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O legado clássico de Horácio em Sá de Miranda e Ricardo Reis

The classical legacy of Horace in Sá de Miranda and Ricardo Reis

André Luís Santos Ribeiro
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal, Portugal
Maria Luísa de Castro Soares
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Centro de Estudos em Letras (CEL/UTAD), Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos (CECH/U. Coimbra), Portugal

O legado clássico de Horácio em Sá de Miranda e Ricardo Reis

Classica - Revista Brasileira de Estudos Clássicos, vol. 37, pp. 1-19, 2024

Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos

Recepción: 12 Abril 2024

Aprobación: 10 Junio 2024

Resumo: Na literatura portuguesa, as revisitações da Antiguidade Clássica, em particular das doutrinas filosóficas gregas do estoicismo e do epicurismo e os géneros cultivados na literatura latina de Horácio, projetam-se, no período da Renascença, em Sá de Miranda e, na vanguarda modernista, no heterônimo pessoano Ricardo Reis. Os temas do carpe diem, exegi monumentum e non usitata, ao estilo horaciano, reatualizam-se nas obras dos poetas portugueses. A aurea mediocritas, a consciência da passagem inexorável do tempo e a conceção do utile et dulce são constantes temáticas e teóricas que se repercutem em Sá de Miranda e Ricardo Reis, embora modificadas pelas razões do tempo. Aplicam-se, para levar a cabo este estudo, os métodos hermenêutico e comparativo de análise às obras mirandina e pessoana, por forma a perscrutar as aproximações e diferenças dos autores com Horácio.

Palavras-chave: Literatura Portuguesa, Antiguidade Clássica, Classicismo, Renascimento, Humanismo, Modernismo, herança cultural, heteronímia.

Abstract: In Portuguese literature, revisitations of Classical Antiquity, particularly the Greek philosophical doctrines of Stoicism and Epicureanism, as well as the literary genres cultivated in Latin literature by Horace, are projected onto Sá de Miranda, in the Renaissance period, and onto the modernist avant-garde heteronym of Fernando Pessoa, Ricardo Reis. Themes such as carpe diem, exegi monumentum, and non usitata, in the manner of Horace, are reactualized in the works of Portuguese poets. The aurea mediocritas, the awareness of the inexorable passage of time, and the conception of utile et dulce are constant thematic and theoretical elements that resonate in Sá de Miranda and Ricardo Reis, although modified by the reasons of time. To carry out this study, hermeneutic and comparative methods of analysis are applied to the works of Sá de Miranda and Pessoa in order to scrutinize the similarities and differences of the authors with Horace.

Keywords: Portuguese Literature, Classical Antiquity, Classicism, Renaissance, Humanism, Modernism, cultural heritage, heteronymy.

Na literatura portuguesa, as reverberações da Antiguidade Clássica fazem-se sentir desde o século XVI, manifestando-se, primeiramente, por via italianizante em ressonâncias que chegaram a Portugal pela mão de Sá de Miranda; depois, por via própria, pela leitura e pelo estudo dos clássicos greco-latinos. É, pois, assim que, desde Quinhentos, vários autores portugueses restauram a poética clássica horaciana, quer numa readaptação da sua dimensão formal, quer através da instrumentalização das suas temáticas e doutrinas filosóficas.

O alcance da lírica de Horácio e o encalço da sua obra no Ocidente são extensos, pois inúmeros foram os autores movidos pela dialética do engenho/arte, pelo decoro estético-literário e pela dimensão social da literatura a que o poeta reservou espaço na sua extensa obra. Em Portugal, o destaque volta-se, mormente, para os poetas portugueses do Renascimento, como Sá de Miranda, António Ferreira, Luís de Camões e André Falcão de Resende, para o neoclássico Filinto Elísio – ele mesmo tradutor de Horácio – assim como para a sua discípula, a Marquesa de Alorna, e, no Romantismo, para Almeida Garrett. No século das duas grandes guerras, é com o Modernismo – a única vanguarda que surgiu na literatura portuguesa – que o horacianismo desponta como oposição à poética não-aristotélica de Álvaro de Campos e eclode no heterônimo pessoano Ricardo Reis, que vem a recuperar, ademais, a matriz aristotélica e o ideal grego.

1. De Horácio, da sua produção literária e da sua poética

1.1. Da panorâmica da obra horaciana

Quinto Horácio Flaco (65 a.C.-8 a.C.) publicou Sátiras (Saturae ou Sermones) (S.), Epodos (Epodon Liber) (Epo.), Odes (Carmina) (O.) e Epístolas (Epistulae) (Ep.), tendo introduzido várias inovações concernentes à forma, ao estilo e ao género paradigmático das composições, aproximado-se, em alguns dos Epodos, da inventaria das Sátiras e, noutros, da temática das Odes, ao passo que, nas Epístolas, implementou um novo género literário: a carta literária formatada em verso.

No carmen horaciano (Williams, 1982, p. 53), marcado pela ausência de produção épica e trágica, as Ep., dirigidas a pessoas reais, caracterizam-se pela presença de opiniões individuais do poeta – prova disso são os dados autobiográficos que as compõem e as reclamações sobre o quotidiano citadino –, bem como a projeção de índole moralística, acabando por recair sobre a experiência concernente à vida e à arte. Os Epo. incidem, entre outros, nas guerras civis, no amor, no elogio à pacificidade, na crítica social, na vida campestre; as S. atendem tanto ao espaço privado como ao público. Por último, as O. cantam a amizade, a brevidade da juventude, a morte como fim, a precariedade da vida, o ambiente bucólico, a restauração e o apaziguamento impostos pelo imperador Augusto (ainda que o nome deste pouco apareça, com exceção óbvia para as Odes Romanas, no Livro III), sendo Mecenas o principal destinatário. Apenas um número reduzido de composições literárias evidencia claro quadro político, sendo que aquelas cuja dimensão política se evidencia patenteiam também certa repugnância (Epo. 4) e certa desilusão (S. I.6, Epo. 7 e Epo. 16) (Rudd, 1982; Mota, 2002; Silva, 2007; Santo, 2014; Pereira, 2018; Silva; Leite, 2020).

De início, importa notar que em poucos literatos “as etapas da evolução interior e as vicissitudes da própria existência deixaram marcas tão visíveis como na produção literária de Horácio” (Santo, 2014, p. 226), pois que, acima de tudo, Horácio atendeu aos problemas e disfunções da sociedade do seu tempo, mas conseguiu transcender – porque examinou perturbações universais de uma sociedade abstrata e hipoteticamente arquitetada – a circuncisão espacial e temporal da sociedade em que viveu. Assinalou, pois, problemáticas genéricas encontradas em quaisquer sociedades quer pretéritas, quer presentes, quer futuras – razão, aliás, pela qual poetas de inscrições periodológicas posteriores a Horácio, como Sá de Miranda, em Quinhentos, e o heterônimo pessoano Ricardo Reis, na primeira metade do século XX, idolatraram a sua lírica e instrumentalizaram os seus preceitos, sendo as suas obras projetores dos seus princípios e provas do alcance e da universalidade do poeta latino.

1.2. Da lírica horaciana e dos seus lugares-comuns

Horácio reflete na sua obra a tradição da lírica grega, sem que esta, porém, restrinja a sua capacidade literária ou tampouco a sua originalidade. À sua poesia, identificam-se-lhe duas modalidades complementarmente discordantes: o carpe diem (colhe o dia) em oposição a exegi monumentum (perenidade da poesia) e a non usitata (imortalidade do poeta) (Achcar, 1992) – todos esses, deva dizer-se, lugares-comuns na lírica de então.

Os temas centrais da lírica horaciana são reflexo direto das matrizes filosóficas epicurista e estoica. Embora a filosofia de Epicuro difira da de Zenão e ambas as doutrinas tenham conhecido fases diferentes em períodos históricos distintos (Long, 1985), as semelhanças entre ambas são mais relevantes do que as suas diferenças e, exatamente por isso mesmo, acabam por justificar os lugares-comuns da lírica horaciana. Assim, se a natureza da felicidade é o prazer para os epicuristas e a virtude para os estoicos, e se o cultivo de emoções positivas e a perceção da morte como estádio de não ser são característicos da doutrina epicurista e, ademais, a indiferença emocional e a interpretação da morte como fase integrante do ciclo de vida características dos estoicos, as duas filosofias de raiz grega vêm enfatizar a importância da autodisciplina como meio para uma vida mais bem sucedida:1carpe diem, quam minimum credula postero2 (O. I.11).

A busca de uma vida equilibrada, ponderada e caracterizada pela aponia (ausência de dor), pela ataraxia (ausência de perturbações, sobretudo do espírito), pelo hedonismo (busca de prazeres terrenos) e pela aceitação do fado (destino) – ainda que incongruente com a veia estoica mais radical de indiferença em relação a tudo quanto é externo ao ser humano (apathea) – explicam alguns dos seus temas nucleares, nomeadamente, o da efemeridade da vida; o do amor e da amizade; o da brevidade da juventude e a importância de a desfrutar; o do vinho e da festa como meios de prazer e confraternização; o do ambiente bucólico como locus amoenus; etc.



Aequam memento rebus in arduis
seruare mentem, non secus in bonis
ab insolenti temperatam
laetitia [...]3

Fuente: (Horácio, O.II.3, v. 1-4)

Ademais, a coadunação doutrinária das duas filosofias epicurista e estoica provoca o distanciamento de emoções violentas, não para o alcance de uma vida de deleite, mas para a consciencialização de fruição de um prazer circunstancial, porque transitória e finita é a vida. Se os temas supramencionados se enquadram no carpe diem; outros, como a alta função social da literatura e a importância da imortalização da lírica pelo sublime, enquadram-se no exegi monumentum4 e no non usitata. Na lógica desse contexto, sobressai a O. III.30, dedicada à glória do poeta, que se torna imortal através da poesia e cujo mérito é assinalado pela coroação de louros:



Exegi monumentum aere perennius
regalique situ pyramidum altius,
quod non imber edax, non Aquilo impotens
possit diruere aut innumerabilis
annorum series et fuga temporum.
non omnis moriar [...].
sume superbiam
uaesitam meritis et mihi. Delphica
lauro cinge uolens, Melpomene, comam.5

Fuente: (Horácio, O. III. 30, v. 1-6, 14-6)

Depois do Carmen Saeculare, do Liv. II dos Ep. e do Liv. IV das O., é possível dizer-se que Horácio se tornara o poeta do regime augustino. Todavia, ainda que o poeta tenha exaltado aquele que considerou o maximus princeps (ver O. IV.14) e tenha tecido elogios à sua iniciativa de morigeração de costumes e à celebração das reformas de índole política, social, religiosa e moral levadas a cabo pelo principado (ver O. IV.15) – ao preferir a parasitica mensa à regia (Pereira, 2018), não só se recusou ao servilismo e à adulatio por meio da recusatio e da excusatio (de que é também exemplo a O. IV.15), como também terá permanecido em Vila Sabina, na propriedade que lhe fora oferecida por Mecenas, e se recusara a voltar a Roma (ver Ep. I.7). Isto demonstra como o poeta nunca terá abdicado da sua autonomia. E apesar do reconhecimento do papel de Augusto em propiciar paz e sossego internos ao império, tendo assinalado o seu papel na diminuição dos contrastes sociais, a lírica horaciana oscila entre a dimensão social e a dimensão individual. Sem nunca ascender a extremos, em Horácio, as preocupações formal e estilística flutuam entre a aplicação da ironia e a atenção ao gosto do auditório, entre a polidez discursiva e a crítica temática, entre os tons doce e amargo etc.

Um dos temas que merece especial atenção é o do tempo, que surge na poesia horaciana como movimento através do qual o ser humano passa e para qual o destino inevitavelmente tende:



Eheu fugaces, Postume, Postume,
labuntur anni nec pietas moram
rugis et instanti senectae
afferet indomitaeque morti,6

Fuente: (Horácio, O. II.14, v. 1-4)

O tempo é uma das maiores vulnerabilidades do homem e a causa primordial da sua instabilidade. A lei da alternância – que pressupõe que tudo tem o seu tempo e circunstância e tudo se transforma – determina inevitavelmente um antes e um depois e, por isso, uma relação polarizada juventude/velhice, sendo que o binómio culmina infalivelmente na morte. Assim, e ainda sob uma matriz epicurista, o movimento é a essência da vida, pois que o tempo não se restringe a uma dimensão numeral e remete para uma temporalidade vivencial que valoriza a experiência:

A questão temporal, como temática amplamente explorada pelos líricos arcaicos, comparecerá com força igual na lírica horaciana, afinada à perspectiva da reflexão íntima sobre a brevidade da vida, a fugacidade inexorável do tempo, a necessidade da apreciação dos prazeres contidos no momento presente, a rápida passagem da juventude e a chegada da morte que tudo anula. (Silva, 2007, p. 27)

1.3. Da Arte Poética de Horácio

No período da renascença italiana, Leonardo da Vinci afirmou que “a arte diz o indizível; exprime o inexprimível, traduz o intraduzível”7 e, no Tratado da Pintura (1982, s/p), acrescenta “la pittura è una poesia che si vede e non si sente, e la poesia è una pittura che si sente e non si vede” [“a pintura é uma poesia que se vê e não se ouve, e a poesia é uma pintura que se ouve e não se vê”]. Ainda em Quinhentos, na estância 41 do canto VIII d’Os Lusíadas, Camões reporta-se à poesia como uma “pintura que fala” (Camões, 2020, p. 271) e, na estância 76 do canto anterior, alude à pintura como a “muda poesia” (Camões, 2020, p. 258). Mas esta relação de proximidade entre a literatura e a pintura remonta à Grécia Antiga, particularmente ao dito aforismático (Silva, 1990) de Simónides de Ceos: “a pintura é uma poesia muda; a poesia é uma pintura falante”;8 sendo na Epistula ad Pisones [Epístola aos Pisões] – a qual, mais tarde, vem a ser amplamente conhecida por Ars Poetica [A Arte da Poesia] – que a essência desta conceituação se consolida com ut pictura poesis (Horácio, Epistula ad Pisones, v. 360-3).

São as tarefas de iungere (juntar) e indūcere (aplicar) que aproximam as duas matrizes artísticas, pois que o poeta, assim como o faz o pintor na tabula (pintura), aplica empenho e técnica para juntar palavras, para imprimir preto no branco ideias e, assim, formar o seu liber (obra literária).9 E é na hedionda, bizarra e excêntrica imagem da figura com cabeça de mulher, pescoço de cavalo e corpo revestido de penas que Horácio apresenta o que se propõe a tratar no discorrer da epístola: as infrações das quais um bom literato se deve afastar e os requisitos elementares de uma verdadeira obra de arte. Assim, a poética horaciana recupera a premissa de unidade aristotélica10 que postula que só os princípios, as medidas e a norma podem valorar e enaltecer uma obra – “denique sit quiduis, simplex dumtaxat et unum” (Horácio, 2023, p. 554) [“Em suma: seja a obra o que quiseres, desde que simples e una” (Horácio, 2023, p. 555)]; ademais, o seu decorum centrar-se-á não apenas na seletividade de temas e géneros, mas na conveniência, quer interna quer externa, da obra. Todas estas preocupações traduzem a influência do labor limae et mora helenístico (Brandão, 2005).

2. De Sá de Miranda e do Renascimento Português

2.1. Enquadramento sociocultural e histórico do Classicismo

O Renascimento emerge num movimento de índole múltipla e provoca alterações culturais, sociais, políticas e económicas, nomeadamente, pela precipitação de uma nova classe social – a burguesia –, a qual vem a concitar o crescimento e a exploração de tendências democráticas e a induzir mudanças económicas derivadas do desenvolvimento da economia mercantil. Como consequência direta da emergência dessa classe, verifica-se, de modo geral e por toda a Europa, um crescimento populacional que conduz à expansão das cidades – sobretudo pela migração da classe burguesa do meio rural para os centros urbanos, que acaba por concitar o desenvolvimento civilizacional por esta se tornar independente do sistema eclesiástico e feudal. No coro da Renascença, o Humanismo não só surge como uma das suas causas mais diretas, como exibe uma nova forma de pensar, de estar e de ver o mundo, consagrando-se num “movimento cultural defensor do Homem em pleno desenvolvimento das suas virtualidades e empenhado na ação” (Soares, 2013, p. 65) e que impele para o sentimento de complacência e benevolência entre o homem e os seus semelhantes (Buescu, 1992; Iáñez, 1993; Soares, 2007a; Leski, 2019).

O Humanismo promove uma postura do homem capaz de transformação da realidade, independentemente da influência de eventuais forças que lhe sejam transcendentes ou de imposição sobrenatural. O homo credulus medievo é substituído pelo homo faber renascentista e os seus interesses voltam-se para o bem-estar e para a felicidade: o mundo fechado e restrito da época medieval abre-se para um mundo infinito – o mundo moderno que se afirma a partir do

otimismo antropológico ou antropocentrismo, que insiste na noção de que o homem é por si capaz de progresso, de vitória sobre as barreiras, de conhecer sempre mais e de dominar o mundo que vai conhecendo. O homem é, além disso, o centro de todas as construções artísticas, literárias e filosóficas, contrariamente à ordo teocêntrica medieval. Outro vetor do pensamento renascentista inclui aspetos como as tentações antropológicas e a euforia naturalista, ou seja, a noção de que o homem, criatura modelar, pode ser feliz à face da Terra. De facto, os renascentistas consideram que o homem não tem que fugir da ligação sensual com esse mundo, devendo antes procurar aí a sua glória. O homem vai realizar-se plenamente ao nível da natureza, não precisa de hipotecar a sua felicidade para um mundo sobrenatural. […] Interligado […], o hedonismo vem acrescentar aos anteriores princípios filosóficos de ampla expressão artística, a componente do prazer. O homem – além da busca da alegria e da afirmação dos seus poderes naturais – deve procurar o prazer dos sentidos e do espírito. (Soares, 2013, p. 66)

Numa posição que se afasta da cultura eclesiástica e da própria escolástica, o Humanismo vem a valorizar uma postura intelectual e crítica por parte do Homem, que deve encontrar em si o foco dos seus interesses, em vez de os procurar na figura divina. Contudo, importa ressalvar que, embora o espírito seja crítico, não é anticristão; antes, gerador de novos horizontes, novas metas, novos rumos, pelo que, regendo-se pela máxima sapientia et eloquentia, rejeita quaisquer privilégios de casta ou sangue, considerando que nenhum plebeu culto é inferior a um nobre culto: “Protágoras proclama que ‘o homem é a medida de todas as coisas’, estabelecendo assim a primeira formulação explícita de humanismo” (Mendes, 1995, p. 791).

O período do Renascimento corresponde, pois, à incessante e sempre nova investigação do mundo natural, a uma elevada e frutífera produção de conhecimento próprio, ao crescimento do estudo de saberes interdisciplinares e à renovação científica, literária e artística, razão pela qual a sociedade quinhentista recusa crenças, superstições e lendas infestas provindas do mundo medieval.

Numa Europa imbuída de uma nova conceção do mundo e em que a verdade não mais é procurada no divino, antes nos ensaios, na experimentação, no estudo, na análise e na observação, o antropocentrismo ganha força e o homem, sem perder a fé, desprende-se da justificação e pretexto religiosos (Buesco, 1990). Assim, liberta-se também da conceituação do propósito de vida do mundo medievo, que discorria da subtração da vida material, pois que o corpo era tido como fonte de pecado e poderia intentar-se em atos de profanação e sacrilégio – motivo pelo qual o homem se queria contido, disciplinado e adestrado, já que só assim poderia, depois, merecer a recompensa divina (Soares, 2007a). Assim, a mundividência renascentista prioriza a vida terrena e privilegia a busca do prazer, da felicidade, da beleza, do bem-estar, da alegria, do contentamento, do gozo e do frenesi no mundo sensível, fazendo com que o homem tome um lugar preponderante na ação, se instrumentalize e conduza o seu próprio destino (Reis, 1997):

é no Renascimento que se impõe a conceção do Homem como um ser em constituição, in fieri, como um animal capaz de produzir-se, plasmar a si próprio. Um animal, como assinala Pico della Mirandola, cuja forma, cujo ser, deriva da sua ação, de sua própria atividade. O único animal que é o que faz de si mesmo; animal divino, porque criador de seu Mundo e de si próprio. E podemos observar que esse mote relativo ao Homem como “plasmador e artífice de si mesmo” – em função do poder de sua livre vontade – será repetido em formulações diversas por todo o Renascimento. Erasmo, por exemplo, dirá: “homines non nascuntur, sed fingitur”. As árvores, os animais, nascem tais; já os homens não nascem, eles se fazem, plasmam-se como homens (Cardoso, 2017, p. 19).

O discurso renascentista, ao contrário do discurso escolástico medieval, é aberto, iluminante, positivo, objetivo, apolíneo e revitalizador, mas o é numa escala em que os próprios princípios axiomáticos que proclama, os quais pressupõem a obediência a regras preestabelecidas, entram em conflito com o homem do qual se espera uma reinvenção do mundo. Isso porque, assumindo-se o homem como capaz de se superar a si mesmo, mas impondo-se-lhe regras pelas quais se deve reger (Soares, 2007a; Silva, 2009[1961]; Leski, 2019), o Renascimento acaba por exautorar o dogma que proclama, entrando em decadência em finais de Quinhentos, abrindo-se à fase maneirista.

O homem renascentista, enquanto núcleo totipotente, armazena em si mesmo toda a energia do vir a ser, assim como todo um espectro de possibilidades, descobertas e, sobretudo, de uma capacidade de se transcender e de se superar no mundo orgânico e telúrico. Os ideais humanistas e renascentistas acabam por se difundir por toda a Europa nos finais de Quatrocentos, sendo levados ao auge na primeira metade do século XVI. Na verdade, o Trecento e, principalmente, o Quattrocento tornaram possível a que, no Cinquecento, se pudesse falar numa cosmovisão renascentista de um multifário de produções estéticas nas várias matrizes artísticas, das artes11 à literatura, em toda a Europa, em que os novos programas, que recuperaram o legado clássico da Grécia e Roma antigas, influenciaram o modus operandi da nova arte europeia de então. Ergue-se assim o Classicismo (Buescu 1992; Iáñez, 1993; Soares 2007a; Leski, 2019).

2.2. A introdução do Classicismo em Portugal pela mão de Sá de Miranda

O Renascimento vê-se introduzido por definitivo, em Portugal, no ano de 1526, após a chegada de Francisco de Sá de Miranda (1481-1558) de uma viagem que empreendeu à Itália e que iniciara poucos anos antes, em 1521. Mas a implementação concludente dos temas, motivos e formas clássicas italianizantes – como o amor petrarquista,12 o dolce stil nouvo13 e o próprio soneto14 – não marca uma rutura integral com a tradição medieval, sendo, por isso, o Renascimento, ao contrário daquilo que veio a ser o Modernismo, um momento de conciliação entre a herança medieval e as inovações inspiradas no legado clássico da Antiguidade (Buescu, 1992; Reis, 1997; Soares, 2007a; Silva, 2009 [1961]). Na verdade, o corpus dos autores quinhentistas portugueses, de Sá de Miranda a Camões, remete para um organismo simbionte, em que a herança da tradição medieval, nos padrões do Cancioneiro Geral (ed. 1993-2003, em 6 vols.) de Garcia de Resende, se concilia com a herança cultural e estético-literária clássica greco-latina. São disso prova exemplar composições textuais pautadas de hibridismo – como o são, aliás, as epístolas e as éclogas, cuja métrica se mantém fiel à medida velha, atendendo, por outro lado, as formas à norma clássica que se impunha. Ademais, pode estabelecer-se certa relação entre a temática do desconcerto, presente na poesia trovadoresca, e a vigorosa crítica mirandina e camoniana, assim como se pode conexionar, pelo menos do ponto da dimensão psicológica que a temática incursa, o amor petrarquista com as relações de vassalagem da sociedade feudal assíduas na poesia palaciana (Buescu, 1992; Soares, 2007a).

No que respeita à produção literária mirandina, cabe assinalar a influência clássica trazida da Itália, principalmente as temáticas de amor suprarreferidas, e, depois, a influência adquirida por via da leitura direta dos grandes poetas clássicos, com destaque evidente para Horácio, o que consagra Sá de Miranda como o primeiro poeta horaciano da literatura portuguesa. Instrumentalizado pelos preceitos poéticos horacianos, Sá de Miranda formula um discurso em estilo próprio, comedido, sério e consciente, porque, e por vezes em demasia, enxuto de emoções, e, por isso também, frio, no qual faz uso de uma métrica resultante da apropriação formal italiana e de um verso prudente e resultante do cultivo cuidado da língua.

Atente-se, porém, que a vernaculidade e a erudição características da sua linguagem literária não deixam de englobar vocábulos relativamente caseiros, bem como arcaísmos e ruralismos em construções de base elíptica, com desorganização e inversão dos componentes sintáticos da frase, que a tornam, não raro, custosa de ler e interpretar. Isso faz com que a oscilação entre um discurso versado e um discurso rusticano se concilie através da dimensão pragmática que tipifica a sua poesia, particularmente através da sentenciação pedagógica e cívica impregnadas de aforismos e máximas que pretendem dar resolução às preocupações ético-sociais. A título de exemplo, atenda-se ao soneto XXVII, “Ao tempo” – que remete para um lugar-comum da lírica mirandina, pois que alude à passagem do tempo, à caducidade da vida experimentada e ao consequente sentimento de soturnidade que concita ao homem –, onde se nota, com clareza, a inversão da ordem canónica dos sintagmas:



Tempo que tam ligeiro te mostraste
Até que a tantos males me trouxeste,
Depois que nele posto me tiveste,
Como tam vagaroso te tornaste?



Muito com teu vagar me magoaste,
Muito coa ligeireza me ofendeste;
Quando te arreceei, logo vieste,
E se te desejei, nunca chegaste.



Nada tens ja em mi que esprimentar,
Nada tenho de ti ja que temer […]

Fuente: (Miranda, 1885, p. 422)

2.3. A instrumentalização horaciana em Sá de Miranda

O louvor e a apreciação a Sá de Miranda estão bem impressos nas palavras de André Falcão de Resende, que, com apreço, reconhece a mestria do poeta – “Ilustre Sâ d’alto sangue e engenho, / A vos humildes versos ofereço, / D’estilo inculto e grande estrilidade”.15 De igual modo, o reconhecimento da sua glória e labor literários estão inscritos no Epitafio XIV de Pedro d’Andrade Caminha:



A alma no ceo repousa eternamente,
Chea do que ca tinha merecido.
O nome voando vai de gente em gente,
Com inveja e amor e espanto onvido.
O corpo fraco jaz aqui somente,
Da alma á força de idade despedido.
A morte desfaz tudo, mas Miranda
Vivo é no ceo, e vivo na terra anda.16

É certo que o elogio e a homenagem feitos a Sá de Miranda derivam da obediência do poeta à lei da moderação,17 que fora, na Antiguidade Clássica, cultivada de forma constante e obsessiva por Horácio. De facto, é a partir desta prescrição horaciana que Sá de Miranda se orienta, sendo a sua literatura o resultado do estudo e da leitura incessantes dos clássicos e o concomitante trabalho sob a matriz aristotélica de mimesis (ver Neto, 2004; Oliveira, 2020).

Importa ressalvar que, ainda que à época se privilegiasse mais rapidamente uma razão estéril do que uma loucura fecunda, a obra mirandina apresenta-se, em todas as suas frentes, modelada e alicerçada na racionalidade e na ponderação de uma estética que, feita a posteriori (Silva, 2009 [1961]), determinava que a habilidade para a escrita, para que fosse profícua, devia ser domesticada. Só assim se poderia alcançar um estatuto elevado como condição de se poder certificar a perenidade e a universalidade da obra literária, que chega a transcender as demais matrizes estéticas:



Dar favor aos engenhos, e a toda arte
Das boas, faz os reis aqui imortais
Por fama, e passando avante mais,
Ums fez deuses em todo, outros em parte.
[…]



Á guerra o môr Cipião consigo
As musas brandas de seu natural
Que assi sem armas são de altas ajudas,



E ainda cantão d’aquele tempo antigo.
Caírão as estatuas de metal!
Que se podia esperar de cousas mudas?

Fuente: (Miranda, 1885, p. 95 – grifos nossos)

Ademais, o horacianismo de Sá de Miranda converge para a filosofia da ação, da abdicação de bens materiais e supérfluos e da ausência de grandes deleites; filosofia essa de que Horácio se serviu para reger a sua própria vida e, por isso também, se associa ao otium, por oposição direta ao negotium, no sentido em que ambos os poetas se empenharam em semear uma vida assente nas doutrinas estoica e epicurista, o que conduz a que ambos recorram à meditação e à reflexão baseada na aurea mediocritas:



auream quisquis mediocritatem
diligit, tutus caret obsoleti
sordibus tecti, caret inuidenda
sobrius aula.18

Fuente: (Horácio, O. II.10, v. 5-8)

As obras, no entanto, passam pela crítica ao êxodo rural, pela censura da má distribuição do dinheiro – numa sociedade em que os mais ricos aumentam progressivamente o poder de compra e os mais pobres ficam cada vez mais desafortunados –, pela denúncia da corrupção na administração; pela condenação das políticas expansionistas que conduziam à inflação; pelo comportamento bajulador e interesseiro dos que integravam o ambiente cortês etc. Mas passam também por “um modo de imortalização da grandeza dos monarcas” e pela “expressão clara do enaltecimento dos feitos militares e [o papel das letras como] um auxílio na guerra” (Soares, 2022, 20-1).

Mas a inscrição horaciana de Sá de Miranda vai para além da recuperação dos seus temas e motivos e culmina mesmo em similitudes nos próprios modos de vida dos poetas: da mesma forma que Horácio estabeleceu uma relação com a cabeça do poder político e administrativo de Roma – o imperador Augusto – e veio, mais tarde, a trocar a cidade de Roma pelo ambiente campesino, também Sá de Miranda manteve uma relação com D. João III e deixou Lisboa para se exiliar, em 1552, na Quinta da Tapada, na vila de Amares, no Minho, onde escreveu grande parte da sua obra doutrinária e moralista. Ponto assente, enfim, é o facto de, tendo ambos vivido cientes da passagem do tempo e da caducidade do seu percurso, que se opõe à possibilidade de renovação e ciclicidade naturais, imortalizaram-se através da literatura.



Oh cousas todas vãs, todas mudaveis,
Que é o coração que em vos contia?
ncertos muito mais que ó vento as naves?



Eu vira já aqui sombras, vira flores,
[…]
Agora tudo é seco e de mistura:
Tambem mudando me eu, fiz outras côres.
E tudo o mais renova: isto é sem cura.

Fuente: (Miranda, 1885, p. 81 – grifos nossos)

No advento do mundo moderno, Sá de Miranda marca a contraideologia quinhentista pela posição de advocação à política de fixação em detrimento do expansionismo e pela crítica às viagens marítimas, que o aproxima do Velho do Restelo d’Os Lusíadas. Além disso, a écloga Basto e a Carta a El-Rei D. João – na qual o poeta incita o rei a governar – provam a dimensão humana do poeta vate na orientação do homem (Soares, 2007a; Soares, 2022).

A recuperação do legado clássico, a sua renovação e a tentativa de superação são os elementos marcantes da lírica de Sá de Miranda assim como os de outros rostos do classicismo português – com destaque evidente para Luís de Camões (c. 1524/1525-1580), mas com merecida menção a Bernardim Ribeiro (1482-1552), António Ferreira (1528-1659), poeta que Fernando Pessoa considerou o único e verdadeiro clássico, Diogo de Couto (1542-1616) etc. (Buescu 1992; Soares, 2007a e 2015). Todos esses poetas marcaram a grandiosidade e a elevada importância do movimento renascentista português numa Europa liberta do fechamento medieval e aberta ao infinito. Maria Helena Carvalhão Buescu conclui:

O século XVI foi, pois, o grande século português, vivendo a experiência de uma Europa que se transcende a si mesma e vai implantar raízes em todos os continentes. Vivendo essa experiência, cria novos padrões, no plano estético, moral e social. […] Testemunho direto da explosão do Real, o homem português do século XVI emblematiza os lugares e os gestos que vão constituir a memória coletiva da Europa. Deles extrai o espírito e a mensagem, construindo, laboriosamente, uma herança e um imaginário coletivos. (Buescu, 1992, p. 97)

3. Do Modernismo Português e do ideal clássico de Ricardo Reis

3.1. Enquadramento cultural e estético-literário

Em Portugal, o Modernismo desabrocha com uma geração que encontra expressão na atividade cultural saudosista em voga e cuja prática tem como palco a sociedade portuense e a revista Renascença Portuguesa. O Saudosismo tinha como principal objetivo a transformação do pensamento republicano português através do alcance nuclear da verdadeira portugalidade – isto é, do espírito e da alma nacionais genuínos – e que em Teixeira de Pascoaes se conexiona à espiritualidade portuguesa e ao verdadeiro modo do ser português (Reis, 1990; Soares, 2007b; Neto, 2014; Manso, 2017). Com alicerces num quadro programático tradicional, rural e exageradamente sentimental, o panorama saudosista, que propunha ressuscitar a autenticidade da pátria, esculpia-se, porém, retrógrado e inerte, pois que recorria, para atestar essa mesma originalidade, à restituição de cariz “romântico e mítico a um passado vago” (Reis, 1990, p. 167). É, pois, de modo gradativo e com o brotar de uma estética nova, em que a força e a fragmentação do sujeito ganham peso, que os ideais nacionais inanimados do Saudosismo entram em decadência e acabam por se dissolverem por aquele que viria a ser o grande movimento literário do século XX – o Modernismo.

Apesar da difusidade conceptual que pensar no vocábulo obriga (Reis, 1997) e que advém do seu sentido em duplo (Mahaffey; Laity, 2005), importa refletir, de partida, no enquadramento sociocultural e histórico-literário, mas também nos valores e nas atitudes basais do Modernismo, período que, aqui, enquadramos entre a I e a II grandes guerras e cujo auge e mais feraz período se alcança entre o segundo e o terceiro decénios do século XX.19 Esta nova escola marginal e rebelde, que foi a que a geração de Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro encabeçaram – a geração de Orpheu –, ansiava levar a cabo uma rutura sem precedentes com a literatura nacional do passado, para que pudesse vir a vencer e a transcender os limites fronteiriços e a equiparar-se a uma Europa cada vez mais moderna e cosmopolita (cf. Broadbury; McFarlane, 1976). Entre os vários programas insurgentes – do paulismo ao sensacionismo, ao interseccionismo e ao futurismo – que se caracterizam por uma matriz experimental indisciplinada, esdrúxula e muitas vezes incongruente, absurda e ilógica, as atitudes técnico-literárias utilizadas tinham como objetivo central e último perturbar, impactar, escandalizar, provocar a sociedade portuguesa e de “transformar” um “país demasiado sério e estreito” (Reis, 1990, p. 167).

É o programa de uma estética aberta e eclética, que oscila entre o real e o imaginário – em estados que, em Bernardo Soares, se situam num espaço intermédio caracterizado pelo torpedo, pela fadiga e pelo semissono –, que o incomum e o díspar são materializados através de uma linguagem literária desconjuntada e da qual incorrem renovações dos campos lexicais e semânticos como tradução técnica da fragmentação dos sujeitos modernistas (Reis, 1990, p. 171).

3.2. Ricardo Reis na constelação pessoana: o cultivo do legado clássico

Na senda do desvelar da problemática do estatuto da genialidade absurda atribuída a Pessoa e da sua respetiva proveniência, Mário Sacramento (1985) conclui que tanto o engenho como o estro pessoanos não advêm da “‘trouvaille’ da heteronímia” como caso independente nem tampouco da “poesia ortónima” isolada senão da “obra global”, pois que “subestimar o que afinal mais solicita a nossa atenção no caso do poeta, seria negá-lo mesmo, já que não há poesia ortonímia o que quer que lhe dê qualitativamente vantagem sobre a dos seus ‘pares’” (Sacramento, 1985, p. 24). É, pois, certo que o princípio da diversificação não se reduz à discussão que recai na relação binomial entre a (possibilidade) de unidade e a diversidade resultante da pluralidade de eus, de que se ocuparam nomes centrais dos estudos pessoanos – como Jacinto do Prado Coelho (2007 [1949]), Mário Sacramento (1985) etc. Na verdade, a diversificação constitui o núcleo estético-literário da escola modernista e a sua função de ancoragem na gênese da heteronímia, assim como é revisível no labor das sensações – desde a sua captura como matéria-prima, ao seu extensivo e complexo desenvolvimento até à polidez última que as eleva e transforma em linguagem literária, e, ainda, nas várias etapas do processo de devir-outro, de devir-si mesmo e de devir-heterônimo –, é preponderante. Importa, entretanto, notar que o devir-heterônimo “deve provir da própria poesia, a qual não pode ser bem sucedida a menos que utilize nas suas operações mais secretas a simulação, a ‘insinceridade’ – para ser e aparecer não-simulada, não-artificial” (Gil, 1986, p. 196). É evidentemente claro que uma tendência para a despersonalização é distinta da heteronímia literária.

Na constelação pessoana, a heteronímia, cuja diferença estatutária que a dista da pseudonímia há muito se logrou, em que se incorpora Ricardo Reis, segue uma matriz estrutural e funcional de índole técnico-literária.20 Pressupõe, por isso, a composição de entidades divergentes, ou mesmo alteridades, que reclamam autonomia no plano do discurso e independência face ao ortónimo, quer por terem um nome e uma identidade próprios, quer pelo estilo ser distinto entre os heterônimos e do próprio estilo ortonímico (Lind, 1981; Gil, 1986; Reis, 1990 e 1997). Uma das consequências da adoção de técnicas dispersivas – que advêm da legitimidade à incongruência e ao absurdo que os órficos proclamaram – foi a dissolução de regras de regência na literatura. Isso terá levado Pessoa à fuga dos ideais propriamente ditos modernistas: o neoclassicismo de Reis resulta de uma reação antirromântica e da renovação do paganismo, esta última levada também a cabo pelo mestre Caeiro, assim como do ideal grego e das (deficiências identificadas às) teorias neoclássicas (de incidência não-literária).21

Em escrito íntimo intitulado Orpheu, António Mora realça que “da Grécia Antiga vê-se o mundo inteiro, o passado como o futuro, a tal altura emerge, dos menores cumes das outras civilizações, o seu alto píncaro de glória criadora” (Pessoa, 1966b, p. 144). Mas, se o que o heterônimo Mora proclama seria revisível nos programas poéticos de Caeiro e, sobretudo, de Reis, Pessoa estava ciente de que era imprudente e, até certo ponto, descabido orientar e disciplinar o mundo em consonância com as emoções gregas (Lind, 1981), até porque a “ânsia de beleza clássica é toda cristã na sua fúria de perfeição, no seu desassossego” (Pessoa, 1994, s/p). Reconhece, porém, que a tradição helénica é uma “forma íntima do nosso organismo psíquico” (Pessoa, 1980, p. 32) e constitui o alicerce mais basal da dimensão cultural da civilização ocidental, embora a tradição grega tenha, entretanto, entrado em declínio por força romana, cristã e, mais tarde, romântica. A partir daí, tudo há “sido um erro e um desvio” (Pessoa, 1994, s/p): o “romantismo secou-nos” e o “cristianismo apodreceu-nos. Ficámos secos e pôr isso moles”.

Isso terá levado Pessoa a semear o classicismo com base no ideal grego distanciado da matriz romana – pois que, em Roma, a “influência espiritual da Grécia atuou, além do mais, só sobre as camadas cultas” (Lind, 1981, p. 107). Adiante, principalmente em Ricardo Reis mas também em Alberto Caeiro – que aparecem ambos numa fase de desagregação do Cristianismo na Europa –, Pessoa identifica mesmo o Cristianismo como o colostro de um Romantismo que aguçou o sentimento, mas que, como consequência, conduziu à insubordinação. Isto é, ainda que opulentas, a abundância romântica em emoções culminou em indisciplina, ao passo que os antigos, maioritariamente os gregos, porque cultivaram menos emoções, mas mais ricas, “livres ainda do peso bárbaro do cristianismo, esses puros espíritos pagãos tinham ainda a noção da ordem e do equilíbrio, que Cristo veio tirar” (Pessoa, 1980, p. 9). No Livro do Desassossego, o semi-heterônimo Bernardo Soares repara:

Por mais que pertença, por alma, à linhagem dos românticos, não encontro repouso senão na leitura dos clássicos. A sua mesma estreiteza, através da qual a clareza se exprime, me conforta não sei de quê. Colho neles uma impressão álacre de vida larga, que contempla amplos espaços sem os percorrer. Os mesmos deuses pagãos repousam do mistério.

A análise sobrecuriosa das sensações – por vezes das sensações que supomos ter –, a identificação do coração com a paisagem, a revelação anatómica dos nervos todos, o uso do desejo como vontade e da aspiração como pensamento – todas estas coisas me são demasiado familiares para que em outrem me tragam novidade, ou me deem sossego. Sempre que as sinto, desejaria, exatamente porque as sinto, estar sentindo outra coisa. E, quando leio um clássico, essa outra coisa é-me dada. (Pessoa, 2017, p. 79).

Os programas neoclássico e neopagão – e “porque o paganismo marca um grau de civilização mais avançado que o cristianismo, que parte do sentimento semita” (Pessoa, 1993, p. 149) – vêm a tomar forma no heterônimo pessoano Ricardo Reis, cuja filosofia estoica serve de elixir à problemática do subjetivismo e vem higienizar a arte dos percalços românticos. Assim, se a assertividade e objetivismo presentes em Reis são traços cabais e supremos da arte dos gregos e cujo culto da realidade exterior deve a Caeiro, o seu neopaganismo surge enquanto alternativa aos restantes quadros programáticos modernos – os ismos – e o heterônimo envereda por um caminho autónomo e distinto do seu mestre. Ademais, a filosofia infinita, moderna e espiritual é substituída por uma filosofia finita, de pendor racionalista ao estilo grego, que vem a substituir a vitalidade de que o Romantismo – encoberto de enfermidades – carecia. A violação romântica à limitação da arte, em que o sentimento correspondia à razão, vem a ser corrigida pelo ideal grego em estilo próprio nas Odes e nas Novas Odes: disciplina e limitação são a regência do ideal estético. Ademais, o “propósito da arte [instaura-se] na imitação da Natureza; por conseguinte, a obra de arte deve apresentar todas as características peculiares a um ‘ser natural’” (Lind, 1981, p. 97). Neste contexto, no dizer de Fernando Pessoa:



Os antigos invocavam as Musas.
Nós invocamo-nos a nós mesmos.
Não sei se as Musas apareciam –
eria sem dúvida conforme o invocado e a invocação. –
Mas sei que nós não aparecemos.

Fuente: (Pessoa, 1944, p. 73)

Em jeito de súmula, ao distanciar-se da poesia futurista de Campos e das suas angústias e êxtases, Reis funda a sua poética segundo os princípios tabelados:

Tabela 1 – Princípios da arte antiga
Princípios da arte gregaPrincípios da arte clássica
1. Equilíbrio 2. Harmonia 3. Ação humana1. Unidade 2. Universalidade 3. Objetividade
Elaboração própria.

3.3. As odes de Ricardo Reis: traços clássicos e horacianos

Em carta datada de 13 de janeiro de 1935 a Adolfo Casais Monteiro, Fernando Pessoa apresenta o heterônimo Ricardo Reis como um médico “latinista por educação alheia, e um semi-helenista por educação própria” (Pessoa, 1986, p. 199), que vivia exilado no Brasil dadas as suas convicções monárquicas. Se é certo que as biografias dos heterônimos resultam das suas obras (e não o contrário, como já foi proposto), é, no entanto, certo que os dados biográficos atribuídos a Reis sinalizam o seu programa literário.

Ricardo Reis apresenta-se como o poeta disciplinado da galáxia pessoana, aquele cuja “altiva mente [e] o fixo esforço” (Pessoa, 1986, p. 158) encontrou no poeta latino Horácio inspiração e que cultivou toda uma arte oposta à do heterônimo-irmão de que nascera por derivação oposta. Ao contrário de Campos, Reis encontra, na fixa estrutura da ode, precisão métrica e dedica-se ao cultivo de uma linguagem também ela contrária à do futurista, uma linguagem erudita, repleta e engrandecida de latinismos e sintaticamente sofisticada (e. g., construções frásicas na ordem predicado/sujeito; recorrente situação pospositiva do sujeito em relação ao verbo, inversão da ordem canônica dos elementos constituintes do sintagma adjetival etc.).

Nascido à custa da ciência das sensações pessoana, Reis elege a razão como meio de adestrar a sua poesia e a ponderação como forma de viver. Ao recuperar o carpe diem horaciano, Reis está ciente da passagem do tempo e, embora esta lhe cause inquietude, escolhe reger-se por uma aguçada lucidez, que o faz compreender a inevitabilidade da ação do tempo, para aceitar o seu devir. Sem deixar de cultivar as suas próprias temáticas, como é o caso da indiferença pelo meio e o lamento do desterrado, alinhado com Horácio, recupera as doutrinas epicurista e estoica gregas, pois que, ao não ter escolha, remete-se para a inação contra o tempo, aceitando o mundo e a realidade tal-qualmente são. Em odes como “Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira rio”, algumas discrepâncias com a lírica horaciana começam a emergir:



Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos).
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Fuente: (Pessoa, 1946, p. 23)

O poema supratranscrito, centrado na efemeridade da vida e na fugacidade da juventude – que, em referência onomástica, remete para Lídia22 –, resume e consolida a temática horaciana mais recorrente em Reis. Com o rio – imagem do fluxo/passagem do tempo (“Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa”) –, Reis torna-se consciente de que, para além da inutilidade do passado que não mais volta e da incerteza do futuro que ainda não chegou, qualquer tentativa para alterar o curso normal das coisas é em vão. Contudo, no coro do determinismo da vida que “passa e não fica, nada deixa e nunca regressa” e da dimensão finalista posta em jogo na imagem do rio que “vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado”, Reis, ao contrário de Horácio – que almeja a busca de prazeres moderados no presente –, conforma-se com o estado de coisas do mundo e parece renunciar ao hedonismo (“Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio”) (Reis, 1990; Silva, 2007; Gemelli, 2008).

Atenda-se ainda na seguinte composição:



Cada um cumpre o destino que lhe cumpre.
E deseja o destino que deseja;
Nem cumpre o que deseja,
Nem deseja o que cumpre.
Como as pedras na orla dos canteiros
O Fado nos dispõe, e ali ficamos;
Que a Sorte nos fez postos
Onde houvemos de sê-lo.
Não tenhamos melhor conhecimento
Do que nos coube que de que nos coube.
Cumpramos o que somos.
Nada mais nos é dado.

Fuente: (Pessoa, 1946, p. 171)

Em outras composições poemáticas – como naquela acima transcrita, e em “Pois que nada que dure, ou que, durando” (Pessoa, 1946, p. 151) –, sobressai a ideia de que Reis, ainda que, como o poeta latino, procure minimizar os desalentos e busque uma vida “sem desassossegos grandes”, carece do concreto quotidiano de Horácio e restringe-se à mera aceitação do destino, sem quaisquer gozos moderados (“Mais vale saber passar silenciosamente”). Assim, se a poesia horaciana assenta num epicurismo temperado de estoicismo, a de Reis funda-se na doutrina estoica com laivos epicuristas. Comprova-o não só a indiferença emocional estoica, mas, no plano pragmático, a ausência de argumentação lírica na exortação e da simulação intratextual de diálogo – e. g., “Quando, Lídia, vier o nosso outono” (Pessoa, 1946, p. 120). De resto, enquanto Horácio projeta o discurso para o público-alvo, Reis descarrila do vetor persuasivo. Noutras composições, porém, a dimensão hedonista do epicurismo revela-se mais forte e o heterônimo segue a linha de exortação horaciana – e. g. “Segue o teu destino” (Pessoa, 1946, p. 68), “Quero ignorado, e calmo” (Pessoa, 1946, p. 149) –, surgindo mesmo a passagem do tempo associada a temas como o collige, virgo, rosas:



Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
Morre! Tudo é tão pouco!
ada se sabe, tudo se imagina. Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada.

Fuente: (Pessoa, 1946, p. 92 – grifos nossos)

No contínuo movimento do tempo, a morte surge como consequência última e inevitável da inexorável passagem da vida e é, por isso também, a única certeza verdadeiramente certa de toda a existência humana. Em Reis, estão ausentes os imperativos morais ao estilo horaciano a partir dos quais o poeta vate ensina a melhor maneira de se conviver e lidar com a morte. A inquietude que a morte causa ao poeta é, em Reis, resolvida através da dimensão filosófica das duas doutrinas gregas. Porém, assim como no poeta latino, está presente a comparação dos ciclos humano e natural, tendo este a capacidade de se regenerar e aquele, por contrário, de se reduzir à sua finitude (Lind, 1981; Silva, 2007; Gemelli, 2008).

É, entretanto, curioso perceber outras diferenças com o poeta Horácio – que merecem atenção mais detalhada e das quais nos ocuparemos noutra ocasião –, nomeadamente, no seio do seu paganismo, a concepção dos deuses enquanto “ideias humanas em passagem de noções concretas para ideias abstractas” (Pessoa, 1966b, p. 304) e a presença de doutrinas teosóficas: Reis não busca conhecer a verdade, até porque considera que todas as filosofias são, à sua medida, verdadeiras, o que o leva a não conglomerar essas mesmas filosofias numa metafísica.

Considerações finais

É o engendrar do modelo horaciano ingenium (talento) e ars (técnica) – sob a máxima aut prodesse uolunt, aut delectare poetae (Horácio, Epistula ad Pisones, v. 333) (i.e., utilidade formativa e intenção lúdica) – que faz da obra algo simultaneamente utile et dulce. Da durabilidade da lírica horaciana retiramos duas firmes ilações: a dimensão sublime que a obra horaciana merecidamente conquistou e a singular originalidade do seu autor, pois que foi a partir do cultivo inesgotável de lugares-comuns que Horácio ergueu a sua obra.

Para além da instrumentalização na sua escrita de tópicos horacianos, Sá de Miranda preocupou-se, como o poeta latino em que se inspira, na reflexão sobre o estatuto da literatura, da sua função social e do extenso trabalho que precede o poema – a metaliteratura presente no prólogo da comédia Estrangeiros e os sonetos enviados ao príncipe D. João são disso testemunhos.

Ricardo Reis, por seu turno, sinaliza a inabilidade de esquecer a antiga Grécia. Reclama um carpe diem que se afirma mais como modo de existir no mundo do que como modo de agir no espaço, no discorrer do seu tempo vivencial. Marcada a lírica pela dimensão analítica da fugaz existência, o heterônimo volta a sua preocupação para o exegi monumentum e anula o non usitata da sua produção literária, pois que parece haver, em Reis, uma sensação de solubilidade e, em consequência última, de liquefação do sujeito em relação à sua obra, que acaba por sobrepujar o poeta, extinguindo-o: a obra torna-se universal e independente do seu autor e a “busca do prazer pela eternidade num só momento é um resumo feliz do formalismo estético de Ricardo Reis” (Sacramento, 1985, p. 66).

Ademais, importará, noutra ocasião, refletir:

Perdemos a visão lúcida do mundo e a interior visão lúcida de nós mesmos. Enfebrecemos e envelhecemos. O que há de novo em nós, sobre o que a Grécia tinha, é a velhice. É a velhice, com a sua maior experiência, e o seu menor poder em utilizá-la; a velhice confusa e saudosa; a velhice faladora, analisadora de si, das suas recordações, dos seus sentimentos, como compensação de não poder mexer-se bem, de não poder agir nitidamente. Não nos libertámos nada, de modo nenhum. (Pessoa, 1994, s/p)

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Notas

1 Ver O. I.9.
2 Cf. Horácio (2023, p. 48-9). “Colhe o dia, confia o menos possível no de amanhã”. Todas as traduções da obra de Horácio são de Frederico Lourenço.
3 Cf. Horácio (2023, p. 98-9). “Nas situações árduas, lembra-te de manter a mente / equânime; do mesmo modo, nas boas mantém-na / a salvo da excessiva alegria” / [...]”.
4 Ver O. IV.9.
5 Cf. Horácio (2023, p. 204-7). “Completei um monumento maior do que o bronze mais perene, / do que a régia posição das pirâmides mais alto, / que nem a chuva voraz, nem o ingovernável Aquilão / poderá destruir – nem a incontável série / dos anos e a fuga dos tempos. / Todo eu não morrerei […]. Assume o orgulho / demandado pelos méritos; e com délfico / louro me coroa de bom grado, ó Melpómene, o cabelo”.
6 Cf. Horácio (2023, p. 120-1). “Ai, fugazes – Póstumo, ó Póstumo / deslizam os anos; nem a piedade trará / demora às rugas, nem à velhice iminente, / nem à morte indomável”.
7 Na ausência da fonte de origem, ver Salteiro (2019).
8 Na ausência da fonte de origem, ver Scherer (2017).
9 Cf. as anotações de Frederico Lourenço na obra comentada de Horácio (2023, p. 765-791).
10 Cf. Aristóteles (2017). Cf., ainda, a introdução à poética aristotélica por Brandão (2005).
11 Os capítulos XII, XIII, XV e XVI da célebre obra The Story of Art [A História da Arte] de Ernest Gombrich (1909-2001) são referências medulares na compreensão do desenvolvimento da pintura e da escultura entre os séculos. No que ao período do Protorrenascimento e ao Renascimento concerne, destaca-se a exploração e análise que a obra dedica à arte italiana, sobretudo na análise panorâmica da escola de Giotto di Bondone, no Trecento; do círculo de Fillippo Brunelleschi e das obras de Mantegna Pierro e Sandro Botticelli, no Quattrocento; e do culminar, no Cinquecento, no auge de produção artística com Leonardo da Vinci, Michelangelo Buonarroti e Raffaello Sanzio. Ver Gombrich (1985 [1950]).
12 A recuperação do estilo amoroso à moda de Francesco Petrarca (1304-1374) foi prática comum em vários países europeus no período do Renascimento. O amor petrarquista representa a relação de inferioridade do amante em relação à mulher amada e conduz, frequentemente, como consequência da não correspondência desse amor, ao dissídio do poeta, que, não raro, culmina num jogo psicológico traduzido na relação binomial razão/emoção. Cf. Marnoto (1994). Exemplos da influência petrarquista em Sá de Miranda é o soneto II (ed. C. M. de Vasconcelos) – “Em pena tam cruel, tal sofrimento” (ver Miranda, 1885, p. 67).
13 O amor etéreo, angélico, incorpóreo e evanescente característico do dolce stil nuovo, que vem a substituir o amor orgânico e terreno da sociedade feudal que se repercutia no vecchio stil, aparece, pela primeira vez e remetendo para Beatriz, no verso número 57 do canto XXIV do Purgatório – “Di qua dal dolce stil novo ch’i’ odo” – da Divina Comédia de Dante Alighieri (1265-1321). Os sonetos VI, XXXI e XXXII (ed. C. M. de Vasconcelos) – “Mas que não pode Amor? Fez me engeitar”, “Quando eu, senhora, em vós os olhos pondo” e “Este retrato vosso é o sinal” (ver Miranda, 1885, p. 70, 450 e 451) – são amostras exemplares da presença stilnuovista na produção literária mirandina.
14 Em italiano, sonneto, à letra, significa pequeno som ou pequena canção, pois que, na língua italiana, ainda que não estejam ausentes, os sons fortes e demasiado ásperos são escassos, ao contrário daquilo que sucede na língua portuguesa.
15 Retirado da edição, já várias vezes aqui referenciada, de Carolina Michaëlis de Vasconcelos do ano de 1885, que reúne a obra literária de Sá de Miranda. “A Francisco de Sâ de Miranda mandando lhe ums versos”, de André Falcão Resende, integra a Parte Quinta – “Poesias dedicadas a Sâ de Miranda” (1885, p. 668) – e consta, segundo a editora, da página 266 da obra original Obras de Caminha.
16 A composição poética de Andrade Caminha, e a de André Falcão de Resende (nota anterior), consta da Parte Quinta – “Poesias dedicadas a Sá de Miranda” (p. 668) da edição da obra literária mirandina por Carolina Michaëlis. Em nota de rodapé, a editora dá conta da fonte original, que nos é, à presente data, igualmente inacessível: Obras (1885, p. 92). Os sublinhados no poema supratranscrito são nossos.
17 Ver O. I.27. e O. II.3.
18 Cf. Horácio (2023, p. 112-3). “Quem estimar a moderação dourada / escapará, seguro, às sordícias de uma casa / degradada; e escapará, regrado, ao palácio / causador de inveja”.
19 Carlos Reis (1997) propõe um enquadramento mais abrangente, balizando o Modernismo entre a última década de Novecentos e a década de 50 do século XX.
20 José Gil (1986) e Carlos Reis (1990) alertam para os diferentes caminhos trilhados na explanação da heteronímia, a saber, um que se concatena com inclinações psiquiátricas dos autores empíricos, outro que se conexiona com uma orientação astuta de matriz pueril e uma última – aquela a que acima nos referimos e que explica a heteronímia literária (id est, a heteronímia que diz respeito aos heterônimos efetivamente literários e que corresponde, sobretudo, ao mestre Alberto Caeiro, ao clássico Ricardo Reis e ao futurista Álvaro de Campos). Assim, a asserção de Sacramento de que “os heterônimos serviram assim a Pessoa como pontos de referência às suas tão-só mais ousadas dicotomias íntimas” (1985, p. 32) referir-se-á àquilo que José Gil (1986, p. 194) diz ser um caso simples de heteronímia, conseguida através do devir-outro, o que dista diferença do mais complexo processo que é o devir-heterônimo.
21 Ver O Sentido do Classicismo (cf. Pessoa, 1966a).
22 Em outras composições, as referências onomásticas estendem-se a Cloe e Neera.
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