, extrema da χάρις. Além disso, ao modo de Filóstrato e Luciano, faz aproximar mais ainda a técnica ecfrástica do discurso sobre a pintura e a estatuária.

Páris redivivo

De todos os epigramas plástico-eróticos de Rufino, os mais representativos, em sua particularidade, são sem dúvida os pertencentes ao ciclo do Julgamento de Páris. Ei-los:

AP. 5.35 (= ER XI)

Πυγὰς αὐτὸς ἔκρινα τριῶν, εἵλοντο γὰρ αὐταὶ
δείξασαι γυμνῶν ἀστεροπὴν μελέων.
καί ῥ᾿ ἡ μὲν τροχαλοῖς σφραγιζομένη γελασίνοις
λευκῆι ἀπὸ γλουτῶν ἤνθεεν εὐαφίηι,
τῆς δὲ διαιρομένης φοινίσσετο χιονέη σάρξ
πορφυρέοιο ῥόδου μᾶλλον ἐρυθροτέρη,
ἡ δὲ γαληνιόωσα χαράσσετο κύματι κωφῶι
αὐτομάτη τρυφερῶι χρωτὶ σαλευομένη.
εἰ ταύτας ὁ κριτὴς ὁ θεῶν ἐθεήσατο πυγάς,
οὐκέτ’ ἂν οὐδ’ ἐσιδεῖν ἤθελε τὰς προτέρας.
Julguei das três as nalgas: elas me escolheram,
mostrando-me o fulgor das formas nuas.
Numa – marcada por covinhas – florescia
das nádegas brancura mui sedosa;
a da outra, a saliente, tinha as carnes níveas
mais coradas que o carmesim das rosas;
a só calmaria – ondas sulcavam-na mudas –
suave balouçava a seu talante.
Se essas bundas o divo árbitro contemplasse,
não mais desejaria ver as deusas.

AP. 5.36 (= ER XII)

Ἤρισαν ἀλλήλαις Ῥοδόπη Μελίτη Ῥοδόκλεια,
τῶν τρισσῶν τίς ἔχει κρείσσονα μηριόνην,
καί με κριτὴν εἵλοντο· καὶ ὡς θεαὶ αἱ περίβλεπτοι
ἔστησαν γυμναί, νέκταρι λειβόμεναι.
καὶ Ῥοδόπης μὲν ἔλαμπε μέσος μηρῶν πολύτιμος
.......................................................
..................................................................
οἷα ῥοδὼν †πολιῶι† σχιζόμενος ζεφύρωι·
τῆς δὲ Ῥοδοκλείης ὑάλωι ἴσος, ὑγρομέτωπος,
οἷα καὶ ἐν νηνῶι πρωτογλυφὲς ξόανον.
ἀλλὰ σαφῶς, ἃ πέπονθε Πάρις διὰ τὴν κρίσιν εἰδὼς
τὰς τρεῖς ἀθανάτας εὐθὺ συνεστεφάνουν.
Discutiam Melite, Rodocleia e Ródope
quem das três tinha a cona mais gostosa.45
Fizeram-me juiz: como as deusas, esplêndidas
ficaram nuas, néctar escorrendo!
A de Ródope, rara luzia entre as coxas
..................................................................
....................................................................
qual as roseiras que †cinzento† Zéfiro
corta; a de Rodocleia é cristal, bem macia
qual, nas aras, deus entalhado há pouco.
Ciente do sofrer de Páris na disputa,
coroei sem tardar as três deidades.

AP. 5.69 (= ER XXV)

Παλλὰς ἐσαθρήσασα καὶ Ἥρη χρυσοπέδιλος
Μαιονίδ’ ἐκ κραδίης ἴαχον ἀμφότεραι
“Οὐκέτι γυμνούμεσθα· κρίσις μία ποιμένος ἀρκεῖ·
οὐ καλὸν ἡττᾶσθαι δὶς περὶ καλλοσύνης.”
Palas46 e Hera, de cáligas de ouro, ao notarem
Meônis, do âmago deitaram lágrimas:
“Não nos dispamos! Do Pastor basta a sentença:
avilta a dupla queda por beleza.”

O tema da disputa da beleza – que remonta ao mito do príncipe de Troia e o certame das deusas – juntamente com o epigrama dedicado à Melite, cuja formosura é digna das mãos de um Praxíteles ou Policleito, que vimos há pouco, é motivo sem precedentes no restante da AP,47embora o tratamento do referido episódio mítico já apareça em poesia desde tempo antigo,48bem como na tradição epigramática latina, em que pese certa dimensão jocosa nesse último caso.49Nos dois primeiros, o poeta desempenha, a convite das mulheres, o papel de árbitro da beleza; os desfechos, ainda que similares, recordam Páris por analogia: no primeiro, porém, o fulmen in clausula é revelar que as mulheres sobrepujam em graça as divindades a ponto de, se Páris as contemplasse, insuperáveis que eram, abdicaria de julgar as próprias deusas; no segundo, há diferença, pois a história de Páris se converte em exemplum amoroso para o poeta, espécie, pois, de erotodídaxis epigramática,50já que, sendo o poeta conhecedor da sorte do príncipe troiano, que por sua sentença atraíra para si e para a cidade o ódio das deusas, não deseja ser vítima do rancor das derrotadas, por isso dá a palma da vitória às três meninas.51

O empate é vantajoso para a persona epigramática que agora pode gozar de três amores. O segundo epigrama do Ciclo assim, mesmo que não nos tenha chegado completo – faltam-lhe um pentâmetro e um hexâmetro – é mais espirituoso porque pressupõe a ética amorosa como pano de fundo, ética esta tomada à epigramática helenística, se bem que mais picante. O terceiro epigrama é diferente, muito embora a superação de Meônis seja evidente, pois são elas próprias, as deusas derrotadas, os sujeitos da fala epigramática que, na contemplação da divina beleza da menina, lamentando, desistem do certame, pois que temem uma segunda derrota para uma segunda Afrodite: Meônis.

É perceptível, assim, que a emulação ocupa um lugar de destaque nos epigramas de que tratamos. Ora, o certame é o meio de que faz uso o poeta para não só convertê-las em deusas, mas sobretudo para que possam elas, em beleza, sobrepujar as divindades. Ademais, o certame é tópos da tradição pictórica e escultória antiga (ver nota 36), com longa fortuna, inclusive, entre os humanistas do Renascimento (lembremos os casos de Alberti e Vasari, nesse sentido paradigmáticos), o que faz reforçar ainda mais o apelo visual desses epigramas, bem como sua proximidade com o discurso, por assim dizer, “teórico” sobre as artes. Se, de um lado, do ponto de vista retórico, esses epigramas, com o descrever corpos femininos – melhor ainda: suas partes mais belas, à maneira de Zêuxis –, amplificam os dotes físicos dos sujeitos descritos, de outro lado, do ponto de vista figurativo, essa mesma amplificatio opera, nos poemas, espécie de apoteose, ou seja, o poeta-artífice converte o que antes eram as effigies de tipos “reais” em simulacra, imagens mentais52 que, irreais, são portanto divinas, cognoscíveis somente pela imaginação, comungando, pois, da verdade em si, porque circunscritas agora, em termos platônicos, ao território do inteligível. A “apoteose” também corresponde, no plano da composição, à elevação da matéria imitada, mais uma homologia com as artes figurativas. Com efeito, Rufino deixaria de ser Dionísio, pintor que representava homens iguais ou semelhantes a nós – ou seja, pintor do gênero humano –, para transformar-se em Polignoto, pintor de seres superiores a nós: o poeta, ao fim e ao cabo, ao representar agora deusas, não mais seria anthropográphos.53

Ora, se é verdade que, por meio da emulação, se dá, no campo do epidítico, a amplificação da χάρις juvenil dessas mulheres, não é menos verdadeiro que o destaque que o poeta oferece – particularmente nos dois primeiros epigramas do Ciclo de Páris – a partes específicas do corpo feminino, no caso as nalgas e suas respectivas partes pudendas, demonstra mais uma vez a afinidade do discurso poético de Rufino com as artes plásticas. Essa afinidade pode também ser evidenciada no plano lexical: a menção reiterada na delicadeza, na beleza e na graciosidade dos corpos femininos descritos tem no termo χάρις sua síntese perfeita que, por seu turno, é léxico pertencente às artes, justamente para dar conta do encanto e da graça dos corpos de mulheres.54 Ademais, a estratégia do poeta que compreende a beleza suprema a partir de um processo metonímico – ou seja, o foco nas partes mais belas dos corpos daquelas mulheres, com exceção, é claro, do epigrama sobre Meônis, que é toda formosura, a segunda Afrodite – é tópos já antigo que serve tanto para ilustrar, exemplum que é, o gesto mimético baseado na emulação, que é comum não somente às artes, mas também à poesia e ao discurso, como para figurar o ápice da beleza consubstanciada, platonicamente por assim dizer, na forma ideal.55

Com efeito, a famosa anedota acerca da tela de Helena que Zêuxis de Heracleia teria pintado em Crotona é referenciada amiúde em fontes antigas para precisamente ilustrar a ideia de emulação na chave do ut picturapoesis. Em Cícero,56 bem como em Dionísio de Halicarnasso,57 a breve narrativa exemplifica o esforço de emulação que visa o belo ideal e, consequentemente, compõe parte da discussão teórica antiga acerca das práticas miméticas, que congregavam homologias entre o discurso (em prosa ou poesia) e as artes pictóricas – das mais belas partes constituem-se, numa só forma, a beleza perfeita: portanto, distante do real e modelo insuperável, produto da pura abstração. Em outro epigrama de Rufino, que desenvolve tema relativamente comum na Antologia,58 o belo supremo é produto da comunhão de partes e virtudes diversas de outras deusas, o que demonstra, mais uma vez, a recorrência do tema pictórico no epigramatista relativamente ao tratamento que oferece à construção de imagens verbais:

AP. 5.70 (= ER XXVI)

Κάλλος ἔχεις Κύπριδος, Πειθοῦς στόμα, σῶμα καὶ ἀκμήν
εἰαρινῶν Ὡρῶν, φθέγμα δὲ Καλλιόπης,
νοῦν καὶ σωφροσύνην Θέμιδος καὶ χεῖρας Ἀθήνης·
σὺν σοὶ δ’ αἱ Χάριτες τέσσαρές εἰσι, Φίλη.
A forma tens de Cípris; de Peitó, a boca;
das vernais Horas, corpo e viço; a voz,
de Calíope; de Têmis, senso e tino; e as mãos,
de Atena: és, minha amada, a quarta Graça!

Note-se que, no poema, Rufino atualiza motivo já conhecido da epigramática helenística, compondo, em breves pinceladas, um tipo ideal de menina, que se converte na quarta Graça. O compósito do poeta vai além da aparência externa, já que, paralelamente à graça física que provém de Afrodite e das Horas, a menina também toma qualidades anímicas de outras divindades: a boca, por sinédoque, remete ao discurso, pois que Peitó é deusa da persuasão – à maneira de uma sereia, portanto, as palavras pela menina proferidas convertem-se em signo da sedução que provoca. Ela, assim, convence, atrai e seduz, com palavras, seu amante, personificado aqui pela fala epigramática; sua voz vem de Calíope, é a menina então também Musa; de Têmis, possui senso e prudência – virtude que destoa de algumas meretrizes que povoam a epigramática erótica, como a Pródice de Rufino que, orgulhosa de sua beleza, desdenha o poeta –; e, tendo de Atena as mãos, é verossímil supor que a amante é conhecedora de muitos assuntos, versada em diversas artes. Sua imagem, assim, pois que conjuga graça física, refinamento e urbanidade a dotes de natureza artística e intelectual, faz aproximá-la da figura da docta puella. Rufino, portanto, se impõe, em seus epigramas plástico-eróticos, como espécie de Zêuxis epigramático, perfazendo, porém, caminho inverso: sua amada é tão divina que somente as partes e qualidades das deusas – não de mortais, como no caso de Zêuxis em Crotona – são capazes de, juntas, representá-la.

Conclusão

Em que pese a dificuldade de datá-lo e as poucas dezenas de poemas que lhe restaram, Rufino é com efeito poeta bastante elegante e sutil, a ponto de que poderíamos até compreender como programáticos seus epigramas plástico-eróticos. Mas, por que programáticos? Ora, o procedimento que emprega para plasmar com palavras suas meninas, jogando engenhosamente com a percepção de seus leitores, que as contemplam com os olhos da imaginação, se, de um lado, pode ser relacionado, como o apontamos a certa altura, com práticas ecfrásticas já previstas em tratados de retórica que, por serem escolares, eram certamente de conhecimento bastante difundido entre aqueles que compunham sua audiência; de outro, porque encenava espécie de certame entre suas meninas e as deusas – o Ciclo do Julgamento é mais notavelmente representativo disso, mas não só –, supunha, por sua vez, a emulação como temática de fundo recorrente nos epigramas. A emulação é o ponto chave para compreendê-lo, pois ela não serve somente para o poeta entrar na disputa com escultores e pintores a fim de superá-los, como o fazem suas beldades em relação às deusas, ou mesmo para demonstrar sua larga cultura que se consubstanciava no conhecimento de artistas famosos e de sua técnica: a emulação, na verdade, é ponto chave porque é o modo figurado de que faz uso o poeta – cujo precedente, como sabemos, está na narrativa sobre a Helena de Zêuxis – para tematizar seu próprio ofício, discutir obliquamente procedimentos homólogos de composição das artes e da poesia. Rufino toma o exemplo de artistas que buscam superar a natureza ou que competem entre si para converter-se ele mesmo em rival ou êmulo da tradição poético-discursiva que lhe precede: com o emular o passado – os artífices e os poetas –, Rufino por seu turno atualiza, com novas cores, os tópoi da tradição, torna-se, assim, auctor.

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Notas

1 Para os epigramas de Rufino, adotamos a lição de D. L. Page (1978), The Epigrams of Rufinus, a partir de agora sempre remetida pela abreviação ER. Todas as traduções do poeta arroladas neste artigo são de minha lavra.
2 AP. 5.9 (= ER I)

῾Ρουφῖνος τῆι ᾿μῆι γλυκερωτάτηι ᾿Ελπίδι πολλὰ

χαίρειν, εἰ χαίρειν χωρὶς ἐμοῦ δύνασαι.

οὐκέτι βαστάζω, μὰ τὰ σ’ ὄμματα, τὴν φιλέρημον

καὶ τὴν μουνολεχῆ σεῖο διαζυγίην·

ἀλλ’ αἰεὶ δακρύοισι πεφυρμένος ἢ ᾿πὶ Κορησσὸν

ἔρχομαι ἢ μεγάλης νηὸν ἐς Ἀρτέμιδος.

αὔριον ἀλλὰ πάτρη με δεδέξεται, ἐς δὲ σὸν ὄμμα

πτήσομαι· ἐρρῶσθαι μυρία σ’ εὐχόμενος.

Eu, Rufino, alegrias desejo à doce Élpis,

se de alegrias for capaz sem mim.

Não suporto a distância, cara à solidão,

nem – por teus olhos! – a cama sem ti.

Em lágrimas banhado até Coresso sempre

caminho ou de Ártemis augusta o templo.

Chego à pátria amanhã, para a luz dos teus olhos

voarei, rogando-te “adeus!” mil vezes.

3 AP. 5.44 (= ER XVII)

Λέμβιον, ἡ δ’ ἑτέρα Κερκούριον, αἱ δύ’ ἑταῖραι,

αἰὲν ἐφορμοῦσιν τῶι Σαμίων λιμένι.

ἀλλά, νέοι, πανδημὶ τὰ ληιστρικὰ τῆς Ἀφροδίτης

φεύγεθ’· ὁ συμμίξας καὶ καταδὺς πίεται.

Uma é Barcote, a outra Barquel, por alcunha,

ambas aportam nas docas de Samos.

Evitai de Afrodite as corsárias, rapazes!

Ai de quem abordá-las: irá a pique!

4 Cf. AP. 5.44 (= ER XVII).
5 Cameron (1982, p. 162). Para Floridi (2007) – apud Höschele (2019, p. 486) –, é possível que os eróticos de Rufino tenham “inspirado sua contraparte pederástica”, representada pela Musa Puerilis de Estratão.
6 Cameron (ibid., p. 168).
7 Ibid., p. 173. Mais claramente os poemas são: Rufin. AP. 5.42 (= ER XV) e Mart. 1.57; Rufin. AP. 5.37 (= ER XIII) e Mart. 11.100. Ver também Höschele (2006, p. 49-61).
8 Page (ER, 1978, p. 49). Ver também Mondin (2019, p. 582) que situa o poeta na época imperial, sem, porém, datá-lo com precisão; e denomina ainda Ausônio como “um dos mais conspícuos ‘tradutores’ da poesia grega”.
9 Page (ibid., p. 18). Cf. também Cameron (1993, p. 80).
10 Cf. Jacobs (1814, p. 947). Assim também Mackail (1911, p. 334) e Geffcken (1931, p. 841-2).
11 Com efeito, escassos são os trabalhos que se debruçaram sobre os versos do poeta. Referimo-nos já a Jacobs (1814), o primeiro que lhe dedicou exaustivo estudo. A edição de Page (ER, 1978) é, mais recentemente, o principal trabalho sobre o poeta: sem contar o detalhado estudo introdutório, filologicamente profundo, o autor estabelece-lhe os poemas e os comenta verso a verso. Em língua portuguesa, pelo que conheço, há somente o estudo de João Angelo Oliva Neto acerca de Rufino que introduz as traduções elaboradas por Rodrigo Bravo (2018). Além dessa tradução, Rufino foi vertido para o português por José Paulo Paes (1990) – AP. 5.35;60 –, por Albano Martins (2002) – AP. 5.35 –, por Luiz C. A. Mangia Silva (2011) – AP. 5.94 –, por Rafael Brunhara (2015) – AP. 5.35;36 – e por Carlos A. Martins de Jesus (2018), que, a propósito, transladou para o português toda a Antologia Palatina.
12 Cf. Page (ER, 1978, p. ix).
13 O tema em si não é novo e possui precedente arcaico. Cf. Anac. (fr. 16W; 17W). Cf. também Mart. 7.84; Auson. 5 Green; 11 Green. Sobre a composição de imagens na epigramática, em Marcial e Ausônio, ver Mattiacci (2019).
14 Ainda que eróticos, Rufin. AP. 5.6 (= ER VI) e 5.28 (= ER X) são pederásticos; AP. 5.44 (= ER XVII) é claramente jocoso; AP. 5.75 (= ER XXIX), 5.76 (= ER XXX), AP. 5.61 (= ER XXII), AP. 5.41 (= ER XIV), 5.42 (= ER XV) têm proximidade com temas de natureza cômica.
15 É mister notar que, após essa primeira seção, seguem-se uma sequência de epigramas da Guirlanda de Filipe (104-33), uma da Guirlanda de Meleagro (134-215), uma longa sequência originária do Ciclo de Agatias (216-302) e, finalmente, breve miscelânea (303-309).
16 Boas (1914, p. 1-18) sugere que AP. 5.2, o poema que abre a primeira parte de AP. 5, é de autoria de Rufino. Assim, da mesma forma que há no livro XII da AP uma sequência, que começa e termina com Estratão, entremeada de versos de outros poetas, Boas propõe a existência de uma sequência rufiniana no livro V, a que chama de Silloge Rufiniana, baseada em antologias precedentes hoje perdidas em sua integridade ou em coleção erótica, entenda-se: monotemática (cf. Höschele, 2019, p. 486), do próprio poeta. Um indício interessante acerca da existência dessa possível antologia rufiniana é que os epigramas da seção erótica traduzidos por Ausônio não somente pertencem à primeira parte da Antologia Palatina, ou seja, à parte rufiniana, mas sobretudo são arrolados exatamente seguindo a mesma ordem: os epigramas eróticos 12, 36, 83 e 84 de Ausônio correspondem respectivamente a AP. 5.21 (= ER XXI); 42 (= ER XV), 68 (atribuído a Lucílio, ou a Polemão do Ponto) e 88 (= ER XXXII). É notável que, dos quatro, três são de Rufino. Nesse sentido, é possível argumentar, com Cameron (1993, p. 83), que talvez a antologia usada por Ausônio, pelo tradutor dos Epigrammata Bobiensia (EB) e, quem sabe, de Claudiano, continha, em sua seção erótica, algo parecido com a sequência rufiniana da AP. Ver também Oliva Neto (2018, p. 25).
17 Cf. Cameron (1982, p. 164). Ver também Höschele (2019, p. 486): a estudiosa observa a menor preponderância dos erotika na segunda Guirlanda em comparação com a recolha de Meleagro, onde essa subespécie desempenhou papel fundamental.
18 Cf. Rufin. AP. 5.19.2 (= ER VI).
19 No original, a advertência do poeta é: “envelhecemos”. Em português, a fim de marcar tanto o envelhecimento, bem como certo teor jocoso do epigrama, vertemos o geráskomen do primeiro verso por “é curta a idade”, em alusão a Bocage (XVII – Soneto do Prazer Efêmero; grifo nosso):



Dizem que o rei cruel do Averno immundo
Tem entre as pernas caralhaz lanceta,
Para metter do cu na aberta greta
A quem não foder bem cá n’este mundo:
Tremei, humanos, d’este mal profundo,
Deixai essas lições, sabida peta,
Foda-se a salvo, coma-se a punheta:
Este o prazer da vida mais jocundo.
Se pois guardar devemos castidade,
Para que nos deu Deus porras leiteiras,
Senão para foder com liberdade?
Fodam-se, pois, casadas e solteiras,
E seja isto já; que é curta a edade,
E as horas do prazer vôam ligeiras

20 A notatio é estratégia ecfrástica (Rhet. Her. 4. 63) e, pela brevidade, coaduna-se bem, pois, com a epigramática.
21 Sobre o “Ciclo de Pródice”, ver Oliva Neto (2018, p. 28-37).
22 Por exemplo, Hom. Od. 11.53: σῶμα γὰρ ἐν Κίρκης μεγάρῳ κατελείπομεν ἡμεῖς, “o corpo [de Elpenor] na mansão de Circe tínhamos nós o abandonado”. Ver também Hom. Il. 3.23. Cf. Hdt. 7.167. Em Homero, o vocábulo preferível para “corpo vivo” é δέμας (cf. Hom. Od. 8.14: δέμας ἀθανάνοισιν ὁμοῖος, “seu corpo símile aos deuses”). 23 fr. 1W. 24 fr. 188W; 208W.
23 fr. 1W.
24 fr. 188W; 208W.
25 Tib. 1.1.71-2.
26 Mart. 3.93.
27 Hor. Epod. 8; 12.
28 AP. 5.271.
29 AP. 5.273.
30 D. L. Page (ER, 1978, p. 97) considera a hipótese de Harmon improvável, ainda que engenhosa.
31 Sobre os carmina figurata e sua relação com os epigramas, ver Oliva Neto (2006, p. 139). Essa característica aparece também em Marcial, sobretudo como um dos princípios unificadores dos epigramas de Xenia e Apophoreta (cf. Agnolon, 2017, p. 299-300).
32 AP. 5.147 (= HE XLVI).
33 AP. 5.118 (= GP XI).
34 Cf. Watson (2019, p. 95): “[…] in general Greek epigram strikes a far more appreciative attitude to the female body than its Latin cousin. Hence its taste for the so-called ‘catalogue of charms’, notable for the lingering voluptuousness of the male gaze, as in a well-known epigram by Philodemus (AP. 5.132), or the still more lushly sensuous and elegantly voyeuristic pieces by Rufinus on the naked charms of various hetairai”.
35 Cf. Plin. H.N. 36.20.
36 Em Plínio, o velho, é reiterada a atividade da emulação figurada no modo como pintores e escultores buscam, pelo efeito da obra, superar a natureza e seus colegas de ofício em cenas de certames e concursos. Muito mais do que anedotas sobre as vidas dos artistas, as breves narrativas metaforizam a própria composição artística e os contributos de cada artífice para a arte. Veja-se, por exemplo, o certame entre Zêuxis e Parrásio (Plin. H.N. 35.65-66). Sobre as noções antigas de emulação, ver [Longino], Subl. 13.2; Dion. Hal. De imit. Cf. também Russell (1979). A emulação, entendida como princípio essencial para as artes, foi muito tematizada no Renascimento, em diálogo estreito com as fontes antigas, sobretudo a História Natural de Plínio, o velho. Cf. por exemplo Leon Battista Alberti, Da Pintura (1435), e Giorgio Vasari, Vidas dos Artistas (1550).
37 Esse processo de gradual elevação da figura feminina que é proporcional à elevação da subespécie epigramática (de erótica à laudatória e, enfim, à votiva) é notado por Oliva Neto (2018, p. 27).
38 No original: “e a boca, mais deliciosa que um botão de rosa púrpura”. Minha tradução faz alusão a verso similar em Casemiro de Abreu, “A valsa” (excerto): Tu, ontem, Na dança Que cansa, Voavas Co’as faces Em rosas Formosas De vivo, Lascivo Carmim;



Tu, ontem,
Na dança
Que cansa,
Voavas
Co’as faces
Em rosas
Formosas
De vivo,
Lascivo
Carmim;
[...].

39 AP. 5.13 (= GP II).
40 Cf. Arist. Rhet. 1410b14.
41 AP. 12.36 (= HE XLVI).
42 Hom. Od. 14.214.
43 Describentes uero personas, a summis ad ima usque ire oportebit, id est a capite ad pedes. Cf. Hansen (2019, p. 274).
44 Cf. Martins (2016, p. 177): “[...] o discurso periegemático, no caso, ecfrástico conduz exegeticamente os olhos da mente do interlocutor ao derredor de objetos, e espaços, e gentes, e circunstâncias, e vezes, e máquinas, e pinturas, e esculturas, observados de acordo com os sentidos do hermeneuta, do sofista, do rétor, ou do poeta que nos conduz pelo λόγος.”
45 Para “gostosa” aqui, agradeço a sugestão de Guilherme Gontijo Flores.
46 Para Παλλάς, preferimos aqui a lição de Paton (1993, p. 162).
47 Cf. Page (ER, 1978, p. 48): “Some, however, have no parallel in the Anthology: IV, the beauty who deserves a Praxiteles; V, slave-girl preferred to luxurious lady; VIII, the poet the willing slave of his mistress; XI, XII, beauty-competitions; XIV, XVI, girls caught in the act and evicted; XVIII, the sleepy lover; XXI, XXVII, girls bathing; XXIV, a prayer for mercy; XXV, a second judgement of Paris”.
48 Cf. Eur. Tro. 924-944. Certames de beleza aparecem, por exemplo, em fragmentos de Alceu de Mitilene (fr. 130 L-P. v. 13.17-20), a sugerir o contexto religioso desses concursos, relacionados provavelmente à Afrodite: “Lá, na terra consagrada aos deuses venturosos, (...)/ Onde as lésbias, sendo julgadas pela formosura, / vão e vêm arrastando os peplos, e em volta freme/ o eco divino das mulheres,/ o sagrado alarido das mulheres, ano a ano...”, .].[...].[..]. μακάρων ἐς τέμ[ε]νος θέων (...)/ ὄππαι Λ[εσβί]αδες κριννόμεναι φύαν/ πώλεντ’ ἐλκεσίπεπλοι, περὶ δὲ βρέμει/ ἄχω θεσπεσία γυναίκων/ ǁ ἴρα[ς ὀ]λολύγας ἐνιαυσίας. Tradução de Rafael Brunhara.
49 Cf. Mart. 1.102; 5.40. Sobre o tema em Marcial, ver Agnolon (2010, p. 157). Coincidentemente o tratamento dado pelo epigramatista latino, muito embora jocoso, dialoga com as artes figurativas, não como emulação na clave do ut pictura poesis, mas gracejo dirigido aos artífices.
50 Sobre o tema e sua vinculação ao gênero, ver Agnolon (2013).
51 Tratamento análogo aparece em Diog. Laert. 2.67.
52 Martins (2008, p. 91): “Por serem construídas a partir de uma imagem mental (φαντασία), a pintura de Zêuxis e os bustos abaixo [de Homero e Epicuro] granjeiam contornos ideais”.
53 Plin. H.N. 35.113. Aristóteles, na Poética (1448a), observa que o imitar homens superiores, iguais ou inferiores a nós possui análogo com a pintura: Polignoto os representava superiores; Páuson, inferiores, e Dionísio, iguais. Sobre a pintura grega clássica e suas homologias em Aristóteles, ver Martins (2008).
54 Ver Plin. H.N. 35.79: “Foi notável, em sua arte [de Apeles], a venustidade, embora nessa mesma época tivessem florescido excelentes pintores. Ainda que lhes admirasse as obras, dizia ele que a todos – muito por ele elogiados, a propósito – faltava algo daquela graça sua a que os gregos denominavam χάρις”, praecipua eius in arte venustas fuit, cum eadem aetate maximi pictores essent; quorum opera cum admiraretur, omnibus conlaudatis deesse illam suam venerem dicebat, quam Graeci χάριτα vocant. Tradução nossa; grifos nossos. Com efeito, em latim, uenus e uenustas são compreendidas como graças essencialmente femininas, não à toa são também predicação de Vênus. Cícero (De Off. 1.130) vai mais além e distingue dois tipos de belezas: “como existem dois gêneros de beleza (em um subsiste a venustidade; no outro, a dignidade), devemos, pois, atribuir à feminina a venustidade e à viril, a dignidade”, Cum autem pulchritudinis duo genera sint, quorum in altero venustas sit, in altero dignitas, venustatem muliebrem ducere debemus, dignitatem virilem. Tradução nossa.
55 Discuto algures a relação do exemplum de Zêuxis com o conceito de emulação. Ver Agnolon (2020).
56 Cic. Inv. 2.1.
57 Dion. Hal. De imit. 2.6.
58 Cf. Mel. AP. 5.140 (= HE XXX); Call. AP. 5.146 (= HE XV).
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