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A ideia de “harém” na Assiriologia e nos Estudos Aquemênidas: uma análise comparativa1
The idea of "Harem" in Assyriology and in the Achaemenid Studies: a comparative analysis
A ideia de “harém” na Assiriologia e nos Estudos Aquemênidas: uma análise comparativa1
Classica - Revista Brasileira de Estudos Clássicos, vol. 36, pp. 1-20, 2023
Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos
Recepción: 15 Junio 2023
Aprobación: 10 Agosto 2023
Resumo: Devido à possibilidade de reis próximo-orientais terem diversas esposas e concubinas, muitos historiadores projetam acriticamente a noção islâmica de “harém” sobre as realidades do Antigo Oriente Próximo. No entanto, em razão de anacronismos, da carga orientalista do termo e de pressupostos equivocados quanto à homogeneidade da categoria de “mulheres palacianas”, tal prática foi alvo de severas críticas. A proposta desse artigo é demonstrar como discussões teóricas muito parecidas quanto ao “harém” e à segregação feminina se desenvolveram na Assiriologia (com foco no caso do Império Neoassírio) e nos Estudos Aquemênidas, por vezes com resultados distintos. Argumenta-se que, em razão de sua continuidade na longa duração, os Impérios Neoassírio e Aquemênida devem ser estudados de forma comparativa, e que suas respectivas áreas de estudo têm muito a ganhar com um olhar diacrônico sobre a questão das mulheres reais.
Palavras-chave: Harém, Estudos de Gênero, Assiriologia, Aquemênidas.
Abstract: Since Near Eastern kings could have multiple wives and concubines, many historians unadvisedly project the Islamic notion of “harem” into the Ancient Near East. However, due to anachronisms, the orientalist connotations of the term, and wrong suppositions concerning the homogeneity of the category of “palace women,” this practice was met with severe criticisms. In this article we endeavor to show how very similar theoretical discussions concerning the “harem” were developed in the fields of Assyriology (focusing on the Neo-Assyrian case) and Achaemenid Studies, sometimes with different outcomes. We argue that since the Achaemenid and Neo-Assyrian Empires constituted a continuity in the longue durée, they should be studied comparatively, and that their respective areas of study may benefit from a diachronic view concerning the issue of royal women.
Keywords: Harem, Gender Studies, Assyriology, Achaemenids.
O debate sobre a ideia e a existência de um “harém” próximo-oriental tem rendido volumosas páginas (Solvang, 2003, p. 52-70; Justel, 2011, p. 381-382; Llewellyn-Jones, 2013, p. 96-122; Stol, 2016, p. 512-554). Neste artigo, propomos uma avaliação dos resultados desse debate em dois campos distintos, porém relacionados: os Estudos Aquemênidas e a Assiriologia. Escolhemos para análise, especificamente, os casos do Império Neoassírio (911-609 a.C.) e do Império Aquemênida (c. 559-330 a.C.) para ilustrar os desenvolvimentos desse debate, uma vez que eles representam exemplos proeminentes da aplicação da ideia de “harém” no campo, além de constituírem uma continuidade do fenômeno imperial na longue dureé, o que viabiliza um estudo comparativo. Ademais, desejamos demonstrar como os historiadores alcançaram,e, por vezes, resultados diversos para a questão de um suposto harém nessas sociedades, apesar das notórias similaridades quanto à evidência disponível.
“Harém” na Assíria?
A palavra “harém” é oriunda do árabe ḥarīm, que significa:2
(...) ‘sacrossanto, inviolável, proibido’ (de acordo com a lei religiosa islâmica). Refere-se àquelas partes da casa às quais o acesso é proibido, em particular os aposentos das mulheres, e é um desenvolvimento das provisões do Ḳurʾān sobre o encobrimento com véu e a reclusão das mulheres (Westenholz, 1990, p. 513).3
Até os anos 1980, tal designação foi amplamente empregada para se referir a supostos espaços palacianos de residência e convívio femininos na Mesopotâmia, geralmente remetendo, no imaginário de uma audiência não-islâmica, a uma zona de reclusão estrita das mulheres reais, reservado ao “deleite” de “déspotas orientais”.4 Ilustrativo quanto a este uso é o volume La Femme dans le Proche-Orient Antique (1987), organizado por Jean-Marie Durand (e exemplar do que se convencionou chamar de “Primeira Onda Feminista” da historiografia próximo-oriental),5 no qual a expressão é empregada para designar realidades do Império Assírio, do Império Persa, dos palácios de Mari, entre outros.
Contra o uso irrefletido do termo “harém” naquele volume, contudo, insurgiu-se Joan Westenholz, a qual, em recensão seminal, afirmou haver incongruência entre o modelo islâmico de serralho e a realidade próximo-oriental à qual convencionalmente ele foi equiparado (1990, p. 515; cf. também Lion, 2007, p. 52-3). A posição de Westenholz ganhou diversos adeptos, passando a balizar os debates sobre o tema nos estudos da Antiga Mesopotâmia (Kuhrt, 2002, p. 526-8; Van de Mieroop, 1999, p. 137-58). Ela não foi capaz, entretanto, de erigir um consenso estável.
Notavelmente, encontramos defesas paradigmáticas do uso da categoria de “harém” no caso do Império Neoassírio (911-609 a.C.). Nesse âmbito, embora apenas uma mulher ocupasse, via de regra, a posição de “rainha” ou “consorte do rei” (MÍ.É.GAL, sēgallu; literalmente, “mulher do palácio”; cf. Svärd, 2015, p. 39; Kertai, 2013, p. 109), sabemos que múltiplas mulheres poderiam se associar aos monarcas, incluindo concubinas e, talvez, “esposas secundárias” (Melville, 2004, p. 53). Devido à “poliginia” dos governantes,6 alguns autores defendem o uso da categoria de harém, em analogia aos casos Abássida e Otomano, e alegam que a expressão acadiana bēt isāte (“casa das mulheres”) designaria justamente um espaço físico de segregação feminina (Parpola, 2012, p. 613; Stol, 2016, p. 530). Tal local seria ocupado por sekrētu,7 termo geralmente traduzido por “concubinas”, e associado por esses autores ao verbo sekēru “bloquear, fechar”, inferindo-se a partir disso que tais mulheres seriam mantidas em isolamento (Parpola, 2012, p. 614; Stol, 2016, p. 531). Ele seria administrado pela rainha incumbente, a qual, por sua vez, seria assessorada por administradoras “de elite” do palácio, designadas pelo título šakintu, além de outros funcionários (Parpola, 2012, p. 616-7). Fala-se, por fim, de múltiplos “haréns” existentes em vários palácios do império, associados à produção têxtil, performance de música e dança (Parpola, 2012, p. 618-9; Stol, 2016, p. 532-4).8
Alguns autores alegam que as regras de convívio destes supostos haréns seriam estritas e rigorosas, o que se deduz dos chamados Decretos Médio Assírios do Palácio (MAPD).9 De fato, como aduz Simo Parpola, os decretos de Tiglate-Pileser I (1114-1076 a.C.), continuamente preservados até o Período Neoassírio, exibem regras rígidas de acesso aos “aposentos femininos”, bem como normas dispondo sobre a vestimenta das mulheres, seu contato com outros homens e mesmo seu comportamento entre si (MAPD, §20-3; cf. Roth, 1997, p. 205-9). Os oficiais relacionados à fiscalização dos aposentos femininos nos MAPD são geralmente designados ša rēši, vistos por Parpola como “eunucos” que “decerto” seriam “utilizados no harém em razão de sua incapacidade de reproduzir,”10 o que também explicaria a presença de relevos desses oficiais imberbes nos “aposentos das mulheres” (Parpola, 2012, p. 615-6). Apesar disso, a rainha incumbente preservaria grande liberdade de locomoção, de negociação de propriedades, além de amplas faculdades administrativas (Parpola, 2012, p. 620).11
Arqueologicamente, segundo esses especialistas, a existência de aposentos de reclusão feminina seria comprovada por achados dos Palácios Central e Militar em Nimrud, nos quais quartos com utensílios “femininos” ou tumbas de rainhas assírias seriam segregados do resto do palácio e ligados ao ambiente externo apenas por poucos e estreitos acessos (Parpola, 2012, p. 614-6; Stol, 2016, p. 533). E ainda, nas palavras dos arqueólogos Joan e David Oates: “certamente as mulheres do Palácio [Noroeste de Nimrud] viviam na área meridional (...) e, nesse sentido, a palavra harém é aplicada de forma precisa” (Oates; Oates, 2001, p. 78; cf. Mallowan, 1966).
Esses autores têm como importante precursora a assirióloga Neler Ziegler, que, estudando exclusivamente o Período Paleobabilônico, defendeu a aplicabilidade da noção de harém ao Antigo Oriente Próximo. Sem recusar diferenças importantes entre antigos e modernos, incluindo aquelas expostas por Westenholz, Ziegler afirma que o uso do termo árabe se faz necessário, basicamente, por falta de palavra melhor – quer dizer, por não haver vocábulo correspondente no mundo cristão, onde teria inexistido a poliginia dinástica. Ademais, a autora entende que o termo parte apenas de uma equivalência estrutural, enquanto designação de um espaço fechado e interno ao palácio, e reservado às mulheres do rei, suas parentes e funcionárias (1999, p. 5-8). Como Ziegler, Parpola, Stol e os Oates, muitos outros autores aceitam a presença de um harém mesopotâmico, se não no Período Paleobabilônico, pelo menos a partir do Período Médio Assírio, aludindo, sobretudo, às rigorosas disposições dos MAPD (Dalley, 1984, p. 99-100; Fales, 2017, p. 405; 411).
A crítica ao conceito de harém na Assiriologia
De outro lado, uma corrente de historiadores (sobretudo os tributários da “Terceira Onda Feminista”), seguindo a orientação pioneira de Westenholz, recusa o emprego da expressão harém, a partir de dois argumentos principais e extremamente importantes. Em primeiro lugar, esses autores alegam que tal palavra pressupõe ubiquidade das concepções de gênero no Oriente Próximo Antigo/ Oriente Médio Moderno, um discurso que sugere atemporalidade e imutabilidade da “Ásia”, enfatizando, ademais, aspectos do imaginário ocidental moderno que vinculam o Oriente à lascívia e à promiscuidade – uma forma de “Orientalismo”, conforme teorizado pelos escritos do autor pós-colonial Edward Said (1979). Ademais, segundo esses autores, mesmo quando há certos paralelos entre práticas antigas e modernas, é prudente evitar o uso de termos que evoquem estereótipos, pois eles tendem a “preencher as lacunas” do que não podemos extrair das fontes – e a preenchê-las muito mal (Van de Mieroop, 1999, p. 145-9; Bahrani, 2001, p. 16; Lion, 2007, p. 58; Pirngruber, 2011, p. 293; Svärd, 2015, p. 91; 110; Pozzer, 2022, p. 239-40).
No caso do Império Neoassírio, esses especialistas tentam temperar a descrição histórica dos espaços áulicos femininos como locais de “enclausuramento” ao enfatizar a agência e autonomia das rainhas e de suas servidoras-šakintu (Joannès, 2016, p. 34). Adicionalmente, aquilo que os autores tradicionais chamam de “harém” é simplesmente entendido pelos críticos como o “grupo patrimonial/doméstico” (household) da rainha e de suas servidoras-šakintu,12 que teria uma administração própria (Svärd, 2015, p. 39-143). De fato, tudo indica que a administração do grupo doméstico da rainha integraria o conjunto mais amplo da estrutura administrativa do palácio, incluindo aí o que alguns chamam de “harém”, não havendo qualquer evidência para um caráter institucional do bēt isāte (Melville, 1999, p. 105; Svärd, 2015, p. 119-20). A parte residencial dos palácios “não era simplesmente destinada a ‘enclausurar’ mulheres” (Joannès, 2016, p. 30), e, dessa forma, as mulheres-šakintu não seriam “administradoras do harém”, como afirmava Parpola (Svärd, 2015, p. 91; Joannès, 2016, p. 32-3). Sem dúvida, poderia haver uma zona do palácio destinada especificamente às mulheres, mas essa área não seria fixa, nem compreenderia todas as mulheres do palácio (Teppo, 2007, p. 265-6). Além disso, tais mulheres não seriam sempre “esposas” dos reis, como supostamente ocorreria no harém islâmico (Justel, 2011, p. 381-2). Por fim, os especialistas ressaltam que a existência de normas regulando a organização da corte através de critérios de sexo ou gênero não inviabilizaria a atuação de mulheres poderosas, pois, como aduz Svärd “(...) segregação não implica, automaticamente, impotência” (2015, p. 110).
Svärd também discorda de autores como Parpola e Stol quanto à interpretação da sekretu, que esses autores imaginam como ocupante, par excellence, de um suposto “harém”. Para a autora, embora “concubinas” pudessem compor a categoria de mulheres palacianas designada por aquele título, é mais razoável supor que o vocábulo sekretu tivesse uma ampla abrangência semântica, fazendo referência a “mulheres da corte” no geral. Ademais, ela nota que as ocorrências do termo indicariam que as sekrētu ocupavam elevada posição hierárquica e gozavam de certa autonomia na burocracia imperial. Finalmente, quanto às disposições dos MAPD, Svärd alega que elas não são corroboradas pela documentação do “dia a dia” dos Períodos Médio e Neoassírio (2015, p. 105-9; 2016, p. 133).
Do ponto de vista arqueológico, vimos que Parpola e os Oates sugeriram que “haréns” teriam sido identificados em diversos palácios de Nimrud (Parpola, 2012, p. 614-6; Oates; Oates, 2001, p. 78; 186-92). David Kertai, contudo, recusa a possibilidade arqueológica de identificar um aposento de um palácio como constituindo um espaço exclusivamente reservado a mulheres (ou homens). O desafio mais elementar envolve a dificuldade de se traduzir as expressões acadianas que, para os autores tradicionais, designariam espaços físicos. Como explica Kertai:
A reconstrução da comunidade palaciana é inviável pelo fato de que as fontes tardias assírias raramente fazem uma distinção explícita entre o palácio como um prédio ou como um grupo familiar – outra consequência das amplas conotações da designação bēt (Kertai, 2015, p. 4).13
Além disso, o único aposento de um palácio neoassírio cuja ocupante pode ser seguramente identificada como uma mulher – ninguém menos do que Tašmētu-šarrat – não traz, segundo Kertai, qualquer sinal distintivo quanto ao gênero de sua ocupante, salvo pela legenda inscrita com seu nome. Outros locais anteriormente descritos como “haréns” hoje são preferencialmente designados de outra forma, por exemplo, enquanto complexos de templos. Dessa maneira, parece impossível identificar de forma categórica qual espaço dos palácios neoassírios teria servido para a reclusão das mulheres (Kertai, 2015, p. 89; 247).14
Harém na Pérsia Aquemênida?
Há alguns bons motivos para que o caso Aquemênida (c. 559-330 a.C.) seja descrito em termos similares ao assírio: os reis também eram sabidamente “poligínicos”, ao menos na medida em que teriam várias concubinas e, em casos específicos, mais de uma esposa (Lenfant, 2019, p. 22; 2020, p. 13);15 as fontes bíblicas e gregas insinuam que vigorava alguma predicação de invisibilidade feminina (Llewellyn-Jones, 2002, p. 29-30); e a terminologia das fontes babilônicas persas revela certa continuidade com as assírias (e.g., BE 9 50; BE 9 28: É MÍ ša É.GAL: a “casa da mulher do palácio”). No entanto, nos Estudos Aquemênidas, ao contrário do caso Neoassírio, o termo “harém” é majoritariamente descartado.
Uma das primeiras críticas vindas de dentro dos Estudos Aquemênidas16 deveu-se a Heleen Sancisi-Weerdenburg, que, em 1983, demonstrou como a imagem do que entendemos por harém poderia ter sido instrumentalizada pelos autores gregos, e, em especial, Ctésias, a fim de depreciar a imagem dos persas entre suas audiências, enfatizando a (reprovada) influência de mulheres e eunucos poderosos (1987, p. 20; 25; 38). Com efeito, no que diz respeito às mulheres Aquemênidas, as mais importantes fontes atestando sua reclusão são de origem grega, o que deveria inspirar alguma desconfiança por parte dos especialistas.
Além de Sancisi-Weerdenburg, Maria Brosius e Pierre Briant foram os principais críticos da hipótese de um espaço de segregação feminina no Período Aquemênida, por razões similares às expostas no caso Neoassírio. Brosius, estudando os PFT, e preservando cautelosa reserva em relação às descrições dos autores clássicos, afirma, em sua tese de doutoramento:
Mulheres reais como Artístone aparecem nos textos da fortificação junto de outros membros da família real. Considerações sobre a natureza dos tabletes indicam que isso era mais do que uma formalidade. Mulheres reais regularmente interagiam com membros masculinos da família na troca de bens, em aparições conjuntas em viagens e em outras atividades econômicas. É evidente, portanto, que não há qualquer verdade na sugestão de que as mulheres viviam em reclusão e estavam confinadas ao palácio (Brosius, 1996, p. 188).
Em estudos subsequentes, a autora enfatizou a presença das “mulheres da realeza” – especificamente as dukšišbe (dukšiš é o termo elamita empregado para designar as mulheres imediatamente pertencentes à família do rei) – em audiências públicas, sua significativa mobilidade, sua titularidade de propriedades e outros aspectos indicativos de uma vida pública e econômica dinâmicas (Brosius, 1996, p. 28; 2006, p. 41-3; 2010; 2021, p. 102-4). Pierre Briant, por sua vez, atacou expressamente a coloração orientalista do uso do termo “harém” no contexto persa, num tópico adequadamente intitulado “o mito do harém”. O autor, ademais, problematizou a visão depreciativa das fontes clássicas, ressaltando a relativa autonomia das princesas, conforme sugerido pelos já mencionados tabletes administrativos de Persépolis, e reforçando a existência de diferentes nuances quanto às diversas categorias de mulheres do palácio. Por fim, ele evocou certas tradições folclóricas e históricas que situariam as mulheres áulicas do Irã Antigo num papel guerreiro e ativo, em vez de num lugar meramente doméstico (1996, p. 295-7).
Briant e Brosius são seguidos por muitos autores. Amélie Kuhrt, por exemplo, trata as descrições gregas das mulheres palacianas com desconfiança, ressaltando a imagem divergente encontrada nas fontes administrativas dos Aquemênidas (2010, p. 578-9). A autora também invoca a autoridade das próprias fontes clássicas para afirmar que algumas rainhas, como Estateira (esposa de Artaxerxes II, c. 405-359 a.C.), fariam aparições públicas eventuais, contrariando um suposto purdah (2010, p. 598; cf. Pl. Art. 5.6). No campo especificamente terminológico, Wiesehöfer se somou a essa corrente de autores ao afirmar que o vocábulo árabe ḥarīm não seria “capaz de refletir a variedade de relações dentro da sociedade de corte persa”, além de representar um “perigo de falsas analogias e conotações” (2015, p. 168, n. 2). Tal posição crítica é encontrada também nos escritos de diversos pesquisadores brasileiros, entre eles Isabela Casellato Torres (2021, p. 167-9), Amabile Helena Zanco (2022, p. 37) e Matheus Moraes Maluf (2021), que se ocupam da representação grega dos persas.
O debate foi, recentemente, enriquecido pelos apontamentos críticos de Dominique Lenfant – os quais, ressalte-se, definitivamente não seguem a tradicional corrente que vê no “harém persa” um “artifício retórico” grego. Essa autora, como seus precursores, recusa, sim, a aplicabilidade do conceito de harém em razão de sua instrumentalização política para a depreciação de um fantasiado Oriente “despótico” e “libidinoso” (Lenfant, 2020, p. 20-1; cf. Grosrichard, 1988, p. 146). No entanto, ela concede que a ideia de segregação feminina poderia ser aplicada pelas fontes clássicas ao caso das concubinas dos reis persas, diferentemente da classe de dukšiš (Lenfant, 2020, p. 16-20). A autora insiste, ademais, que precisamos ter cuidado ao pressupor que a representação da “reclusão feminina” ou da “poliginia” dinástica Aquemênida seria necessariamente um artifício de depreciação do “outro” nas fontes gregas, ou mesmo um retrato da “decadência Aquemênida”, dado que o fenômeno é raramente enfatizado por Heródoto e Ctésias, além de ser mencionado apenas quanto aos primeiros reis. Mais do que isso, deve-se recordar que os gregos também poderiam ter concubinas, e que eles dificilmente se espantariam com o fato de que elas eram mantidas em segregação (2019, p. 22-3; 2020, p. 23-4; cf. também Lenfant, 2014).
A corrente minoritária
Contra a corrente majoritária, insurge-se, em particular, Lloyd Llewellyn-Jones (2002; 2013, p. 96-122). Esse autor, como Parpola, ressalta o valor respeitoso do termo ḥarīm no seu contexto de origem, bem como seu valor semântico principal relativo à proibição do acesso irrestrito a um espaço sagrado. Llewellyn-Jones também afirma, em oposição a Brosius, que o fato de mulheres importantes terem certa autonomia não impede que existissem regras estritas de separação do espaço por gênero, ainda que a “sociedade do harém” não fosse fixa ou definida por um perímetro específico – descrição similar à de Svärd para o caso neoassírio. Ele vê as mulheres da corte Aquemênida como constitutivas de uma unidade institucional, regrada formalmente e de forma hierárquica. No geral, ele evidencia a segregação das mulheres Aquemênidas a partir de fontes gregas clássicas e do livro bíblico de Ester (Llewellyn-Jones, 2002, p. 25-30; 2013, p. 97-102; 2023).
No plano arqueológico, a existência de um “harém” de Xerxes foi sugerida, no complexo de Persépolis,17 pelo menos desde as expedições dos professores Ernst Herzfeld (1931-1934) e Erich Schmidt (1934-1939), ambos atuando em nome do então Oriental Institute of Chicago (OIC). A planta do sítio arqueológico, elaborada pelo OIC,18 retrata uma estrutura em formato de “L”, contendo aposentos que seriam mais reclusos e privados, sendo acessíveis pelo “palácio” de Xerxes a partir de duas escadarias (Root, 1979, p. 101-2). A identificação dessa área inteira como um harém se deveu, especialmente, à configuração residencial do plano, com apartamentos uniformes conectados a quartos menores, e não em razão de algum conjunto de achados em particular (Schmidt, 1953, p. 255; cf. Root, 1979, p. 101).
Llewellyn-Jones defende que essa área sudeste, por ser mais afastada dos portões e da sala de audiência, e, ainda, pelos aposentos menores e uniformes, poderia ter servido como um dormitório dos residentes do palácio, incluindo aí as “mulheres reais”. Ele ressalta a presença de relevos de guardas nesta seção como reflexo de uma preocupação específica com a segurança dos residentes. Menciona, além disso, o acesso privilegiado ao “Palácio de Xerxes” mediante duas escadarias, bem como uma descrição de Diodoro sobre os quartos de magnatas e membros da família real que se harmonizaria com os achados arqueológicos (Llewellyn-Jones, 2013, p. 106-9; cf. Root, 1979, p. 102). De forma similar a Llewellyn-Jones, Shahbazi também defende a identificação do lugar com um harém, mencionando a presença de “relevos de eunucos” e acessos mais restritos (Shahbazi, 2012).
Embora a configuração residencial da estrutura em questão seja confirmada por opiniões de outros especialistas recentes (Allen, 2005, p. 76), o consenso atual não segue Llewellyn-Jones e Shahbazi ao identificá-la como “harém” (Root, 1979, p. 101; Brosius, 1996, p. 31). No geral, os especialistas preferem chamar a seção inteira de “Palácio Sudeste” (Mousavi, 2020, p. 74). Conforme explica Razmjou, a área poderia ter servido de dormitório temporário, mas teria sido inadequada para abrigar as mulheres reais, porque poderia ser inspecionada a partir de torres, guarnições e outras áreas mais elevadas. Assim, ele prefere chamá-la de “segundo tacara”, pelas similaridades arquitetônicas com aquela estrutura homônima. Ele conclui afirmando não ver “razão suficiente para chamar o palácio de harém” (Razmjou, 2010, p. 243-4).
Quanto à existência de regras de segregação de gênero em si, é possível que alguma evidência em seu favor possa seja encontrada no livro bíblico de Ester. Embora esse documento seja relativamente tardio, os especialistas hoje tendem a datar parte do material do Texto Massorético ao final do Período Persa, portanto entre 400-300 a.C. (Fox, 1991, p. 140; Levenson, 1997, p. 26; Berlin, 2001a, p. xli; Grabbe, 2004, p. 104). O livro narra uma etiologia do Purim mediante a história de uma mítica consorte do rei Xerxes, a heroica rainha judaica Ester, que teria intercedido em favor de seu povo a fim de evitar um extermínio articulado pelo oficial Amã. Similarmente à Ciropédia, de Xenofonte, essa narrativa provavelmente constituía uma “novela histórica”, sem qualquer pretensão de historicidade objetiva – talvez tivesse mesmo uma intenção cômica (Berlin, 2001a, p. xvi-xx; 2001b, p. 7) –, mas com vários componentes autenticamente históricos e revelando um conhecimento fidedigno sobre a Susa persa. Seus redatores descrevem detalhadamente sua visão da corte Aquemênida, mencionando, entre outras coisas: (i) a reunião de um grupo de mulheres na bêṯ hannāšîm, “casa das mulheres”, que aparentemente era uma divisão espacial dentro da fortaleza de Susa (Malamat, 1995, p. 785), sob os cuidados de um sārîs (“eunuco”),19 Egeu (Est. 2.3; Berlin, 2001a, p. 23); (ii) os rígidos protocolos de tratamento prévios à apresentação das mulheres perante o rei (Est. 2.12; Berlin, 2001a, p. 27); e (iii) a possível existência de um “segundo” aposento das mulheres, especificamente aquelas estabelecidas como concubinas,20 sob o cuidado de outro sārîs, Sasagaz (Est. 2.14).
É tentador ver judeus helenizados como os redatores de Ester, tendo incorporado à sua narrativa etiológica do Purim algumas anedotas de intrigas de corte, “típicas” de autores como Ctésias (Bridges, 2015, p. 141-8), mas, nesse caso, teríamos de admitir que, pelo menos do ponto de vista da imaginação desses autores, haveria uma regulação generificada do espaço. Curiosamente, essa organização é associada à figura do sārîs, termo emprestado ao acadiano ša rēši, em descrição condizente com a relação encontrada nos textos neoassírios, nos quais “eunucos [ša rēši] trabalhavam sob a autoridade das mulheres palacianas, embora não atuassem exclusivamente para elas” (Svärd, 2015, p. 72) – sendo-nos irrelevante, num primeiro momento, se tais figuras eram homens castrados ou não. Assim, mesmo que o Livro de Ester seja ainda mais tardio do que o imaginado, seria interessante indagarmo-nos sobre a possível inspiração para o seu retrato da corte persa. Ao que tudo indica, é possível que a descrição presente em Ester reflita o caráter excepcional da reclusão das concubinas persas, situação que, como vimos, tende a ser reconhecida por outros especialistas (Briant, 1996, p. 296; Lenfant, 2020, p. 18).
Harém Islâmico: impotência e opressão?
Uma “terceira via” da crítica ao uso do termo “harém” é encontrada nos escritos de Elna K. Solvang, que se dedicou ao estudo das mulheres régias de Judá. Essa autora, ao analisar as especificidades dos haréns modernos, como o Otomano, argumenta que a noção orientalista europeia de um espaço de reclusão absoluto e privado de um exercício institucional de poder político é equivocada também quando aplicada ao Mundo Islâmico. Segundo ela, a sociedade do harém podia possuir e administrar bens valiosos (assim como no caso das rainhas e princesas neoassírias e persas), além de ser móvel e independente (Solvang, 2008, p. 420). Em suas palavras:
(...) membros da família – incluindo escravos – viviam em contato com, e na possessão de, bens valiosos. (...) A sociedade do harém também é móvel, viajando ocasionalmente sem rei, vice-rei ou marido, para unir-se a outras mulheres a fim de fazer negócios e se entreter (Solvang, 2008, p. 420).
Para Solvang, por conseguinte, até mesmo os críticos da aplicabilidade do conceito de “harém” na Antiguidade podem incorrer em visões equivocadas sobre o mundo islâmico, uma vez que, no geral, os autores ignoram que os haréns otomanos: (i) também previam a segregação masculina; (ii) não excluíam as mulheres da participação na vida palaciana; e (iii) não se orientavam por aspectos meramente reprodutivos ou sexuais (Solvang, 2003, p. 51-71). No entanto, essa especialista não propõe nenhuma equivalência entre as realidades antiga e moderna, e, em vez disso, ressalta a carga orientalista do termo no imaginário ocidental, sugerindo que apenas um exame comparativo muito aprofundado poderia eventualmente permitir alguma equiparação (2008, p. 415-20).
Comparações e conclusão
As diferentes opiniões emanadas sobre os casos neoassírio e persa (cf. Tabela 1, abaixo, sumarizando a discussão), demonstram com clareza a necessidade de se colocar em diálogo estreito a pesquisa sobre a Mesopotâmia e os Aquemênidas, uma vez que, contraditoriamente, apesar das esmagadoras analogias – esperadas em razão de sua continuidade na longue durée (Rollinger, 2021) –, os especialistas chegam a conclusões amiúde distintas.
De forma geral, os assiriologistas são comparativamente mais propensos a usar o termo “harém” do que os estudiosos da Pérsia Aquemênida, embora argumentos razoáveis contra seu emprego tenham sido formulados em ambos os casos. Parpola e Llewellyn-Jones advogam pelo uso da expressão “harém” em razão de sua acepção religiosa na tradição islâmica, e parecem ver certo preciosismo na crítica pós-colonial. No entanto, os revisionistas estão plenamente justificados em rechaçar o uso do termo harém com base nos estereótipos que carrega, o que, por si só, já constitui um problema para o historiador. É de absoluta relevância ressaltar, quanto a isso, que os autores dos Estudos Aquemênidas demonstraram ser perfeitamente possível descrever as realidades antigas sem qualquer recurso a esse termo, e sem nenhum prejuízo analítico. Assim, não é necessário um termo moderno (ou especulado)21 alternativo para descrever as mulheres da corte, e, portanto, não há motivo para insistir no tema.
Outra questão gira em torno das regras atinentes à segregação de gênero per se. Nesse sentido, mais uma vez, os especialistas sobre cada império trazem informações convergentes, mas atingem conclusões distintas. Em particular, os assiriologistas veem claramente que a relativa autonomia negocial e administrativa das rainhas e princesas em nada anula a existência de regras específicas de separação, hierarquias de corte e protocolos baseados em distinções de gênero. No caso persa, por outro lado, a autonomia das rainhas e princesas é por vezes invocada contra a noção de uma segregação das mulheres palacianas. À luz da evidência comparativa, entretanto, seria mais razoável supor que o reconhecimento da independência das mulheres reais, bem como de sua liberdade para deter bens e se locomover, não implicaria, necessariamente, a ausência de certas regras de segregação.
Do ponto de vista arqueológico, tanto a evidência persa quanto a assíria se mostram insuficientes para classificar de forma categórica um espaço físico como exclusivamente reservado às mulheres reais ou concubinas. É verdade que, no caso neoassírio, os autores fornecem indícios muito mais numerosos quando falam dos “aposentos femininos”. No entanto, qualquer designação de aposentos exclusivos nos palácios depende de um raciocínio tão especulativo a ponto de ser difícil entrever uma classificação mais segura no futuro, conforme bem demonstrado por Kertai e Svärd. Do ponto de vista teórico, os mesmos óbices levantados pelos assiriologistas à generificação de espaços arqueológicos deve valer para o caso Aquemênida, embora os argumentos deste último campo continuem versando mormente sobre outras questões.
A relação entre rainhas e concubinas é um ponto que merece melhor qualificação em ambos os casos. Os assiriologistas entendem que a rainha e as parentes imediatas do rei não recebiam o mesmo tratamento que as demais mulheres palacianas, as chamadas “concubinas”, embora frequentemente descrevam a rainha consorte como administradora dos “aposentos” ocupados por tais mulheres, aproximando os dois grupos. Já os especialistas dos Estudos Aquemênidas tendem a dissociar fortemente as concubinas das rainhas e princesas, pondo em xeque a concepção unitária da categoria de “mulher da corte”.
Por fim, um ponto de convergência é a frequente mobilização da imagem de supostos “eunucos” para a designação de “haréns”.22 Como vimos, Parpola e Shahbazi buscam fixar a dimensão funcional de espaços arqueológicos através de relevos de supostos servidores castrados, um argumento que, em nossa opinião, carece de fundamentação sólida.23 No entanto, a associação dos “grupos patrimoniais” de rainhas e mulheres reais a figuras portando os títulos de sārîs e ša rēši,24 em que pese o atual debate sobre a natureza deste oficial, é um elemento que convida a reflexões mais aprofundadas no futuro.
No geral, o grande número de paralelos possíveis indica que questões teóricas similares são inevitáveis ao interpretarmos e reconstruirmos as narrativas históricas de cada civilização. Nesse sentido, a Assiriologia e os Estudos Aquemênidas têm muito a ganhar, no futuro, com uma maior integração que situe seus objetos de estudo numa trajetória comum de longa duração.
Império Neoassírio | Império Persa |
Terminologia: harém é um termo válido | |
Termo árabe é respeitoso, evocaria ambiente sagrado e privado, e corresponderia às características “fundamentais” do NA bēt isāte (Ziegler, 1999, p. 5-8; Parpola, 2012; Stol, 2016, p. 459). Alguns autores admitem seu uso mediante certas “qualificações” (Barjamovic, 2011, p. 48-57). | Vocábulo árabe é um termo de respeito e evoca a proibição relativa à pureza religiosa. O fato de o termo ter conotação pejorativa para os modernos não obriga ao seu abandono, apenas exige mais clareza quanto ao seu significado (Llewellyn-Jones, 2002, p. 25-30; 2013, p. 97; Shahbazi, 2012). |
Terminologia: harém não é um termo válido | |
Termo seria anacrônico, com coloração orientalista; pressupõe imutabilidade do Oriente e não corresponderia às realidades antigas (Westenholz, 1990, p. 515; Kuhrt, 2002, p. 526-8; Van de Mieroop, 1999, p. 137-58; Bahrani, 2001, p. 16; Lion, 2007, p. 58; Pirngruber, 2011, p. 293; Svärd, 2015, p. 110). | Vocábulo não daria conta das realidades complexas da corte persa (e.g., divisão entre concubinas e rainhas), e teria carga orientalista (Briant, 1996, p. 295-7; Wiesehöfer, 2015, p. 168, n. 2; Lenfant, 2020; Torres, 2021, p. 167-9; Zanco, 2022, p. 37). Briant aceita seu uso exclusivamente para o caso das concubinas reais (1996, p. 297). Lenfant concorda que as fontes gregas descrevem um espaço de reclusão das concubinas, embora não aceite chamá-lo de harém (2020, p. 18-9). |
Existência Institucional | |
Haveria um ambiente de segregação feminina, com regras estritas de acesso e governança, e sem necessariamente implicar limitação dos movimentos da rainha (Parpola, 2012; Stol, 2016, p. 529-48). | Não se trata de reclusão, mas de separação das mulheres, inclusive em aposentos temporários, mas sob regras de hierarquia rígidas e estritas. A separação das mulheres em espaços que não eram totalmente acessíveis não contrariaria sua relativa autonomia (Llewellyn-Jones, 2002, p. 25-30; 2013, p. 97-102; Shahbazi, 2012). |
Inexistência Institucional | |
Não há evidência para um caráter institucional dos assim chamados “aposentos femininos”, apenas do grupo doméstico da rainha (Svärd, 2015, p. 39-143). Embora existisse um espaço do palácio separado para as mulheres, que poderia ser chamado de harém “por motivos pragmáticos”, ele seria fundamentalmente distinto do harém Otomano (Pirngruber, 2011, p. 293). | Mulheres persas seriam relativamente independentes do ponto de vista econômico, de locomoção e poderiam aparecer publicamente e ter contato com homens fora do núcleo familiar (Brosius, 1996, p. 188; Briant, 1996, p. 295-7; Kuhrt, 2010, p. 578-9; Lenfant, 2020, p. 18). |
Evidência Material | |
Ainda que harém seja carregado de conotações anacrônicas, pode-se falar em um espaço de residência exclusivamente feminina nos palácios assírios (Oates; Oates, 2001, p. 78; Parpola, 2012, p. 614). | Os aposentos de uma área sudeste do complexo de Persépolis seria um “harém” de Xerxes, ou, talvez, uma área residencial da corte, incluindo as mulheres reais (Schmidt, 1939; 1953; Llewellyn-Jones, 2013, p. 106-9; Shahbazi, 2012). |
Ausência de/ Incerteza quanto à Evidência Material | |
Não é possível identificar com absoluta segurança a destinação dos aposentos palacianos conforme o gênero dos residentes, e o termo bēt é polissêmico (Kertai, 2015, p. 4; 247; Svärd, 2015, p. 109-20). | Não há qualquer evidência para associar o “Palácio Sudeste” de Persépolis a um “harém” (Razmjou, 2010, p. 243-4). |
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Notas