Resenha Crítica
LÓPEZ-FÉREZ, Juan Antonio (ed.). La Lengua Científica Griega: Orígenes, Desarrollo e Influencia en las Lenguas Modernas Europeas, IV. Madrid: Ediciones Clásicas, 2019. 266p. ISBN 978-84-7882-844-9
LÓPEZ-FÉREZ, Juan Antonio (ed.). La Lengua Científica Griega: Orígenes, Desarrollo e Influencia en las Lenguas Modernas Europeas, IV. Madrid: Ediciones Clásicas, 2019. 266p. ISBN 978-84-7882-844-9
Classica - Revista Brasileira de Estudos Clássicos, vol. 37, pp. 1-4, 2024
Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos
Recepción: 10 Junio 2024
Aprobación: 17 Septiembre 2024
De que modo os múltiplos campos de saberes, como medicina, matemática, filosofia, literatura, direito, retórica, ciências naturais e gêneros literários, enunciados nas línguas modernas europeias, retêm especificidades semânticas e linguísticas advenientes da língua científica grega? Como avaliar a permanência e alteração do discurso científico ático nas letras vernáculas? La Lengua Científica Griega: Orígenes, Desarrollo e Influencia en las Lenguas Modernas Europeas, Volume IV, reúne eminentes filólogos e helenistas de diversas nacionalidades, examinando o alcance do léxico epistêmico clássico na formulação do pensamento gnosiológico moderno. A obra tem um duplo propósito: de um lado, auxiliar o discurso científico contemporâneo na reta formulação e consequente exposição de seus enunciados, e, de outro, promover o recrudescimento dos Estudos Clássicos no âmbito filológico europeu.
Em “Les blessures dans l’Iliade. Analyse formulaire des descriptions et examen de leur exactitude anatomique”, Violaine Drion, Jean Michel Renaud e Paul Wathelet evidenciam a relevância da tradição oral e mnemônica e, por conseguinte, da composição formular, com sua variação dialetal, para a descrição, na épica homérica, das feridas provocadas em combate; examinando, por um lado, de que modo certas expressões e objetos utilizados nos versos, como o escudo de Aquiles, se referem a um período determinado dessa tradição, e, por outro, se certas feridas descritas correspondem a conhecimentos anatômicos atuais. Mediante essa dupla perspectiva analítica, os autores concentram a pesquisa em três tópicos, relacionados (i) aos massacres dos adversários, cuja maior parte dos personagens possuem antropônimos, (ii) nas regiões corporais das vítimas troianas atingidas e, por fim, (iii) nas precisas descrições impetradas pelos heróis.
A épica homérica, enquanto recipiendária da oralidade ancestral dos aedos, é modelar para se entender a transformação do léxico grego, evidenciada sucessivamente na primeira koiné micênica, no eólio ocidental da Tessália, no eólio oriental de Lesbos e no jônio oriental de Homero.
Em “Texto y contexto de los términos musicales en la lírica griega arcaica”, Inmaculada Rodríguez-Moreno visa a elucidar aspectos da música grega antiga, no âmbito dos textos líricos arcaicos, concernentes à melopeia, aos instrumentos musicais, à teoria musical, assim como aos tipos de cantos, sublinhando que os fragmentos dos líricos conservados são escassos para conhecer, com exatidão, o papel e a função da música nas composições poéticas. De acordo com a pesquisadora, a existência de uma lírica monódica e coral em festas, funções religiosas e demais celebrações como competições agonísticas, banquetes, solenidades, rituais iniciáticos e purificatórios assinala a importância que a música adquiriu para a civilização helênica.
Juan Antonio López Férez, em “Observaciones sobre el léxico de la educación en Heródoto y Tucídides”, concentra sua análise sobre o estatuto pedagógico na historiografia em quatro famílias lexicais correspondentes, (i) a διδάσκω e sua família léxica, (ii) a παιδαγωγός e seu campo léxico, (iii) a παιδεία – παιδεύω e sua família léxica e, por fim, (iv) a μανθάνω e seu campo léxico. Com o auxílio do Thesaurus Linguae Graecae, López Férez revisa a obra dos historiadores, escrutinando todas as passagens, ao mesmo tempo em que examina os contextos pragmáticos em que os termos aparecem, assim como a relação ou oposição correlata a outros vocábulos adstritos à educação.
Analisando o vasto léxico circunscrito à educação, López Férez preconiza que a historiografia de Tucídides, formulando um vocabulário dotado de profundo rigor lógico e enorme riqueza semântica, dialoga, tanto no plano formal quanto no material, com os tratados médicos, com a primeira sofística e com a tragédia de Eurípides. Assim como Jacqueline de Romilly,1 que considera o historiador ateniense um precursor do emprego dos raciocínios antilógicos, López Férez ressalta a acribia empregada pelo método historiográfico, apreendendo o significado das palavras concernente à etiologia da guerra assim como as prováveis ambiguidades terminológicas próprias ao léxico nascente.
Em “The language of future time in Greek tragedy: remarks on the use of έλπίς and μέλλω in Euripidean drama”, E. M. Griffiths demonstra como as complexidades linguísticas da expressão temporal na tragédia ática permitem ao tragediógrafo provocar um senso de ambiguidade narrativa, capturando o auditório universal na dialética entre passado, presente e futuro. Mediante a análise do tempo verbal futuro nas peças Ifigênia em Áulis e Andrômaca, Griffiths expõe como a consciência temporal atestada na cena modifica nossa perspectiva da tragédia grega.
Em “La technique et le sens du tirage au sort dans la démocratie athénienne: autour du klèrotèrion”, Paul Demont privilegia a Constituição de Atenas de Aristóteles como exemplo conspícuo da técnica de eleição por sorteio presente na cidade jônica de Eritras, sujeitada à liga de Delos, assinalando as noções de klerotéria e pinákia como definidoras do processo democrático de escolha. De Hannah Arendt a Alisdair MacIntyre, de Luciano Canfora a Giorgio Agamben2 o vocabulário das instituições político-jurídicas atenienses conformou a reflexão normativa na contemporaneidade. Demont reconstitui nos textos predecessores ao citado tratado aristotélico, na epigrafia, na história e na tragédia, o processo eletivo por empate na democracia ateniense, remontando principalmente a Heródoto (III. 80) e a Eurípides nas Suplicantes. O historiador se refere ao persa Otanes de Farnaspes, que profere o encômio da ἰσονομίη, nome dado ao regime no qual o povo comanda (plêthos árchon) enquanto o tragediógrafo exprime a mesma ideia de isonomia do ponto de vista da política ateniense, concernente à igualdade de acesso aos cargos, assim como do ponto de vista social, manifesto na justiça distributiva entre ricos e pobres.
Pedro Pablo Fuentes González busca, em “Observaciones sobre la terminologia ética de los cínicos y los estoicos antiguos”, reconstituir as afinidades lexicais entre as correntes cínica e estoica, examinando conceitos estratégicos do pensamento ético concernentes às correntes normativas. Respeitando a análise diacrônica, o autor se atém entre os séculos IV e III a.C., minudenciando as noções precípuas de ἀπάθεια, δόξα, ἐγκράθεια, ἕξις, εὐδαιμονία, ἡδονή, καρτερία, κῦδος, λόγος, νόμος, νοῦς, πνεῦμα, πρόνοια, τῦφος, φύσις, ψυχή. Fuentes González restringe seu exame, no caso dos cínicos, aos seus primeiros representantes, Antístenes de Atenas, Diógenes de Sinope e Crates de Tebas e, no caso dos estoicos, à Stoa antiga, referente a Zenão de Cítio, Cleanto de Assos e Crisipo de Solos.
Em “Un contributo alla lessicografia greco-latina medievale: il Parcionarium Grecum dell College of Arms”, Antonio Garzya recenseia as fontes do códex Arundel. 9, as quais contêm extenso léxico greco-latino, provavelmente composto em fins do século XIII na Itália meridional com grafia latina. Das fontes, se destacam conspicuamente o Suda e, em menor grau, Hesíquio e Fócio, assim como outros léxicos secundários. Garzya ressalta que o códex possui uma grafia mista, com predomínio das letras latinas, retendo alguns caracteres gregos, havendo no sul da Itália, que naquela época era uma região bilíngue, muitos outros textos análogos. Para o autor, o léxico é um documento histórico e linguístico paradigmático da diversidade linguística europeia, aferindo na redação do códex para a tradução do grego, além da menção latina, o italiano, o grego calabrês, o siciliano, o normando, o inglês antigo, entre outros.
Luis Miguel Pino Campos, em “Vocabulario médico de origen griego en la obra cervantina: apuntes sobre su origen y evolución”, elenca, na obra do autor do Don Quijote, minudentemente os vocábulos médicos, em sua maioria de gênese grega e latina, com o escopo de analisar sua origem e evolução no chamado Século de Ouro, quinhentista e seiscentista, assim como sua permanência atual em certas línguas modernas europeias.
Procedendo a uma arqueologia dos saberes em sua dimensão linguístico-semântica, os estudos recobrem uma diversidade de abordagens, da poesia lírica à historiografia, dos textos médicos às filosofias cínica e estoica, da lírica arcaica à tragédia ática, da lexicografia ao vocabulário das instituições político-deliberativas, perfazendo uma extensa e complexa malha conceitual que reflete no presente a permanência do lógos dos tempos imemoriais, rejeitando a cisão instrumental entre discurso científico e pensamento humanístico. Coordenada pelo eminente Prof. Juan Antonio López Férez para a coleção Estudios de Filologia Griega (EFG) das Ediciones Clásicas, a obra é uma inestimável contribuição à Ciência dos Estudos Clássicos.
Referencias
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer, O Poder Soberano e a Vida Nua. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. 7. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2013.
CANFORA, Luciano. Crítica da Retórica Democrática. São Paulo: Estação Liberdade, 2007.
LÓPEZ-FÉREZ, Juan Antonio (ed.). La Lengua Científica Griega: Orígenes, Desarrollo e Influencia en las lenguas modernas europeas. IV. Madrid: Ediciones Clásicas, 2019.
MACINTYRE, Alisdair. Justiça de Quem? Qual Racionalidade? 4. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2010.
ROMILLY, Jacqueline de. História e Razão em Tucídides. Brasília: Editora da UNB, 2007.
Notas