Traduções

Filósofos e assassinos: Quíon, Epístolas – reflexões; tradução; anotações; bibliografia

Philosophers and assassins: the Epistles of Chion – Reflections; Translation; Notes; Bibliography

Reina Marisol Troca Pereira
Universidade da Beira Interior (UBI), Portugal

Filósofos e assassinos: Quíon, Epístolas – reflexões; tradução; anotações; bibliografia

Classica - Revista Brasileira de Estudos Clássicos, vol. 36, pp. 1-25, 2023

Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos

Recepción: 01 Agosto 2023

Aprobación: 25 Octubre 2023

Resumo: O pseudígrafo helénico tardio aqui traduzido em língua portuguesa é atribuído a Quíon de Heracleia. Denota o seu percurso maturativo através da evolução de valores, com base em estudos filosóficos dispostos em prol da comunidade. Subjugada por Clearco, a localidade torna-se objeto de libertação pelo jovem aristocrata que, com outros conspiradores, altruisticamente prescinde de uma vida desafogada e até da própria existência. Perante autoria, datação e propósitos ignotos dessa novela epistolográfica, bem assim incongruências, anacronismos e erros históricos vários, ganha consistência uma dúvida ética: afinal, um assassinato poderá ser heroico e louvável?

Palavras-chave: Quíon, epistolografia, ficção, filosofia, tiranicídio.

Abstract: The late Hellenic pseudograph here translated in Portuguese is attributed to Chion of Heraclea. It denotes his maturing path through the evolution of values based on philosophical studies arranged in favor of the community. Subjugated by Clearchus, the locality becomes the object of liberation by the young aristocrat who, along with other conspirators, altruistically gives up a comfortable life and even his own existence. Due to unknown authorship, dating and purposes of that epistolographic novel, as well as the existence of various inconsistencies, anachronisms and historical errors, an ethical doubt gains consistency: after all, can a murder be heroic and praiseworthy?

Keywords: Chion, epistolography, fiction, philosophy, tyrannicide.

A filosofia gera assassinos?

Quíon, Epístolas

᾿Ιδέλιδι καὶ τῷ Μανουήλῳ εἰσαεί·

Exórdio

Haverá errónea ingenuidade ao entender o epistolário reportado a Quíon enquanto mera confabulação? Fora Quíon o redator? Com que propósito? Quando? Na verdade, o escrito não se categoriza como biográfico, histórico, tampouco filosófico, pese embora a ocorrência de alguns ensinamentos, por entre laivos de retórica, exortação propagandística, didatismo e entretenimento ficcional.

Estudiosos1 há que, não obstante considerável multiplicidade de incongruências, anacronismos e imprecisões, outorgam a autoria ao jovem de aristocrata filho de Matris, oriundo de Heracleia Pôntica (Bitínia, Ásia Menor), séc. IV a.C. Em causa, o seu intento anfibológico, simultaneamente condenável e de meritório altruísmo heroico. Ainda assim, em ambos casos, de provento fracassado no porvir2 o atentado em 353/352 a.C. contra Clearco3 (seu familiar),4 tirano esclarecido.5 Este, a quem se conhecem, no limiar do Período Helenístico, estudos na Academia ateniense, exílio e traição de Mitrídates, inicia em 364 a.C. uma dinâmica de poderes autocráticos subsistente até 280 a.C.

Pareceres maioritários convergem numa cinzela anónima, com algum saber estoico, quiçá de um rhetor neoplatónico, em Período Helenístico tardio ou Época Imperial Romana já com credo cristão, talvez precedente a Plutarco6 ou porventura ulterior7 a Mémnon, entre os séculos I8 e IV.9

De certo, apenas o magnicídio quiónico desde cedo retratado na vetustez de autores a exemplo de Filodemo, Diodoro Sículo, Mémnon, Justino10 e, mais tardiamente, na Enciclopédia Bizantina Suda (κ1714), reportando alguma instrumentalização política relativa a autoritarismos sob governo do Império Romano do Oriente, após o cerco de Heracleia e as guerras mitridáticas (89 a.C-63 a.C.). Tratar-se-ia assim o opúsculo de um panfleto de hostilidade patriótica em prol de uma Heracleia subjugada desde o ano de 70 a.C., ou talvez relativamente à sua jurisdição sob Domiciano (séc. I)?11

Difusão

Os registos quirográficos concernentes ao conjunto de epístolas pseudoquiónico contam-se profícuos, sobretudo ao longo dos séculos XIV-XVI,12 fomentando a elaboração de vários Stemmata Codicum, a partir de arquétipos do séc XI13 ou XII,14 hoje inexistentes.

A editio princeps decorre de Aldo Manúcio, remontando a 1499: Epistolae Basilii Magni. Libanii rhetoris, Chionis Platonici, Aeschinis et Isocratis oratorum. Phalaridis Tyranni. Bruti Romani, Apollonii Tyanensis, luliani Apostatae. Venetiis, p. 288r-297v. Em 1583 e 1584, duas edições de I. Caselius. Na centúria posterior, a de I. Cuiacius. Subsecutivamente, Coberus e, no século XIX, Orellius, bem como Hercher. Além de recuadas versões em latim a acompanhar o grego, outrossim a tradução em múltiplas línguas, designadamente inglês, francês, alemão, italiano, castelhano.

Categorias textuais: estilo, figurantes, estrutura, tempo e espaço

a. Estilo

O texto desenvolve-se em prosa helénica tardia, pós-clássica, simples,15 tendencialmente aticista,16 com preferência linguística por ionismos e sem uso extremo de dogmas filosóficos.

Elementos de foro morfológico repartem-se entre vocalizações; metaplasmos; particularidades pronominais, bem como de formação e conjugação verbal. O discurso divide-se pelo reconto de atos transatos e equação de eventos futuros, donde verbalmente o emprego de formas temporais pretéritas, infinitivas e participiais, no primeiro caso; e futuras, optativas, assim como combinações condicionais, no segundo. De morfemas, contam-se detalhes no uso das formas declinadas. De igual modo, alguns heteróclitos e hapax legomena. Frequentemente, a primeira pessoa do singular cede lugar a um plural majestático, inclusivo de terceiros no propósito evidenciado.

Em termos estilísticos, algumas figuras (e.g. comparações e símiles, §14; personificação, §16, 17). Certas fórmulas de juramento invocando Zeus (e.g. §3.4, 16)17 denotam uma recorrência linguística corrente, à parte de crença contrária ao código judaico-cristão, e também um reduto condicente com a Segunda Sofística, a par de outros topoi de índole cultural desvelados na diegese (e.g. Belerofonte; Dionísias; hospitalidade; φιλία, ‘amizade’; ἁρετή, ‘virtude’).

No geral, uma monódia com um dialogismo disfarçado pelo género epistolar (com relatos, respostas, pedidos).18 De tonalidade inicialmente leve, jocosa, deslumbrada, ambiciosa e focalizada num microcosmos individual, altera-se mediante um confronto com a realidade, em §12, qual episódio de iniciação, perdendo-se uma certa inocência juvenil e progredindo-se em maturação, caráter dissimulado, resoluto, espírito de missão e amplitude.19 Ganha-se uma índole epopeica, de cariz agónico, qual competição em Jogos/Celebrações divinas (vd. coroação com oliveira, §17).

b. Figurantes

Consta um vasto elenco de vultos referenciados, com grau de intervenção distinto na urdidura narrada, desde a mera alusão contextual (e.g. Sócrates, Ciro, Simo), à participação enquanto conjunto anónimo (viz. grupos etnográficos,20 categorias sociais,21 membros familiares).22 Também identidades nomeadas individualmente, possíveis de categorizar-se sob vários domínios (e.g. amizade,23 mensageiros e homens de confiança,24 estudo e admiração,25 hostilidade,26 generalidade social).27

c. Estrutura

A ação primaz denota, numa cadência circular (estrutura anelar), a viagem de um jovem protagonista,28 herói tiranóctono.

O opúsculo mostra-se como novela29 epistolar,30 cuja peripécia se desenvolve até final através de 17 secções correspondentes a missivas pseudográficas. A estrutura de cada carta compreende nomes singulares de remetente em nominativo e destinatário em dativo, seguindo-se, em algumas, elementos introdutórios, como acusação do recebimento e localização.

Iniciada a intriga in medias res, a progressão prende-se com narrações de episódios. Por último, a conclusão. Enquanto conjunto epistolar, constata-se à partida, uma viagem de estudos a contento da vontade parental (§1). No medeio, dois percursos: primeiramente, de intervenção ativa em lutas – episódios marginais preparatórios para a o posterior tiranicídio (Xenofonte e Helenos vs. Bizantinos §3; Períntios vs. Trácios §4) e contacto com Platão (§5, 10). Entretanto, interregno na ação, com recomendações (§2, 7, 8), solicitações ao pai (produtos: §6; paciência: §11), escrita a amigo (§9). Numa segunda via, a atividade surge com o conhecimento da situação social heracleota/aplicação de aprendizagens filosóficas (§12); atentado de §13 e a pia fraus (§16); ademais, apenas ações potenciadas (§12-15, 17).

Com Quíon, expõe-se porventura o arquétipo de uma outra veia filosófica de sincretismo doutrinário (afloramentos académicos, peripatéticos, estoicos,31 platónicos, helenísticos, herméticos, εἰσαγωγαί populares), embora de traço mormente estoico (platónico). Em evidência, retrata que a sophia não se impõe necessariamente apática, como se parte de um binómio βίος θεωρητικός vs. βίος πρακτικός, incompatível com atividades bélicas, apolítica, desinteressada, tampouco abnegada em absoluto.32 E por utilidade, importa à natureza divina do Homem, com moderação,33 gerir, reconfigurar noções (viz. ‘morte’) e valores, bem como dominar emoções e impulsividade, em prol de justiça, serenidade, contemplação, liberdade, enfim, felicidade futura.

Em suma, as missivas projetam o crime; as ações descritas ensaiam o golpe final de uma narrativa em aberto, suspensa quanto ao desfecho.34

d. Tempo e Espaço

A viagem principal do enredo alude à ida e vinda de Quíon a partir de Heracleia (Pôntica).

Regista-se a passagem por Bizâncio (§1, 3), Simo, Perinto (§4), Quios (§4), até à chegada a Atenas (Hélade). Referência em §4, 5, 6, 13, 16. Permanência estimada: §7-10). Em paralelo, jornada de Trason (Bizâncio-Ponto §2), expedição de Xenofonte (Bizâncio-Trácia §3), itinerário de Arquépolis (Atenas – Ponto §7).

O cômputo cronológico engloba alusões generalizadas (e.g. ‘demora’, ‘atraso’) e outras delimitadas (e.g. meio da noite, hora sexta, meio de inverno, ocaso vesperal dos Cabritos – talvez setembro). No cronograma histórico, 3 dias em torno de Bizâncio (§1); 12 dias em Bizâncio (§4): ano 400/399 a.C. – Xenofonte em Bizâncio. Para mais, 5 anos fora de Heracleia (§11): ano 366 a.C. (§10) – casamento de Espeusipo, 3º/4º ano da deslocação de Quíon; §6-9 – 3º-4º ano da viagem de Quíon; 364/363 a.C. – início do governo tirânico de Clearco, 5º ano da ausência de Quíon. Previsão de permanência por mais 1 lustro (§11) – não acontece. O retorno conta com impossibilidade de navegar a partir de Atenas – inverno (§12); ainda monções (§13); ventos etésios – verão (§13); chegada a Bizâncio no final de agosto (§14). Entretanto, decorre tempo indeterminado para Matris convencer Clearco, bem como o despendido na entrega da carta (§15). Por último, dois dias antes das Dionísias, provavelmente no início da primavera (ano seguinte?). Quíon chega à pátria no outono, após ter-se ocupado demoradamente (§17) com as suspeitas do tirano. Fora do conjunto epistolográfico, a história regista o tiranicídio em 353/352 a.C., correspondendo ao 6º ano do trajeto empreendido por Quíon.

Dvbia/Controversia

Pelo texto escrito, condensam-se 48 anos históricos (desde a chegada de Xenofonte a Bizâncio e o tiranicídio de Clearco) numa viagem ficcional de c. 6 anos. Denotam-se assim, numa apreciação stricto senso, inconsistências factuais.

Eis, pois, a exemplo: embora Quíon no primeiro ano do seu percurso se encontre em Bizâncio (400/399 a.C.), havendo contactado Xenofonte, não completa o quinquennium sequente em Atenas, por forma a executar o tiranicídio (353/352 a.C.) –uma incongruência de tempos. Por seu turno, Xenofonte surge como comandante dos Helenos (§3), nunca sendo aludido o almirante lacedemónio Anaxíbio (cf. X. An. 7.1-2), nem a chefia do espartano Quirisofo (X. An. 3.2.27). Para mais, Heraclides, alegado amigo acompanhante de Quíon, em Bizâncio, caso se trate do Pôntico, filósofo platónico, nascera apenas em c. 390 a.C. Acresce ainda que o governo de Clearco parece ter sido breve, após regresso imediato de Quíon (394/393 a.C.). Mas qual a verdade, se vultos como Dionísio Sículo (15.81.5) e Mémnon (FGrH 434.1.3) reconhecem ao tirano 12 anos de governo, desde 364/363 a.C., e este último autor igualmente o óbito do tirano aos 58 anos de idade? Ou seria antes a figura de Clearco em causa nas epístolas quiónicas neto do que estudara filosofia na Academia, morto em 353/352 a.C.? Assim também aspetos como o episódio narrado em §4 ser oferecido a Matris enquanto mote de gracejo com Arquedemo. Porém, Quíon somente o reporta ao pai, requerendo a sua hospitalidade, em §7, e a carta de recomendação enviada corresponde a §8, logo, desordenação nas missivas. De igual modo, a ‘hora sexta’ (§13)35 anacronicamente apresentada como contabilização cronológica corrente no séc. IV a.C. Outrossim, os nomes de companheiros envolvidos no tiranicídio não se reúnem com os dados de nenhuma fonte histórica.36 Juntam-se as sobrinhas netas de Platão, mencionadas em Pl. 361d: uma em idade de casar, outra com 8 anos, outra com 3, a mais nova com menos de 1 ano. A missiva §10, todavia, alude a outras (sobrinhas?) já unidas em matrimónio –uma incoerência, em virtude das idades.

Como poderiam tamanhos desfasamentos ocorrer, mesmo tratando-se de um sistema semiótico secundário, caso o escritor fosse Quíon, ou não existisse um lauto desfasamento temporal entre história / estória e os propósitos que justificam a escrita não fossem outros além dos grafados?

Da tradução

A sequente versão toma por base o texto grego editado por Orellius, 1816.

Com o propósito de preservar o mais possível a tonalidade do original composto e editado em língua helénica, mantêm-se, quando exequível, algumas repetições vocabulares, tempos verbais, fenómenos prosódicos ou suprassegmentais como pontuação e parênteses. O plural majestático de primeira e segunda pessoas, para uma leitura hodierna mais facilitada, regra geral, é substituído pelos respetivos singulares. Antropónimos, mitónimos, topónimos e heortónimos são adaptados à língua portuguesa. Porquanto a numeração de parágrafo/secção se mostra distinta em várias edições, faculta-se a ordem na lipsiana entre parêntesis retos, e outras, à maneira de Hercher, 1873, p. 194-206, entre chavetas {}

Tradução: Quíon. Epístolas37

1. Quíon a Matris, saúda

Decorrido já o terceiro dia em torno de Bizâncio, Lísis entregou-me a carta, através da qual me revelavas a propósito de tua perturbação e de toda a casa. [2] Na realidade, outro recorreria a todos os meios disponíveis para consolar-te, enumeraria as esperanças depositadas na viagem ao estrangeiro e basearia nisso a alegria compensatória pelo sofrimento. Eu, diferentemente, preferia que, como prémio por obter a virtude desejada, me permitísseis tornar-vos progenitores felizes, mas não que, a deplorar, busqueis consolo nem sucessos com base na minha educação. É melhor proporcionarem-me prémios maiores, como a um vencedor, de modo a tornar-me melhor combatente para alcançá-los. [3] Então, dispõe-te assim, pai, e conforta a mãe, se de facto ela deve constar entre aqueles que recebem consolo, ao passo que tu entre aqueles que o prestam.

2. Quíon a Matris, saúda

Trason viaja em comércio para o Ponto,38 embora me pareça ser extremamente mais honrado do que suposto para a profissão. Agora que estou em Bizâncio, devo-lhe alguma gratidão. [2] De facto, como eu desejasse contemplar o que há de valor na zona, ele tornou-se guia do caminho e ocupou-se do demais, de modo a que o percurso não se nos resultasse penoso e típico de uma caçada, mas graças às carruagens e a outro equipamento, fosse mais prazeroso. Já que ele está a navegar na vossa direção, julguei necessário enviar juntamente com ele este escrito, para que receba em troca o mesmo tratamento. Não creio que deseja visitar nada, pois participou durante muito tempo em campanhas militares no Ponto; todavia, é claro que irás recebê-lo bem em casa, conforme é teu costume. Quanto a mim, estou pronto para zarpar, contudo não tenho vento favorável.

3. Quíon a Matris, saúda

Devo muita gratidão aos ventos que nos retiveram e compeliram a ficar em Bizâncio, embora primeiramente me ressentisse deles, pois estava com pressa de partir. De facto, um motivo ainda maior, digno de uma demora, Xenofonte, o discípulo de Sócrates,39 apareceu. [2] Com efeito, Xenofonte é um dos Helenos aliados de Ciro,40 que lutou contra Artaxerxes.41 Primeiramente, na companhia de um dos generais, ele nem estava preocupado com outra responsabilidade além de ser um mero soldado, embora fosse um dos que eram homenageadas por Ciro. Porém, quando Ciro morreu na primeira batalha42 e os comandantes gregos, contrariamente ao estipulado, tiveram as cabeças cortadas, foi escolhido como general devido ao valor e por outras qualidades, porquanto se pensava que conseguiria garantir melhor a salvaguarda dos Gregos. [3] E não os defraudou na esperança, mas, conduzindo o parco exército para o meio do território hostil, conseguia salvá-los, ao acampar todos os dias perto dos generais do Grande Rei. {2} Eis então estas maravilhas, mas muito mais maravilhoso e nobre do que essas coisas é o que eu mesmo contemplei agora: [4] os Helenos, exaustos por uma expedição muito longa e difícil e sem haver obtido um prémio pelos perigos, à exceção da salvação da vida, decidiram, em virtude de os Bizantinos os terem recebido com medo, saquear a cidade, e um grande tumulto assolou de imediato os Bizantinos. [5] Quando os estrangeiros empunhavam armas e o trompetista assinalou, eu, tendo agarrado escudo e lança, corri até à muralha, onde vi que alguns efebos se haviam reunido. Contudo, a guarda das muralhas não servia de nada, pois os adversários tomavam a cidade; porém, mesmo assim, considerávamos que nos defenderíamos com maior facilidade se tivéssemos mais espaço, ou pelo menos que morreríamos mais tarde. [6] {3} E nisto, enquanto os Helenos estavam agitados, observámos um varão de cabelo comprido, de aspeto extremamente formoso e doce, a avançar entre eles e a estancar o ataque de cada um. Esse era Xenofonte. Como, pelo contrário, os soldados, o exortassem, já que era um só, a ceder face aos muitos e por fim a deixá-los descansar do sofrimento e penoso trâmite, referiu: “Deem meia-volta e deliberem! Não há risco de que enquanto deliberamos a situação que já se encontra em nossas mãos escape.” [7] Como não ousassem desobedecer-lhe nessa ordem, Xenofonte acampou no meio deles e proferiu palavras admiráveis, como demonstraram os seus efeitos (na realidade, não nos eram completamente audíveis). Os mesmos soldados que pouco antes haviam decidido pilhar a cidade, víamo-los moderados a comprar provisões na ágora, como qualquer outro bizantino, já sem ânimo violento nem anteriores desejos de injusta rapinagem. {4} Essa exibição mostrava o caráter de Xenofonte, como podia refletir e falar. [8] Quanto a mim, não aguardei serenamente, em particular porque me tinha beneficiado tanto como aos Bizantinos (uma vez que, devido aos ventos, eu mesmo também teria sido uma das vítimas da pilhagem), mas eu próprio travei conhecimento com ele. [9] Lembrou-se da tua amizade com Sócrates e, no respeitante a mim, instigava-me a estudar filosofia. De resto, por Zeus, não conversava como um soldado, todavia de forma deveras benevolente! Agora conduz a expedição para a Trácia. [10] Com efeito, Seutes,43 o rei dos Trácios, em guerra com alguns vizinhos, convocou-os, oferecendo-lhes soldo integral. Por seu turno, eles aceitaram, pois não querem ser dispensados pobres, mas ter ao menos auferido algo pelos sofrimentos, enquanto ainda constituem uma tropa. [11]{5} Fica a saber que eu agora estou muito mais desejoso de navegar para Atenas, para estudar filosofia. Na realidade, recordas-te sem dúvida que, quando me incitavas tantas vezes para a filosofia e contavas maravilhas acerca daqueles que se têm debruçado sobre este ou aquele ramo, persuadias-me quanto a tudo o resto; todavia, em relação a um aspeto, continuo cheio de medo. [12] De facto, ainda assim, parecia-me que, face ao demais, torna melhores tantos quantos toca (na verdade, supunha que os homens não retiram de nenhum outro lugar, além da filosofia, a sabedoria e a justiça), mas anula profundamente o caráter ativo da alma e debilita até à inatividade. Ora, inatividade e sossego, segundo me dizes, são objeto de admiráveis elogios pelos filósofos. [13]{6} Mostrava-se-me, portanto terrível, se, após estudar filosofia, me tornar melhor nos outros aspetos, mas não mais conseguir ser um soldado audacioso nem valoroso, em caso de necessidade, renunciar a tudo isso, porquanto encantado pela filosofia, como por algum encanto que faria esquecer tudo o que é ação mais vigorosa. {14} Não percebia então que os que estudavam filosofia são também mais valerosos. Acabei precisamente de aprender junto de Xenofonte, não pelas palavras, mas pela conduta. Decerto, ter beneficiado dos ensinamentos de Sócrates, é suficiente para salvar exércitos e cidades, e a filosofia não o tornou menos útil para si mesmo, tampouco para os amigos. [15]{7} Por conseguinte, talvez a serenidade produza mais felicidade. Sem dúvida, quem puder viver retamente em sossego, atuará com retidão, porquanto quem supera arrogância, desejo e demais emoções, pelos quais até os vencedores da guerra são derrotados, deverá ser ainda superior ao que luta. [16] Outrossim, eu espero então que, tendo estudado filosofia, me torne melhor quanto às outras virtudes e não menos vigoroso, porém menos temeroso. Ora, não só é suficiente, como ainda mais do que suficiente. Fica a saber que eu já estou pronto a zarpar, pois os ventos tornaram-se mais favoráveis.

4. Quíon a Matris, saúda

Tendo encontrado Simo e aqueles que estão a navegar até vós para comercializar, pensei de igual modo contar o que nos aconteceu em Perinto.44 Era o ocaso vesperal dos Cabritos.45 [2] Da minha parte, avisava os marinheiros que nos acompanhavam para que atrasassem a partida, principalmente porque podiam despender tempo em Bizâncio. Todavia, eles não ficavam persuadidos e, pelo contrário, zombavam muito da minha previsão, dizendo que eu tinha sido infetado pelo astrónomo Arquedemo46 com o mal da astronomia. Eu cá insisti algum tempo; [3] contudo, vencido por eles na batalha naval, cedi, uma vez que nem eu mesmo estava seguro da veracidade das minhas palavras. Simultaneamente, um vento favorável anunciando uma bela viagem fazia mais incredíveis os meus presságios. {2} Como navegássemos, até passar Selimbria,47 ri-me do que proclamei, prometendo gracejar também até ao desembarque. [4] No entanto, quando nos afastámos dela trinta estádios,48 abateu-se uma terrível tempestade sobre nós. E durante muito tempo passámos por apuros, incapazes de ancorar o navio em algum lugar. Mas precisamente nessa altura, depois de avistar Perinto, impulsionámo-nos nessa direção, tornando-nos uns bons remadores, pois o vento não era suportável para as velas. E, após sofrermos provas terríveis – para não contar em detalhe –, aportámos em Perinto no meio da noite. Então adormecemos. [5] Porém, aguardava-nos também outra tempestade nada mais moderada do que a do mar. Como efeito, os Períntios estavam a ser atacados pelos Trácios, e isso nós desconhecíamos completamente, não havendo sido informados, ainda que tendo passado doze dias em Bizâncio – de facto, segundo parece, a invetiva dos Bárbaros foi inesperada. [6]{3} Então, depois de nos levantarmos, saímos para vermos a cidade – como imaginávamos – eu, Heraclides e Agaton, o útil. Seguiam-nos, de igual modo, de entre os criados, Bátilo, Podarces e Fílon, o audaz. Nós próprios estávamos sem escudo, mas cada um dos criados levava pendurada de lado uma adaga. Fílon carregava outrossim uma lança. [7] Todavia, quando nos tínhamos afastado uma certa distância do porto, avistamos um acampamento não longe da cidade e o que era mais terrível, três cavaleiros não distante de nós. Fílon dá-me a lança, a fim de que ele mesmo corresse mais rápido, e foge em direção ao navio. Eu, contudo, não esperando eu mesmo ser mais rápido do que um cavalo, enrolo um manto em torno de um braço e havendo curvado a lança, aguardava. Por seu turno, os criados faziam o mesmo. Não obstante, Heraclides e Agaton escondiam-se atrás de nós, munidos de pedras. [8]{4} Os Trácios aproximaram-se e antes de ficarem a uma distância acessível, lançaram três lanças cada um, as quais, não obstante, caíram um pouco diante de nós. Eles, porém, como se tivessem cumprido a missão, regressavam ao acampamento. Nós, após pegarmos as lanças, retornámos ao navio e, depois de soltar as amarras, zarpávamos. [9] Agora, estamos em Quios, pois tivemos ventos extremamente favoráveis ao longo de toda a viagem. Então, diz a Arquedemo que o ocaso vesperal dos Cabritos não só indica tempestades gravosas no mar, mas de igual modo ainda mais gravosas em terra. Assim, deténs, a partir dos nossos incidentes, com que brincar diante dele.

5. Quíon a Matris, saúda

Chegáramos a Atenas e conversámos com Platão, o discípulo de Sócrates. É também um homem sábio noutros domínios e não apresenta a filosofia aos discípulos como algo apolítico para a vida prática, mas antes enquanto algo com implicações tanto na vida ativa como na serenidade contemplativa. [2] Escrevias-me acerca da tua amizade com ele, que a tua relação com Sócrates não seria uma vantagem pequena para o encontro com ele. Então, fica a saber que tem em conta todos os que por um único dia contactaram com Sócrates. Mas ninguém lhe é mais caro do que quem consegue tirar o maior partido dele. [3] E nesse sentido esforçámo-nos em não desmerecer a amizade de Platão, e em integrarmo-nos entre aqueles mediante os quais diz beneficiar-se, caso seja capaz de fazer-lhes algum bem. De facto, refere que não é menor felicidade fazer o Bem aos bons do que tornar-se um. Portanto, de uma perspetiva, ele mesmo, ao proporcionar o auxílio aos amigos que podem beneficiar dele, recebe não menos benefício da parte daqueles a quem é possível prestar o auxílio.

6. Quíon a Matris, saúda

Fédimo trouxe-me, de salgado,49 um rodiense,50 cinco ânforas de mel, vinte jarros de vinho aromatizado e, além disso, três talentos51 de prata. [2] Por um lado, louvo aquele pela honestidade; de outro, agradeço-te pela atenção. Verdadeiramente, desejaria que tu enviasses umas primícias de produtos regionais, caso o tempo proporcione. De facto, esses têm a capacidade de agradar os amigos e fazer com que Platão, que é inabalável, aceite. [3] Da minha parte, porém, não há necessidade nenhuma de dinheiro, sobretudo ao estar em Atenas e a falar com Platão. Seria surpreendente que tivéssemos navegado para a Hélade a fim de nos tornarmos menos gananciosos e, no entanto, o amor por dinheiro viajasse connosco a partir do Ponto. Então, será mais agradável procederes ao envio de coisas que lembrarão da nossa pátria, da riqueza.

7. Quíon a Matris, saúda

Arquépolis, conforme diz, é de família natural de Lemnos, um homem de pouco valor, inconsistente, conflituoso com todos e sobretudo consigo próprio, dando largas com isso à loucura e a falar tudo o que pensa – contudo, pensa sempre as coisas mais absurdas. [2] Segundo me é dado saber, inicialmente ele era tesoureiro em Lemnos e aspirava ocupar cargos similares, porém não procedia de forma conveniente. Quando decidiu desdenhar da filosofia, embarcou para Atenas. Causou múltiplos danos a Platão e blasfemou-nos em muito. Parecíamos-lhe nada úteis, a fazer discursos acerca da virtude, mas não sobre lucro. {2} Porém, agora afirma ir fazer uma viagem de comércio para o Ponto, [3] o que não é desprovido de sentido, se na realidade julga que essa é a única prática apropriada para si. Mas o seu caráter inconstante e volúvel não se acompanha de inteligência, que lhe permita saber quem é e para o que serve. De facto, está sempre a empolar-se com ilusões. [4] Esse mesmo indivíduo, esquecido das blasfémias, veio até mim e pediu-me que te escrevesse a seu favor. Eu, porém, para não fazer dele um Belerofonte,52 papel indigno,53 dei-lhe uma outra carta, todavia, não tendo de igual modo aí mentido nada. [5] Mas confiei esta a Lísis, que vai partir antes por mar, para entregar. {3} Verdadeiramente, penso que tu deves receber o homem com toda a consideração e, no final, dizer-lhe: “Quíon responde assim àqueles que o blasfemaram. De facto, isto é uma das aprendizagens dele, que tu ridicularizavas: que ninguém se vingue do mal ao ponto de já não ser o próprio bem.” Isso acontecerá se lhes retribuirmos com benesses. [6] Sei que não mudará nada, pois, por tolice, tem uma alma invulnerável. No entanto, dás-me uma alegria ao tomar essa medida. Expus-te isto a respeito dele com franqueza e sem dissimulação, ainda que nunca falasse mal de ninguém a outrem; contudo, diante de ti, a minha mente, sem esconder-se sob discurso nenhum, desvela de modo genuíno e é clara.

8. Quíon a Matris, saúda

Aquele que está a entregar-te a carta, Arquépolis, natural de Lemnos, ao viajar comercialmente para o Ponto, pediu-me que to recomendasse e eu acedi, satisfeito. Acontece que nem sequer é meu amigo, mas então pensei que eu poderia ter um grande ganho aproveitando a oportunidade de fazer-me amigo de alguém de quem antes não era. [2] O ganho compartilharás comigo, ao recebê-lo de modo filantrópico. Estou convencido de que ele é um comerciante respeitado, pois inicialmente estudou filosofia, antes de enveredar pelo comércio.

9. Quíon a Bion, saúda

Não supunha existir esse teu desprezo a meu respeito – nem queria aceitar o facto de nem sequer uma carta da tua parte se apresentar para mim há muito tempo, ao passo que os outros amigos me escrevem constantemente. [2] Do que há sucedido, eu mesmo desculpar-te-ei. Todavia, de futuro, se a culpa é dos que fazem a entrega, previne isso escrevendo com frequência, e assim chegarás através daquelas que hão de entregar. Se tu não andas a escrever, evita também isso – o recurso é fácil. Realmente, existia algo tão grandioso na nossa amizade, que conseguia vencer as adversidades. [3] Esqueceste o Hereu,54 o Calicoro,55 as diatribes na casa de Calístenes e os outros com quais partilhámos as nossas almas? Ou acaso tu próprio não olvidaste, mas julgas que eu, depois que experimentei a filosofia, me desinteressei dessas coisas? [4] Ora, não te cabe ter indiferença acerca da amizade, nem pensar que é desinteresse meu, mas escrever mais frequentemente àquele que se há lembrado e também porque te recordei dela.

10. Quíon a Matris, saúda

Platão tem quatro sobrinhas-netas.56 Delas, a mais velha deu em casamento a Espeusipo57 com um modesto dote de trinta minas58 – Dionísio59 enviou-lhas. [2] Então eu, tendo considerado a ocasião oportuna, acrescentava um talento ao dote. Durante muito tempo recusou, até que o pressionei com uma argumentação deveras verdadeira e justa. [3] De facto, afirmei que ‘não te apresentávamos para enriquecimento, mas por filantropia. Importa, pois, aceitar essas dádivas. Elas acrescem as honras, ao passo que as outras desonram. Assim, por um lado, enalteces a filantropia; por outro, desmereces a riqueza. Por outro ainda, já uniste as restantes donzelas a atenienses mais distintos. Contudo, eles são ricos. Espeusipo, porém, embora mais distinto, é pobre.’ Por conseguinte, pensei exibir-te este proveito, na medida em que não sei se algo melhor pode acontecer em toda a nossa vida.

11. Quíon a Matris, saúda

Recebi através de Bianor a epístola na qual me pedias que regressasse. De facto, cinco anos é tempo bastante para alguém estar fora de casa e para mim inicia-se o sexo a viver no estrangeiro. [2] Conheceis perfeitamente o tamanho desejo que possuo de vós, assim como da pátria. Ficai então a saber que esse mesmo desejo me obriga a tardar mais um tempo em Atenas. Desejo ser mais útil60 do que simpático.61 [3] Mas só a filosofia detém essa força. Pai, um período de cinco anos não me parece bastar nem para aqueles que estudam filosofia, nem para os que viajam em comércio com muito zelo. E esses preparam-se para coisas muito frugais; já nós mercantilizamos virtude, adquirida por nenhuma outra via além da condição natural, diligência e tempo. [4] Desses aspetos, os dois primeiros não me faltam, mas careço de tempo. Assim, se aprouver à divindade, regressarei após ter permanecido aqui outro lustro. Quanto a ti, com o mesmo argumento com que suportaste enviar-me, é necessário outrossim aguentar um prazo, sem te sentires confrangido, e sabendo que o que faz bem não é viajar rumo à educação, mas o passar tempo a aplicar-se no estudo.

12. Quíon a Matris, saúda

Anteriormente, conforme te escrevia, gostaria de regressar até vós após ter completado uma década. Agora, porém, tendo ouvido acerca da tirania,62 não poderia continuar a permanecer mais seguro do que os concidadãos. Logo que começar a primavera, se aprouver à Providência, partirei – de momento, estando no meio do inverno, não conseguiria. [2] Seria absolutamente absurdo que eu, como aqueles que, quando algo incomoda, escapam da pátria, não marcasse presença, na altura em que há necessidade de homens para auxiliarem. [3] Porém, mesmo na incapacidade de ajudar, parece-me pelo menos estar próximo da virtude partilhar o dano, ainda que o benefício seja inferior. Escrevi-te com maior ousadia, porquanto Lísis entregava a carta.

13. Quíon a Matris, saúda

Na realidade, conforme me escrevias, Clearco não receia tanto assim Sileno, que há tomado o seu forte, como a mim, que estudo filosofia. Todavia, ao que sei, pelo menos não lhe enviou sitiantes, mas contra mim, mandou o trácio Coto, seu guarda pessoal (como fiquei a saber depois), que, pouco após ter-te escrito a carta a propósito da indisposição, atentou contra mim. Porém, já me recuperara o suficiente, deambulava sozinho pelo Odeum,63 na hora sexta,64 e ponderava sobre alguma questão, quando subitamente ele se aproximou. [2]{2} Eu, de imediato suspeitei do que se tratava. Quando vi que uma adaga estava a ser empunhada com maus intentos, gritando para afastá-lo, atirei-me sobre a mão direita, que envergava o punhal. De seguida, pontapeando-o e torcendo-lhe o braço, retirei-lhe o cutelo, que caiu sobre o pé e me feriu, embora sem gravidade. Enquanto ele estava atordoado, atei-lhe as mãos atrás com o próprio cinto e conduzo-o até aos magistrados. Esse indivíduo pagou a justiça. [3] Eu não me tornei mais cobarde relativamente à viagem e, havendo as monções cessado, partirei, da maneira que estiver. Com efeito, encontrando-se a pátria a ser tiranizada, seria absurdo que nós ficássemos a viver numa democracia. l{3} Seja como for, no que me respeita, uma coisa é certa: quer viva, quer morra, serei virtuoso. [4] Contudo, de maneira a podermos de alguma forma participar da política e ajudar a pátria, convence Clearco de que, por haver estudado filosofia, busco a serenidade e, no tocante às almas, sou completamente apolítico. [5] Convence-o também disso através de Nínfis,65 que é nosso amigo e igualmente familiar daquele. Assim, poderia retirar-se o mais possível de toda a suspeita. Escrevemos-te às claras porquanto também entregámos as cartas a homens de confiança, e Clearco, como afirmavas, felizmente, não interfere de nenhuma forma com essas coisas.

14. Quíon a Matris, saúda

Após uma travessia mais arriscada e rápida, havendo chegado são e salvo a Bizâncio, decidi permanecer o tempo oportuno e enviar-vos o criado Cróbilo, para aproveitar de modo vantajoso o meu regresso à pátria. Na verdade, por um lado, a minha segurança não se encontra dependente de Clearco. [2] Por outro, pretendo, uma vez que estou decidido, mostrar-te também o meu propósito na totalidade. Parece-me que o maior perigo para a pátria reside no presente infortúnio. Pelo que escuto, precisamente agora suporta assassinatos de homens e também exílios, está privada dos melhores cidadãos e é escravizada pelos mais sacrílegos. Além disso, de ora em diante, o risco não é de que, após o sucesso que aconteceu aquele,66 se origine, para uns, o desejo de se tornarem tiranos; para outros, de se acostumarem à escravidão, pelo que no futuro a conjuntura corresponderá a uma monarquia perpétua. [3]{2} Pequenas questões são o início de males duradouros, quase intermináveis, e provocam algo muito semelhante às doenças dos corpos. Com efeito, assim como é fácil, no início, libertarem-se delas os homens, mas depois de agravadas se tornam difíceis de curar ou mesmo completamente incuráveis, assim também as doenças nos governos. De facto, enquanto a lembrança da liberdade se fortalece e entranha nos escravizados, gera-se, no respeitante à multidão, uma resistência deveras duradoura. Porém, uma vez que o mal se houver fortalecido e não mais for pensamento para os homens a forma de libertar-se disso, mas antes como passar uma vida fácil em seu poder, então, nessa altura, a ruína é total. {3} A pátria está em tais males e perigos. [4] Eu, por outro lado, se tu pretenderes considerar em absoluto a minha situação, encontro-me perfeitamente seguro. Na realidade, quanto a mim, considero escravidão aquela que possui sob seu domínio tanto os corpos, como as almas. Todavia, a que não se apoderar da alma (seja de que parte for), mas apenas detém o corpo, nem me parece, da minha parte, constituir servidão. A prova é que se a escravidão comporta algum mal, ele deve afetar a alma, uma vez que de outro modo sequer poderia dizer-se um mal. O receio de sofrer algo e a dor devido ao sofrimento são muito terríveis para os que não são livres. Então porquê? Se alguém não teme um mal futuro nem se perturba com um presente, será escravo? E como será aquele que não tem os males da escravidão? [5]{4} Fica então a saber que me transformei tanto com a filosofia, que, mesmo Clearco prendendo-me, ou infligindo-me alguma dificuldade, nunca poderá tornar-me um escravo. Com efeito, nunca subjugará a minha alma, onde está sediada a servidão ou a liberdade. Ainda assim, o corpo está sempre sujeito às circunstâncias, mesmo que não esteja subordinado a um homem déspota. Contudo, se me matar nessa altura gratificar-me-á a liberdade completa.67 De facto, nem o corpo que a envolvia conseguiu escravizá-la. Supões que faltaria àquela, tendo sido separada do corpo,68 alguma autonomia? [6] Todavia, não apenas eu, sofra ou que sofra, ficarei livre, mas também Clearco, se dispuser de mim, tornar-se-á escravo. Com efeito, irá dispor de mim por temor. No entanto, a liberdade da alma não tem nenhum receio. {5} Nesse caso, como vês, ao ponderar sobre a minha situação em si mesma, está mais segura no respeitante ao sofrimento do que Clearco relativamente às ações. E, no que me toca, não há necessidade de cuidado, mas de despreocupação. Realmente, começar a preocupar-se com isso não é próprio de um homem completamente livre. [7] Porém, os laços que me unem à pátria não me permitem uma liberdade absoluta, mas compelem-me não apenas a tomar parte no governo, assim também a correr perigo. Mas quanto ao perigo, não de modo a que eu sofra algo, contudo, de que não venha ajudar a pátria, quando ela precisa de algo. Por isso, ainda que não tema, tenho a necessidade de acautelar a morte, de forma a que não faleça antes de conseguir morrer pela pátria. [8] Então, toma face ao tirano as medidas que antes te redigi, convencendo-o de que sou amante da serenidade, e escreve-me qualquer coisa que te pareça relacionada com a situação política. Pois eu tenho carência de refletir e resolver, para liberdade da pátria, abdicar de algo da minha própria.

15. Quíon a Matris, saúda

Regozijo-me pela pátria, da qual dizias convencer o tirano acerca do que afirmaste sobre mim. Em todo o caso, eu mesmo escreverei também, como aconselhaste, afastando-o o mais possível da verdade. Ao fazer o oposto, trairia a esperança que os meus concidadãos e amigos têm em mim – e não merecem ser enganados desse modo. [2] Quanto a mim, suponho mais útil para a cidade que o tirano seja absolutamente cruel e penoso do que ele a bajule e se encubra com fama de moderação. {2} O motivo é que os tiranos cruéis são rapidamente destruídos, e se não forem eliminados, ainda assim, deixam à multidão ódio pela tirania e com as suas obras desacreditam a monarquia. A consequência é que no futuro todos se tornam mais cautelosos e mais previdentes da democracia. [3] Contudo, quando alguém que já escravizou bajula os que há subjugado, ainda que seja rapidamente deposto, deixa ficar muitos males da tirania em cada um. Estão cegos para o interesse comum: por um lado, uns, desejosos de receber qualquer benefício, convencer-se-ão; outros, porque ficaram demagógicos; e havendo aquele sido abolido, sentem pena, como se fosse verdadeiramente moderado e a tirania não como algo mau implacável, de que se acautelem, não reconhecendo que, mesmo que um tirano seja moderado em tudo, deve, por esse motivo, ser derrubado, pois também lhe é possível ser cruel. [4]{3} Precisamente, Clearco, sendo impiedoso, tornar-se-á fácil de superar e deixará aos outros a tirania mais difícil de suceder. Fingindo ser moderado, aproveitaria dessa fama e facilitaria o acesso à acrópole aos que mais tarde pretendessem penetrar de forma similar. Mas isso é claramente visível para ti. [5] Quanto ao modo de escrita e de restituição das epístolas, agradeço verdadeiramente que também tu o tenhas considerado seguro e o resultado prova que não consideraste que era um despropósito. Enviei-te outrossim o duplicado da carta dirigida a Clearco, que redigi de modo intrincado mais ditirâmbico, para que nos despreze, como sendo alguém completamente obcecada pelo estudo.69

16. Quíon a Clearco

Estava a viver em Atenas por causa da filosofia, quando o meu pai e também alguns amigos comuns me escreveram que seria objeto de suspeita por parte de ti, e aconselhavam-me a libertar-me das acusações, pois isso era justo e melhor para mim mesmo. [2] Eu sabia perfeitamente que recomendavam isso com razão, porém, desconhecia a respeito de que espetos fora caluniado, o que tornava difícil a minha defesa. Eu mesmo nem estava presente quando te rodeaste de poder – achando-me ausente, não conseguiria opor-me –, e nem palavra nem ato meus tiveram alguma conexão com os acontecimentos aí na zona. Não me ocorria como é que um homem que se encontra fora de casa além-mar, com poucos escravos domésticos, poderia atentar contra um monarca e também por isso estava hesitante na defesa, porquanto não vislumbrava o motivo da acusação. [3]{2} Pelo contrário, não tinha em mente planejar nada desse tipo de que pelos vistos sou suspeito, mas também tenho de convencer-te completamente de que a minha alma não é de modo nenhum dada a tais propósitos. Considero, pois então, que, mesmo se não tivesse estudado filosofia, seria prova suficiente de não ter hostilidade contra ti não haver sido prejudicado em nada por ti. [4] Nem aqueles não são versados em filosofia, a menos que tenham ficado loucos em absoluto, se votam a rancores, por prazer de ódio, como por alguns amores, quais jogos de crianças – longe disso. Mas sabem inteiramente que nada é mais penoso para os homens do que o ódio. Porém, na altura em que algo irreparável divide as suas almas, então, contra a vontade, odeiam-se. [5]{3} Todavia, até ao dia de hoje, não foi perpetrado entre nós nenhum ato de hostilidade, nem grande, nem pequeno. Tu não possuis nada mais além de suspeita e conjetura. Já eu, tenho a alma isenta de culpa disso. Por que motivo quereria subitamente rebelar-me contra ti, e isso que ainda não vi a pátria sob o teu governo? [6] Ou, por Zeus, os muitos trirremes e os cavaleiros dispuseram-se de modo a suspeitares, à falta de outra coisa, que eu consiga ser um inimigo? Estive fora de casa com oito70 criados e dois amigos, Heraclides e Agaton; no entanto, após morrerem dois dos escravos domésticos, regresso. Não sei como te convencem de que isso é uma armação suficiente contra ti. [7] Não vês que, se eu soubesse que era justamente suspeito, nunca me colocaria de livre vontade nas mãos daquele que desconfia? {4} Ou gosto assim tanto de inimigos, a ponto de não ter amizade por mim próprio e entregar voluntariamente o corpo aos que com justiça hão de vingar-se de mim? Estes aspetos constituem defesa bastante e mais do que suficiente até para aqueles que não estudaram filosofia. [8] Embora não tivesse nascido de outra forma, sem talento natural para os bens obtidos a partir da filosofia, reforcei ao máximo a qualidade natural e tornado já um jovem, não agarrei os cargos nem as honras, mas esforcei-me por ser um espectador da natureza dos razoamentos. E esse desejo conduziu-me a Atenas, fez-me amigo de Platão e ainda não me saciei dele até agora. [9]{5} Ora, por natureza, tenho uma inclinação para a serenidade, de maneira a, embora sendo muito jovem agora, ter desdenhado de tudo quanto pudesse dar azo a uma vida mais agitada. Depois que cheguei a Atenas, nem caçava, nem embarcava para o Helesponto, como marinheiro, com Atenienses, contra os Lacedemónios, nem estudava aquilo que poderia tornar-me odioso para tiranos e reis, mas conversava com um homem amante de serenidade, e estudava a doutrina mais próxima da divindade. Em primeiro lugar, foi-me transmitido por ele desejar a serenidade. Esta é a luz do razoamento através da filosofia. A política, bem assim os negócios, como uma profunda escuridão, encobrem e geram desconhecimento aos que procuram. [10]{6} Como nem pensava ser mau arquitetar contra ela, nem ser facilmente convencido a seu respeito, então estudei que há uma divindade que vela por todas as coisas e garante o estabelecimento da ordem. Conheci os princípios da natureza e aprendi a honrar a justiça e outras doutrinas desse género, que a filosofia ensina. Nada é mais honrável do que saber essas coisas, ou mesmo procurá-las. [11] De facto, o que será mais belo do que um homem, que é de natureza mortal e participa da divindade, dedicar tempo aos únicos aspetos imortais em si e conduzir isso rumo ao que tem de congénito? Digo aliás que o divino é parente da divindade. {7} Isso é o que desejava e me ocupava em aprender. Quanto aos governos, porém (suportarás que use de parrésia71 ao falar), nem considerava digno lembrar. [12] Aprendi isso e também muitas outras coisas, que agora colocarei em prática contigo: honrar quem não é injusto; contudo, retribuir àquele que é injusto com bem-feitorias, e, se não for possível, com serenidade. De igual modo, considerar que um amigo é o mais honroso; e evitar arranjar um inimigo, mas ele existir, procurar torná-lo um amigo; também a não julgar nenhum mal tão grande, capaz de perturbar a minha alma e de afastar-me dos trabalhos arraigados para outros assuntos. [13] Por conseguinte, acreditas que, sabendo isso, iria atentar contra ti? De modo nenhum. Estão reservados para ti trabalhos de guerra e governos; a mim, diferentemente, que se afaste a tua tirania, tanto quanto deseja um homem não perturbado poder levar uma vida tranquila. Estou convencido de que, se me mandasses para conversar com os meus amigos, [14] poderia fazê-los indivíduos serenos e apolíticos em relação àquilo que tu queres, recitando os encómios de serenidade sempre entoados por mim. Naturalmente, seria absoluta ingratidão não estar a considerar isso. [15]{8} Caso seja culpado de algo daquilo de que suspeitas, que possa aparecer uma divindade pacífica – Serenidade – e dizer-me isto: “És ingrato e penoso, ó Quíon, e nem daquelas belas aprendizagens, em suma, de ti mesmo, tampouco tens lembrança. [16] Recorrendo a mim, praticaste a justiça, adquiriste moderação, apreendeste sobre a divindade, renovaste a congenialidade de ti próprio face a ela, e a desprezar coisas mais baixas admiradas por outros: ambição, riqueza e tantas infimidades semelhantes a essas. [17] Então agora, quando importava que tu devolvesses o agradecimento por já ter um costume mais nobre e uma alma mais forte, abandonas-me sem teres sequer lembrado de que não só aprendeste os outros aspetos a partir da filosofia, mas igualmente como procurar de maneira perspicaz aquilo que ainda não sabes. E de que forma procurarias ou encontrarias, carecido de mim?” [19]{9} Se ela puder dizer isso, que observação justa poderia replicar-lhe? De facto, eu não vejo nenhuma. Mas fica bem ciente de que eu digo sempre isso a mim próprio. Com efeito, cada um diz a si em mesmo aquilo que pensa e não me deixaria nunca passar sem cumpri-lo. A partir de mim, tu não tens nenhum medo razoável, pois a minha serenidade não afetará em nada os teus assuntos.

17. Quíon a Platão, saúda

A dois dias antes das Dionísias,72 enviei até ti os mais confiáveis dos meus criados: Pílades e Filocalo. Com efeito, tenciono infligir um ataque ao tirano nas Dionísias, havendo desde há muito tomado medidas para tornar-me face a ele insuspeito. [2] Nesse dia, celebra-se uma procissão em honra de Dioniso e parece que, por causa dela, há um número mais pequeno de guardas. Porém, se não for de modo nenhum assim, mesmo que tenha de ir através de fogo, não hesitarei, nem me envergonharei a mim, nem à tua filosofia. Possuo um grupo forte de conspiradores, mais tenazes do que em grande número. [3]{2} Então, sei que vou morrer, mas faço votos de sofrê-lo apenas após completar o tiranicídio. De facto, deixaria a vida com um péan de vitórias,73 se viesse a partir após ter deposto a tirania dos homens. Sacrifícios, augúrios e, numa palavra, todas as previsões indicam morte ao que conseguir o feito. [4] Contudo, também eu mesmo contemplei uma visão mais distinta do que acontece no sonho. Apareceu-me uma mulher, uma entidade divina de beleza e magnitude, a coroar-me com oliveira, faixas e, pouco depois, mostrando-me um memorial muito belo, afirmou “Porquanto completaste o trabalho, Quíon, vai para este memorial, a fim de ficares repousado.” [5] Portanto, a partir desse sonho, tenho uma boa esperança de encontrar uma morte bela. Considero que nenhum oráculo de alma é fraudulento, como tu também sabes. {3} Se a profecia ditar a verdade, suponho que eu próprio me tornarei mais feliz após o tiranicídio74 do que se me fosse outorgada longevidade até a velhice. [6] Com efeito, quanto a mim, havendo perpetrado grandes feitos, é bom deixar os homens antes de ter beneficiado algum tempo na sua companhia. O que conseguir julgar-se-á muito maior do que aquilo que sofrer e serei o mais honrado para aqueles que beneficiarão, caso lhes ganhe a liberdade com a minha própria morte. [7] Na verdade, parece ser maior para os que hão beneficiado uma ajuda, da qual quem a executou não participa. Face à profecia de morte, mantenho-me exatamente assim em prontidão. Tu, porém, fica bem, ó Platão, e que possas ser próspero até ao fim da velhice. Pela última vez, segundo creio, adeus.

Vltima

Por entre argumentos de meias-verdades, abonadoras de verossimilhança e sequente credibilidade, o derradeiro quesito na leitura desta obra radica em delimitar pontos de aproximação e divergência entre os polos Quíon e Clearco. Afinal, também Clearco contara com formação filosófica e fingira amizade depois atraiçoada (e.g. com Mitrídates e os senadores, Iust. Epit. 16.4).

A bem ver, o assento maior do opúsculo reside numa discussão antagónica de regimes políticos: de um lado, a democratia, em detrimento da outra face do espelho – o governo autocrático,75 avesso ao entendimento das civilizações grega76 e romana da Antiguidade Clássica. Para mais, leves notas de falência do percurso democrático, se os líderes, uma vez ganha a confiança popular e conseguida a eleição, instituírem governações autoritárias (cf. Hdt. 1.96-100), isto é, incapacidade em gerir adequadamente a liberdade (cf. Pl. R. 560d, 563d) e a disciplina. Convém, pois, distinguir o ‘parecer’ do ‘ser’,77 promessas vãs e retórica falsa, oca, interesseira e gananciosa. No caso, a aparente cesura bifacetada poderá deter margens algo difusas. A disposição patriótica de morrer pelo povo encobre de certa forma uma apetência política, daquele que se venera a si mesmo enquanto elo de salvação, porém com demasiados temores78 que a estrutura filosófica ajuda a reconfigurar. As várias peripécias contempladas podem interpretar-se de forma metafórica como um trajeto agónico de ἀρετή democrática, desde o exercício da força física (vd. Quíon e o foro bélico, §1, 4) à persuasão (e.g. argumentação com marinheiros §4, Platão §6, 10, Clearco §16). Quiçá o volte-face das elites aristocratas, outrora traídas por Clearco, então com Quíon, um jovem político revoltoso egocêntrico, em prol da obtenção de honra e poder.

Por conseguinte, a filosofia constrói um vilão com Clearco, um herói em Quíon, ou, deturpada na sua essência, funciona como álibi de fundamento ético para um tiranicídio? E Platão, ao proporcionar os princípios filosóficos basilares, torna-se, de certa forma cúmplice? Evidentemente, um absurdo. Refute-se, pois, mas pondere-se.

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Notas

1 E.g. Cataudella (1980, p. 649-751). Porventura as verdadeiras cartas (se existentes) escondidas por razões políticas, na medida em que a tirania prosseguiu para além de Clearco.
2 Considere-se o governo tirânico pelo irmão de Clearco, Sátiro, enquanto regente dos filhos: Timóteo (entre 346-338) e Dionísio. Vd. Franke (1966, p. 130-39); Rhodes (2019, p. 419-41); Lester-Pearson (2021, p. 141-60).
3 Também discípulo de Platão e Isócrates por pouco tempo. Vd. Is. 7.12; Theopomp. FGrH 115 F 181a-b.
4 Cf. Memn. FGrH 434 F 1.3. Cf. Lester-Pearson (2015, p. 130); Loddo (2022, p. 160).
5 A propósito, veja-se a biblioteca de Clearco (Memn. FGrH 434 F1.2). A reunião de obras literárias revelas um hábito corrente entre tiranos, marcando uma relação entre as esferas de saber e poder (Gell. 7.17.1-2; Ath. 1.3a-b). Cf. Engberg-Pedersen (1993, p. 285-315); Harris (2017, p. 265-87).
6 Vd. Burk (1912).
7 Vd. Zucchelli (1986, p. 13-24).
8 Cf. Corberus (1765, p. VI).
9 Vd. Hoffmann (1802, p. 245); Westermann (1851, p. 6); Sabatucci (1906, p. 413-14).
10 Constata-se a ausência de indicações diretas quanto a eventuais fontes. Porém, a história surge contemplada por diversos autores. Da contemporaneidade clássica, séc. V/IV a.C., X. An.; Isoc. Ep. 7 a Timóteo, filho de Clearco; acerca do governo tirânico do pai. Do séc. IV a.C., Theopomp. FGrH 115 F 181a-b. Já séculos decorridos após o evento, designadamente, no séc. I a.C., D.S. 15.81.5, 16.36.3; no séc. I, Memn. (apud Phot. FGrH 434 F 1); de III, D.L. 5.89 Didot; no séc. III(?), Justino 16.14.15; c. séc. VIII, [I. B. Casanova] Academicorum Philosophorum Index Herculannsis col. 6.13.
11 Vd. Düring (1951, p. 7-25).
12 Cf., do séc. XIV: (B) Vaticanus gr. 1309, ff. 282v-296v. Do séc. XIV/XV: (A) Vaticanus gr. 1461, ff. 151v-166v; Laurentianus Plut. 57.12, ff. 41-49v. Remontam ao séc. XV: Harleianus 5635, ff. 96v-109; Parisinus 3054, ff. 146v-175; Vossianus Gr. Qu. 51, cf. ff. 68-160v; Vossianus Gr. Fol. 56, ff. 159v-170v; Laurentianus Plut. 57.45, ff. 304v-309, 312v; Vindoboncnsis, inter Philos. gr. 59, ff. 91v-92; (D) Vaticanus gr. 1354, ff. 61-71v; Mazarineus 4454 (olim 611 A), ff. 75v-86; Parisinus 3021, ff. 73-93v; Palatinus gr. 133, ff. 2v-4v; (C) Vaticanus gr. 1353, ff. 43v-53v; Matritensis 19 (hodie 4557), ff. 71v-87v; Parisinus 3050, ff. 130-144v; Mutinensis 54 Puntoni (Ill B 2 / Biblioteca Estense Universitaria α. U. 9. 03), ff. 80v-96v; Neapolitanus 111 AA 15, ff. 22v-31v; Biblioteca Estense Universitaria α. R. 7. 18 (Puntoni 31), ff. 1-9v; Biblioteca Nazionale Universitaria C. VII. 02 (Pasini 306), ff. 122v-143v. Pertencem ao séc. XV/XVI: Laurentianus P lut. 59.47, ff. 66-83; Ambrosianus 667 (Q 13 sup.), ff. 136v-139; Monacensis (olim Augustanus) 490, ff. 58-62; Bernensis 579, ff. 65-67v; (E) Vaticanus gr. 1467, ff. 88v-107; Palatinus gr. 134, ff. 149-161v; Parisinus suppl. 205, ff. 20(orig. 247)-27v(orig. 262); Biblioteca Universitaria, Biblioteca Histórica Salamanca 223, séc. XV/XVI; BNE 4557, ff. 71v-87v. Do séc. XVI: Mutinensis 31 (Ill A 17), ff. 1-9; Grabianus 15, ff. 44-53v; Marcianus gr. 609, ff. 127-146; Parisinus 2678, ff. 85-102; Laurentianus Com. Soppr. 153, ff. 54-68v; Bononiensis 3563, ff. 63-83v; Marcianus gr. VIII 14 (olim Nanianus 278), ff. 1-26; Ambrosianus 279 Martini-Bassi (Ambrosianus E 32 sup.), ff. 158v-175v. De datação desconhecida, Real Biblioteca Ε. IV. 18 (Andrés 313), ff. 161-166v; Rossijskaja Nacional’naja Biblioteka (RNB) 347, ff. 8-13.
13 Cf. Sabatucci (1906, p. 400).
14 Vd. Düring (1951, p. 41).
15 Leve-se em conta Burk (1912, p. 6), sermo uulgaris.
16 Cf. Sabatucci (1906, p. 401).
17 As invocações a Zeus não parecem surgir a título inócuo, pois Clearco apresentava-se como filho de Zeus (cf. Memn. apud Phot. 224 [222b]). De facto, títulos honoríficos de consagração, aproximavam esferas e poderes divinos e humanos, como diuus Augustus. Tratando-se eventualmente de obra escrita sob governo de Domiciano, considerem-se os títulos δεσπότης καὶ θεός, segundo D.Chr. Or. 45.1, e dominus et deus (Suet. 13.2. Cf. 13.1 D.C. 67.4.7, 13.3).
18 Quíon revela pendor instrutivo/modelar, ao referir-se ao “modo de escrita e de restituição das epístolas” (§15.3), distinguindo, no epistolário, diversos tipos: duplicados (vd. ἀντίγραφος), cartas de recomendação (por gratidão, χάρις §2; de apresentação περὶ αὐτοῦ, ‘acerca dele’ §7, §8), de informação (§3, 4, 5), de consolação (§1), de agradecimento (§6), de vitupério (§7), de amizade (§9), de justificação (§11), didáticas (§14, 16)), apologéticas – viz. missiva a Clearco (§16, descrita em §15 como ἐπίτηδες, ‘fraudulenta’; διθυραμβικώτερος, ‘mais ditirâmbica’), epístolas sem falsidades – οὐδὲ ἐκεῖ τι ψευσάμενος, “não havendo aí mentido nada” (cf. §7).
19 Cf. Penwill (2010, p. 24-52).
20 E.g. Heracleotas, Helenos, Bizantinos; Períntios, Trácios, natural de Lemnos.
21 E.g. magistrados; marinheiros; escravos; comerciantes; astrónomo; exército: comandantes, cavaleiros, soldados.
22 Do agregado doméstico: pai, mãe, amigos, escravos. Da família de Platão, sobrinhas, marido abonado de sobrinha, sobrinha mais velha, Espeusipo.
23 Vd. Heraclides, Agaton. Cf. Trason, Arquedemo; no foro doméstico: Matris, Nínfis. aventuras passadas com Bion (cf. casa de Calístenes §9).
24 Mensageiros: Lísis, Fédimo, servo Cróbilo, Bianor. Homens de confiança: Pílades e Filocalo.
25 Viz. Platão, Sócrates, Xenofonte.
26 Designadamente, Clearco, Coto. Respondem se de igual modo as procelas, envolvendo Xenofonte, Artaxerxes, Ciro, Seutes, Simo.
27 Vd. Arquedemo (astrónomo §4).
28 Vise-se Atenas, na Hélade (§6), distinta de referências como “nossa pátria”, indicação que permite considerar o herói como bárbaro, perante o olhar de um público provavelmente romano. Porém, a missiva §4 de Quíon julga os Trácios bárbaros (para as Civilizações da Antiguidade Clássica, conotação de todos os povos alheios), logo, de outra forma, Heracleia inscrever-se-ia na romanidade.
29 Único exemplo conhecido. Quiçá fruto de exercícios de προσωποποιία, ‘prosopopeia’, comunicar com outrem sob identidade alheia, em escolas de retórica. Não propriamente um género independente. De novela, o caso em apreço mostra pouco, tanto no respeitante à forma, quer no enredo, à parte de viagens, de certo modo componente aretológica radicada na vontade humana. Longe, quer do romance helénico clássico, quer do bizantino, a posteriori. Cf. Konstan-Mitsis (1990, p, 257-279).
30 O género epistolar surge identificado em Il. 6.167-170 e surge já no oriente egípcio, conforme indicado por Hdt. 3.40-43, entre Amasis e Polícrates. Fisicamente, atesta-se desde c. 500 a.C., variando os suportes físicos desde couro, chumbo, papiro. Sem distinção rígida entre os foros literário, incluindo pseudónimo (em prosa, verso), pessoal (teor apologético, propagandístico, filosófico, didático, consolatório) e oficial/diplomático, a epistolografia desenvolve um estilo abrangente e variado, retratado em Περὶ ἑρμηνείας, Sobre Estilo 223-235 (c. séc. III a.C.), de Demétrio de Alexandria. Por suposta confidencialidade, o hábito denota publicações por terceiros, após óbito do emissor (e.g. Patão, por Aristófanes de Bizâncio; Aristóteles, por Ártemon), até ao lançamento próprio de G. Nazianzo (séc. IV/III). Vd. Billault (1977, p. 29-37).
31 Lana (1974, p. 265-275). Cf. Troca Pereira (2020, p. 372-414).
32 Cf. Arist. EN 4.1-2.
33 Apelo estoico-epicurista à contenção material. Assim, a máxima gravada em Delfos, μηδὲν ἄγαν e aurea mediocritas, no epicurismo horaciano (Carm. 2.10.5).
34 Os derradeiros contornos da peripécia encontram-se noutros registos. Eis o relato histórico de Mémnon (Phot. 224.1.3-5): “[3] Havendo-se [Clearco] formado frequentemente, em virtude do seu caráter assassino, cruel e arrogante, muitas conspirações contra ele, escapava. Só após longo tempo, aquela levada a cabo por Quíon, filho de Matris (homem de mente nobre e relacionado com ele por sangue), juntamente com Leon, Euxeno e muitos outros, preparados para infligir um golpe fatal e provocar miseravelmente a morte do tirano. [4] Ora, de um lado, encontrava-se o déspota a efetuar um sacrifício público; de outro, aqueles que acompanhavam Quíon. Pensando que era altura de agir, pela mão de Quíon inserem a espada nas costelas do inimigo comum. Ele, tendo ficado atormentado com muitas e pungentes dores, além de visões apavorantes (as imagens eram as aparições dos que matara cruelmente), perdeu o fôlego no segundo dia, depois de viver 58 anos, doze dos quais foi tirano. Era então altura da soberania de Artaxerxes sobre os Persas, e de seguida Oco, que foi sucessor dela, por parte do pai. Clearco, em vida, enviara-lhes muitas vezes embaixadas. [5] Os que assassinaram o tirano foram quase todos mortos: uns, pelos guarda-costas, na altura do ataque, comportando-se como homens sem sordidez; outros, capturados posteriormente e sujeitos a castigos cruéis.” Em suma, constata-se o preconizado na missiva §17, caso se integre o “sacrifício público” nas Dionísias (somente no retrato de D.S. 16.36). Importa, pois, considerar versões que dão conta do facto de a execução ter sido concretizada após receção de Quíon no interior do palácio, concedida por razões de familiaridade (iure familiaritatis, 16.5.15), conforme denota Iust. Epit. 16.5.14-15, em língua do Lácio. Cf. Gallotta (2014, p. 65-77).
35 O relógio de sol erra utilizado reconhecidamente desde meados do séc. III a.C. Cf. divisão do dia em 12 horas, do nascer ao pôr do sol e outras tantas noturnas (4 vigílias de 3 horas cada), de dimensão variável entre equinócios e solstícios.
36 Acerca de conspiradores além de Quíon, Memn. FGrH 434 F 1.3 refere Leónides e Euxenon. Iust. Epit. 16.5.12 alude a Leónides. Em Suda, s.v. Κλέαρχος, Leónides e Antiteu.
37 Hercher (1873, p. 193) inclui uma transcrição de D.L. 1.3.73: “Quílon a Periandro | Envias-me uma mensagem relativa a uma expedição contra inimigos estrangeiros, em que tu mesmo tomarás parte. Na minha opinião, considero que o foro doméstico também são perigosos para um monarca absoluto; e julgo feliz um tirano que se fina de morte natural na sua própria casa.”
38 Porto na costa sul do Mar Negro.
39 Ao considerar Sócrates, interessa ponderar acerca da sua existência histórica enquanto filósofo peripatético do séc. V/IV a.C. Porque não terá deixado documentação escrita que a confirme, restam somente, na hodiernidade, informações respeitantes à persona socrática construída em obras de Aristófanes (Nuvens); sobre o logos Sokratikos, Xenofonte (Apologia, Banquete, Económico, Memoráveis), Platão (toda a obra, à exceção de As Leis), Aristóteles (As Partes dos Animais, Ética a Eudemo, Ética a Nicómaco). Também Diógenes lhe consagra o quinto capítulo do livro II.
40 Governante da Pérsia, séc. VI a.C.
41 Rei da Pérsia (497 a.C. - 427 a.C.), filho de Xerxes.
42 Batalha com uma confederação de nómadas masságetas, em 530 a.C.
43 Seutes II, rei da Trácia (405-391 a.C.). Cf. X. An. 7.2.10-25.
44 Cidade na costa da Trácia.
45 Ἔριφοι. Cf. Erath. Cat. 13, constelação Auria. Pondere-se o levante da constelação, o equinócio de outono e perturbações metereólogas (cf. Arato Phaen. 158-159). Ocaso vesperal da constelação c. abril (mau tempo marítimo. Vd. Theoc. 7.52-54).
46 Vd. Pl. L. 2.312d?
47 Cidade na costa da Trácia.
48 Unidade de medida com base no espaço de corrida de Olímpia – 600 pés de Héracles.
49 Cf. τάριχος, ‘peixe curado com sal.
50 Entenda-se ‘pequeno pote’.
51 Unidade monetária, correspondente a 60 minas, 6000 dracmas.
52 Belerofonte (Hipónoo, filho de Glauco, rei de Corinto, e neto de Sísifo (cf. Il. 6.155) é figura mitológica a quem são atribuídas mortes (e.g. nobre coríntio Belero, do irmão Delíades, do monstro Quimera), objeto de falsas acusações por Anteia, esposa de Proteu e condenado a morrer, através de uma carta entregue a Iobates.
53 Por referência a Proeto, que envia uma missiva ao rei da Lícia dizendo-lhe para matar o mensageiro.
54 Ginásio(?).
55 Rio da antiga Bitínia (?).
56 Cf. Pl. Ep. 13.361d. A sobrinha-neta mais velha casa-se com Espeusipo, seu primo (Ep. 13.361e. Cf. 2.314e), futuro sucessor de Platão no governo da Academia. Requer dote de 30 minas, que Platão solicita a Dionísio, com quem se subscreve.
57 Filósofo grego (408-339 a.C.), sobrinho de Platão, vem a suceder na gestão da Academia.
58 Unidade monetária e, no caso, unidade de peso (Eginetana – 623.7 g; Ática – 436.6 g).
59 Tirano de Siracusa (430-367 a.C.), D.L. 3.18. Cf. Orellius (1816, p. 285).
60 Versão de Orellius com marcada distinção em Hercher: ἢ συμπαθεῖν] οἷς συμπαθῶ, “para aqueles com quem convivo”.
61 Vd. simpatia, no sentido de ‘sofrer com’, συμπάθεια: σῦν, ‘com’ – πάθος, ’dor’.
62 Vd. Arist. Pol. 4.1262b, 5.1313b. Cf. Giorgini (1993, p. 339-351).
63 Edifício público e tribunal, na época de Péricles (séc. V a.C.).
64 Cerca do meio-dia.
65 Historiador, filho de Xenágoras, meados séc. III a.C.
66 Entenda-se ‘Clearco’.
67 A propósito desta afirmação, convém refletir acerca do ciclo nascimento-vida-morte sob matrizes órficas: OF 463: βίος, θάνατος, βίος | ἀλήθεια | Διό(νυσος, “Vida, morte, vida | verdade | Dioniso [renascido. Cf. πάλιν γίγνεσθαι], donde a realidade tradicionalmente apelidada de ‘morte’ poder entender-se como uma utopia da vida, correspondendo a uma etapa de libertação, verdade (ἀλήθεια. Cf. Pl. Phaed. 65b), felicidade (εὐδαιμονία), uma vez ultrapassada a fase conhecida por ‘vida’, marcada por simulacro, dolo, contingência (cf. Heracli. fr. B 62) e aprendizagem a partir de múltiplos sofrimentos advenientes da τύχη (cf. πάθει μάθος, “aprendizagem pelo sofrimento”, A. Ag. 177, 928-929; S. OT 1528-1530) e da velhice (γέρας).
68 Recordem-se a entendimentos de orfismo, estoicismo a respeito da alma. Cf. Pl. Men. 81b: φασὶ γὰρ τὴν ψυχὴν τοῦ ἀνθρώπου εἶναι ἀθάνατον, “diz-se que a alma é imortal”, e mesmo o julgamento do corpo como túmulo da alma (Cra. 400c).
69 Hapax legomenon:. λογομανέω.
70 Betilo, Bianor, Cróbilo, Lísis, Podarces, Pílades, Filocalo, Filo.
71 Direito para usar impunemente de franqueza discursiva, superiorizando até restrições impostas pelo estatuto social.
72 Dionísias/Dionisíacas – festivais em honra de Diónisos: Leneias, Antestérias, Oscofórias, Dionísias Rurais e Dionísias Urbanas/Grandes Dionísias. Nestas últimas, integram-se a procissão comemorativa da chegada de Dioniso de Eleutéria, bem como competições dramáticas.
73 Cf. Il. 5.401, 899, 900; Od. 4.232; E. Alc. 220; schol. II. 1.473.
74 Pensa-se com as devidas reservas e salvaguarda das distinções, uma proximidade com o exemplo do mitológico Aquiles, em esfera epopeica. Na realidade, a questão estruturante de toda a Ilíada dita homérica radica na τιμή, ‘honra’. Da parte do Pelida, escolhera um ideal heroico da glória imortal, capaz de vencer a μοῖρα θανάτοιο (cf. Il. 1.352-356, 1.505, 9.411-416) - lutar para ver reconhecido o seu mérito. A glória (κλέος. Vd. κλέος ἄφθιτον, “fama imperecível”, Il. 9.412-416; Od. 24. 93-94; Ibyc., fr. 282. 47-48 PMG) imperecível compensaria a sua própria mortalidade, após uma vida breve (Il. 1.415-416), em detrimento de uma existência longa, conforme prometido pela progenitora divina Tétis. Seria, pois, mutatis mutandis, Quíon uma reabilitação humana de um Aquiles epopeico? E bem assim, um jovem, após o seu nostos, qual Ulisses, tornado em ‘homem de missão’, lembrando Eneias?
75 Cf. governantes dos regimes monocráticos (vd. Hdt. 3.80-83, sobre o basileus, o monarchos e o tyrannos. Cf. Arist. Pol. 1285a).
76 Considere-se aversão ateniense face a governos autocráticos (e.g. Hipp. 1014-1015). Cf. E. Supp. 429: οὐδὲν τυράννου δυσμενέστερον πόλει, “não há nada mais odioso para uma cidade do que um déspota”.
77 Cf. A. Ag. 788: τὸ δοκεῖν εἶναι. Cf. Pl. R. 1.334c; Arist. EN 1103a, 1107b. Interessa distinguir entre a verdadeira σοφία (Pl. Phdr. 278d), objecto de estudo da φιλοσοφία, e da φρόνησις (cf., a propósito da diferença entre saber prático - φρόνησις e saber intelectual - σοφία, Arist. EN 1441a-b, 1143b-1144a) e a competência ensinada pelos σοφισταί (Heraclit. fr. 129 Diels), hábeis transmissores de conhecimento, mas destituídos de imposições éticas, dando azo ao surgimento de antissofistas (e.g., na esfera romana, Catão, o Antigo, séc. III/II a.C.).
78 Os temores de Quíon evidenciados poderão entender-se como circunstâncias sociais metaforizadas em eventos adversos e tempestades/ condições temporais não favoráveis, que conduzem ao resguardo.
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