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Antropônimos descritivos na Ilíada: os nomes dos guerreiros menores

Descriptive anthroponyms in the Iliad: the names of minor warriors

Tatiana Alvarenga Chanoca
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil, Brasil

Antropônimos descritivos na Ilíada: os nomes dos guerreiros menores

Classica - Revista Brasileira de Estudos Clássicos, vol. 36, pp. 1-19, 2023

Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos

Recepción: 15 Febrero 2023

Aprobación: 30 Marzo 2023

Resumo: Este artigo parte da premissa de que os nomes próprios em Homero são significativos, e que seu significado estaria relacionado ao seu portador ou ao contexto em que este aparece, descrevendo-o de alguma maneira. Assim, este trabalho busca estudar os possíveis significados dos nomes dos guerreiros menores da Ilíada – ou seja, guerreiros cuja participação no poema é mínima e sobre os quais poucas informações são fornecidas (ou mesmo nenhuma além do nome) –, a fim de comprovar que sua inclusão no poema não foi aleatória.

Palavras-chave: Ilíada, Homero, guerreiros menores, onomástica grega.

Abstract: This paper presumes that the use of the proper names in Homer is purposeful, and their meaning is associated to its bearer or to the context in which the character is introduced, describing him in some way. Hence, this work aims to analyze the possible meanings of the minor warrior’s names in the Iliad – i.e., warriors whose relevance in the poem is minimal and about whom limited information is provided (occasionally none beyond the name itself) –, in order to show that their inclusion in the poem was not indiscriminate.

Keywords: Iliad, Homer, minor warriors, Greek onomastics.

Atribuída a Homero, a Ilíada teria surgido a partir de um processo de expansão de algum poema mais curto sobre Troia, e o próprio Homero seria fruto de uma tradição aédica que amalgamou diversas informações sobre a guerra de Troia e sobre muitos dos relatos que constituem o que geralmente entendemos como mitologia grega (Wathelet, 1988, p. 18).1 Tendo emergido após séculos de tradição oral, a Ilíada provavelmente une figuras e eventos de diferentes lugares e épocas, além de misturar história e mito. Assim, nem sempre é possível definir se os personagens existiram de fato ou se são apenas produtos da criação poética, mas mesmo que eles tenham sido baseados em figuras reais, tornam-se personagens ficcionais ao serem inseridos num cenário poético (Kanavou, 2015, p. 7-8). O poema “conta sobretudo a ação de indivíduos heroicos, e não de massas impessoais de guerreiros” (Kanavou, 2015, p. 1), logo estes não devem ficar no anonimato, pois a identidade heroica, o status do guerreiro, depende de seu destaque no campo de batalha (Oliveira, 2013, p. 144): nesse contexto, anônimo não designaria simplesmente uma pessoa “sem nome”, mas também alguém desconhecido, logo, inglório, e onoma, nome, engloba, num sentido mais amplo, a reputação, a glória imortal que os heróis almejam (Webber, 1989, p. 12):2 “por definição, numa poesia que fala da fama dos ancestrais, não poderia haver heróis sem nome. Dos personagens anônimos, a epopeia não tem nada a dizer. Os personagens sem nome são os personagens sem história” (Bouvier, 2002, p. 357).3

Os heróis principais (ou guerreiros maiores), como Heitor, Eneias, Diomedes, Aquiles, já gozam de um renome dentro da trama da história narrada pelo poema, e por vezes seu nome é o suficiente para atemorizar seus inimigos, mas sua glória não existiria sem um grupo ao qual eles pudessem se contrapor (Oliveira, 2013); tal grupo é composto pelos guerreiros menores, combatentes – gregos e troianos – que têm pouca ou nenhuma participação na Ilíada e aparecem principalmente em listas de guerreiros mortos durante a batalha ou preenchendo um contingente. Diferentemente dos guerreiros maiores, que têm uma presença já estabelecida na tradição (mesmo que tenham sido retirados de outros mitos e levados para a história da guerra de Troia), a maioria dos guerreiros menores teria sido provavelmente inventada para a ocasião, e seus nomes teriam sido, em geral, retirados de um “estoque” do qual os poetas se serviriam, ou também inventados.4 Os nomes desses guerreiros nem sempre são informados, e eles podem ser retratados como um grupo apenas (como vemos, por exemplo, em X, 483-488, em que Diomedes mata diversos guerreiros trácios anônimos enquanto eles dormiam), mas a tendência geral do poema é nomear os personagens. Por vezes não há quaisquer informações sobre esses guerreiros menores, nem mesmo sua genealogia, e raramente eles possuem falas no poema; a única informação sobre alguns deles é seu nome.

Os nomes colocam uma pessoa no seu mundo: eles podem refletir uma classe social e habilidades ou obrigações, ou até mesmo fornecer uma minibiografia, enquanto que o seu uso pode transmitir a relação entre o orador e aquele para quem ele fala. A etimologia e o som dos nomes podem ser significativos, e isto pode ser manipulado através da adição de prefixos ou do jogo de palavras [...]. Atrás de todo este jogo de palavras com os nomes nós percebemos uma cultura e uma tradição, e um poeta que viu nisso uma grande importância (Higbie, 1995, p. 5-6).

Os antropônimos são um elemento essencial dos poemas homéricos, tanto por seu valor performativo, uma vez que eles servem como um recurso poético que anima e preenche as cenas de batalha, como por sua função identificadora, pois o nomear é visto como “uma parte essencial da apresentação dos personagens, em si um aspecto de um ‘enredo bem-motivado’ [...]”; pode-se dizer que eles são “um recurso de referência totalmente fundamental” (Kanavou, 2015, p. 1). Acredita-se que num pensamento “místico” haveria uma unidade entre o nome e seu portador, em que o nome define a pessoa, e assim o uso de nomes falantes – isto é, nomes que, por seu significado, definem seu portador e cujo sentido pode ser inferido a partir do contexto em que o personagem é mencionado – seria uma característica da poesia épica (embora tal procedimento tenha sido aproveitado posteriormente no contexto de outros gêneros poéticos). Logo, os nomes próprios seriam centrais para a compreensão do enredo e dos personagens da Ilíada (Kanavou, 2015, p. 26), pois a nomeação confere ao personagem uma importância e permite, por vezes, que sejam feitas relações que vão além do contexto do poema.

Muitos dos nomes dos guerreiros menores da Ilíada são vistos normalmente como “genéricos”, isto é, nomes que sugerem uma característica que não seria específica do personagem que eles nomeiam – ao menos o contexto do poema não indica que seja –, mas podem ser aplicados a qualquer integrante de um grupo de personagens que compartilham características semelhantes.5 O objetivo deste artigo é demonstrar que na realidade esses nomes são em geral descritivos, isto é, nomes que sugeririam alguma característica de seu portador ou a natureza da ação deste no poema (o que seria visível principalmente no caso de nomes que aparecem em cenas e listas de batalha), e então não teriam sido atribuídos de maneira aleatória. Para isso, primeiro analisarei de maneira mais abrangente a estrutura, o significado e a atribuição dos nomes dos guerreiros menores na Ilíada, e depois mostrarei o uso dos nomes em listas de batalha nas quais fica mais evidente seu papel descritivo.

Estrutura e significado dos nomes6

O sistema de nomeação grego é semelhante ao de outras línguas indo-europeias, e provavelmente tem a mesma origem. Os antropônimos gregos antigos têm em geral significado positivo e são muitas vezes formados a partir de termos do léxico da língua grega, mas nem todas as palavras são adequadas para a sua composição, apenas as chamadas “palavras de nome”, que estariam ligadas à tradição. Os nomes podem ser divididos em três categorias principais: 1) nomes compostos (ou completos ou politemáticos), isto é, nomes constituídos por dois ou mais elementos ligados por uma relação sintagmática, por exemplo Λαοδάμας (Laodamante),7 composto por λαός (‘povo’, ‘povo em armas’) e δαμάω (‘domar’), daí “que domina o povo em armas” e Πρόθοος (Prótoo), composto pela preposição πρό (‘adiante’) e θέω (‘correr’), logo, “que corre adiante”; 2) formas abreviadas (ou formas curtas), que são formas encurtadas dos nomes completos usadas com o objetivo de representá-lo de modo mais confortável e conveniente ao uso diário, mas sem que ele perca sua solenidade (como Ἀλκιμέδων [Alcimedonte], que pode ser encurtado como Ἄλκιμος ou Ἄλκις); 3) nomes simples (ou curtos ou monotemáticos), ou seja, nomes principalmente de raiz única e de formação independente, que não derivam de nomes compostos, e em geral se diferenciam das formas curtas pelo fato de possuírem um significado, como Κοίρανος (Cérano), derivado de κοίρανος (‘rei’, ‘chefe militar’).8

São duas as principais maneiras de fazer uma relação direta entre nome e portador na Ilíada: o nome pode ser explicado pelo contexto imediato, em que estaria refletida alguma informação que o poeta oferece a respeito do personagem; ou é feito no texto um jogo de palavras com o nome e os termos que o cercam. Essas relações seriam diretas porque são feitas a partir da própria Ilíada; mas há casos em que é possível supor uma relação entre o personagem iliádico e figuras homônimas tradicionais – mitológicas ou históricas –, que seriam anteriores aos guerreiros da Ilíada e que podem ter servido de base para a nomeação de alguns deles.9

Significado com base estritamente no texto

No caso dos nomes que podem ser explicados pelo contexto imediato – normalmente através de informações fornecidas sobre seu portador, sobre seu nascimento ou uma característica do personagem – temos como exemplos Laodamante (“aquele que domina o povo em armas”), que pode ser adequado ao personagem, que é chamado de ἡγεμόνα πρυλέων, “comandante da infantaria” (Il. XV, 517); talvez Licófron (Λυκόφρων, “que tem mente [ou coração] de lobo”, “que pensa como um lobo”), nome que por conter o elemento λύκος pode englobar uma ideia de violência – visto que o lobo é considerado um animal violento e traiçoeiro –,10 e é dito no poema que o personagem vivia com Ájax Telamônio por ter matado um homem em Citera (Il., XV, 430-435);11 Licomedes (Λυκομήδης, “com conselhos de lobo”, “que tem planos de lobo” ou “que pensa como um lobo”), que recebe os epítetos κρατερός (‘forte’, ‘robusto’, mas também ‘violento’; Il. XII, 366) e ἀρηΐφιλος (‘caro a Ares’; Il. XVII, 346), que trariam a mesma ideia de violência que pode estar presente em seu nome; Nireu (Νιρεύς, “brilhante”, belo”), cujo nome, por seu significado, pode não só ser relacionado aos nomes de seus pais – Cáropo (Χάροπος, que pode significar “de olhos brilhantes”, “de olhar ávido”) e Aglaia (Ἀγλαίη, “brilhante”, “bela”) –, mas também à qualificação que o guerreiro recebe no texto: “o homem mais belo entre os outros Dânaos/ que vieram para debaixo de Ílion, à exceção do irrepreensível Pelida”;12 Estentor (Στέντωρ, “o que grita”, “que ruge”), que é qualificado como um herói “de brônzea voz,/ cuja voz equivalia à de outros cinquenta homens”;13 e Hiperenor (Ὑπερήνωρ), que pode ser entendido como “arrogante”, o que corresponderia ao caráter soberbo atribuído ao personagem por Menelau, que diz:



Na verdade nem a Força de Hiperenor domador de cavalos
aproveitou a juventude, quando me amesquinhou e susteve
o meu ataque, afirmando que entre os Dânaos eu era o pior guerreiro.14

Existe uma tendência a interpretar os nomes compostos por ὑπερ- como nomes denegridores que evidenciariam um caráter soberbo dos troianos em geral (não apenas do personagem que carrega o nome).15 Segundo Emilio Crespo, a comprovação disso estaria no fato de que os troianos são constantemente qualificados por epítetos como ὑπερηνορέων (‘extremamente viril’ [no sentido negativo], ‘orgulhoso’, arrogante’) ὑπερφίαλος (‘muito forte’, ‘muito poderoso’, ‘arrogante’) e ὑπέρθυμος (‘corajoso’, ‘magnânimo’, ‘ousado’, ‘arrogante’, ‘soberbo’); assim os nomes compostos por ὑπέρ (‘sobre’, ‘através de’, ‘além’, ‘acima da medida’) – como Hiperenor e Hipíroco (Ὑπερήνωρ, Ὑπείροχος) –, também atribuídos principalmente aos troianos, refletiriam esse seu caráter arrogante, soberbo (Crespo, 2004-2005, p. 35-36). Contudo, é preciso considerar que apesar de Crespo afirmar que ὑπερηνορέων e ὑπερφίαλος seriam epítetos utilizados para os troianos, nenhum desses dois adjetivos é usado pelo narrador na Ilíada; eles sempre vêm na boca dos personagens gregos ou de deuses que apoiam os gregos, que provavelmente veriam os troianos – seus inimigos – como arrogantes, então talvez os termos não definam o povo em si, mas sim a ideia negativa que têm dele seus inimigos.16 Além disso, os adjetivos em questão não são usados apenas para troianos: em V, 77 Ares usa ὑπερφίαλος para se referir a Diomedes, e em XV, 94 Hera usa para qualificar Zeus. O único adjetivo semelhante a ὑπερηνορέων e ὑπερφίαλος que o narrador usa é ὑπέρθυμος, atribuído a gregos e troianos,17 e que tanto pode ter um sentido positivo (‘animado’, ‘generoso’, ‘destemido’, ‘corajoso’, ‘ousado’, ‘audacioso’), como negativo (‘excessivo’, ‘presunçoso’, ‘arrogante’); mas nem sempre fica evidente com qual intenção ele é usado – se para denegrir ou para elogiar.18

Desse modo, apesar de os nomes compostos por ὑπέρ serem normalmente entendidos de maneira negativa, pois o termo em questão sugeriria um caráter excessivo, uma interpretação positiva seria possível e não deveria ser excluída, considerando-se que ὑπέρ em compostos pode também significar ‘fazer algo por’ ou ‘em defesa de’ (Liddell; Scott, 1883, s.v. ὑπέρ). Hipíroco, por exemplo, pode ser interpretado como “excessivo”, mas também “excepcional”, “superior”, e Hipsénor tanto pode significar “homem superior” como “homem arrogante”. Para o próprio Hiperenor podem ser sugeridos também os sentidos de “que tem alta força vital” ou “que vai além da medida do homem” – que pode ser entendido tanto de maneira positiva como negativa.19 Hiperenor poderia significar ainda “muito viril”, uma vez que ἠνορέη (‘masculinidade’, ‘destreza’), presente em ὑπερηνορέων, seria correspondente em Homero a ἀνδρεία (‘virilidade’, ‘coragem’),20 apesar de o termo ὑπερηνορέων ser usado em Homero sempre com sentido negativo devido à ideia de excesso que ele evoca (Liddell; Scott, 1883, s.v. ὑπερηνορέων).21

No grupo de nomes explicados pelo contexto ou pelas informações fornecidas pelo próprio poema entrariam também alguns dos guerreiros que foram nomeados a partir de hidrônimos, topônimos ou etnônimos, como Sátnio e Simoésio (Σάτνιος e Σιμοείσιος), que teriam sido nomeados a partir dos rios Satnioente (Σατνιόεις, Il. XIV, 442-446) e Simoente (Σιμόεις, IV, 473-477), respectivamente, em cujas margens eles nasceram. Mas nem sempre vem no poema uma explicação tão explícita para o antropônimo, como mostra o nome do guerreiro troiano Escamândrio (Σκαμάνδριος), derivado do hidrônimo Escamandro (Σκάμανδρος), deus-rio troiano, e assim o personagem estaria ligado a Troia, embora o poema não o diga. Casos semelhantes são os dos dois guerreiros chamados Ascânio (Ἀσκάνιος), ambos vindo de regiões chamadas Ascânia (Ἀσκανία),22 e provavelmente seus nomes derivariam delas; e o do também troiano Trós (Τρώς), cujo nome seria um epônimo, formado a partir de Τρῶες (‘troianos’). Timbreu (Θυμβραῖος), por fim, porta um nome que provavelmente deriva do étnico do topônimo Timbra (Θύμβρα), que é uma cidade da Trôade, e apesar de o poema não fornecer informações que sugiram uma relação com Timbra, exceto talvez o fato de ele ser troiano, podemos pensar que seu nome já poderia servir como um indicativo de sua origem. Tais nomes ligariam os guerreiros aos seus lugares de origem, e assim eles poderiam ser considerados “como expoentes imaginários dos lugares, tribos e povos, como representantes que aparecem no epos ou nas lendas em geral” (Kamptz, 1982, § 13a [p. 40]). Embora possa parecer que os antropônimos derivados de topônimos seriam apenas inventados, talvez aleatórios, devido à quantidade de guerreiros que portam esses nomes, é provável que haja um significado histórico para eles. Considera-se, por exemplo, que o guerreiro Φαῖστος, cujo nome viria da cidade cretense Festo (Φαιστός), e seu pai, Boro (Βῶρος), já existiriam numa tradição épica anterior a Homero; e o fato de um guerreiro que carrega o nome semelhante ao de uma cidade cretense ser morto por Idomeneu – que viria de Creta; inclusive a cidade de Festo é mencionada no Catálogo das Naus entre as cidades comandadas por Idomeneu (II, 648) – corrobora a suposição de que haveria nesse combate uma referência a algum conflito na região (Wathelet, 1988, s.v. Φαῖστος).

Alguns dos personagens que desempenham a função de auriga recebem nomes falantes adequados a essa função, como nos mostram principalmente os antropônimos Eniopeu (Ἠνιοπεύς, “que se ocupa das rédeas”)23 e talvez Calésio (Καλήσιος), que viria do verbo καλέω (‘chamar’), podendo ser interpretado como um nome adequado a um cocheiro, que seria “o que é chamado” quando um guerreiro está em perigo durante o combate (Wathelet, 1988, s.v. Καλήσιος). Alguns são menos claros, mas ainda é possível ver neles um significado relativo à função, como Areítoo (Ἀρηΐθοος, “rápido no combate” ou “rápido junto de Ares”), se pensarmos numa velocidade ligada ao uso do carro na batalha; Arqueptólemo (Ἀρχεπτόλεμος), entendendo o verbo ἄρχω, primeiro elemento do nome, com o sentido de ‘guiar’, daí “o que guia a guerra” – ou “na guerra” –; Eurimedonte (Εὐρυμέδων, “que tem amplas preocupações”), pensando talvez em alguém que observa amplamente o combate, vendo talvez onde pode ser necessário; e Molíon (Μολίων, “o que vem”, “corredor”), seguindo a mesma possibilidade de alguém que vem em socorro.

Nomes “genéricos” ou descritivos

Diferentemente dos nomes claramente falantes, explicados pelo contexto ou pelas informações oferecidas a respeito de seu portador, os nomes considerados “genéricos” parecem ser, num primeiro momento, atribuídos de maneira quase aleatória. Mas sendo o nome muitas vezes a única informação fornecida sobre um guerreiro, tais nomes poderiam ser vistos como descritivos, transmitindo por si só uma característica de seu portador, sem que o poeta precise dar mais informações. O sentido desses nomes é em geral positivo e relacionado à situação de guerra, refletindo valores heroicos e aristocráticos, como a força, a glória e a posição de comando, que conferem ao seu portador uma característica desejável para um guerreiro, funcionando como epítetos gloriosos.24

Os nomes que denotam força ou coragem são, em geral, compostos por ἀλκή (‘força’, ‘destreza’, coragem’), ἶφι (‘com força’, ‘com coragem ou poder’), μένος (‘força’, ‘poder’) ou μένω (‘ficar firme’, ‘manter’, ‘resistir’) e σθένος (‘força’, ‘vigor’), como vemos, por exemplo, em Menestes (Μενέσθης, “que resiste com [ou pela] força”), Ifidamante (Ἰφιδάμας, “que doma pela força”), Ifínoo (Ἰφίνοος, “que pensa com determinação”, “que pensa com coragem”) e Menéstio (Μενέσθιος, “que resiste com força”). A glória (κλέος), sendo um conceito fundamental na Ilíada, está presente em diversos nomes de guerreiros, como Ânficlo (Ἄμφικλος, “muito glorioso”), Baticles (Βαθυκλῆς, “aquele que possui glória profunda”, “que tem imensa glória”), Dóriclo (Δόρυκλος, “que possui a glória pela lança”), Équeclo (Ἔχεκλος, “que tem glória”). A posição de comando, por fim, pode ser relacionada à posição no exército ou na sociedade (como um rei ou príncipe), e os principais componentes que denotam isso nos antropônimos dos guerreiros são λαός (‘povo’, ‘povo em armas’, ‘exército’) e μέδω (aqui com o sentido de ‘comandar’, ‘reinar’). Assim, temos Agelau (Ἀγέλαος, “que lidera o exército”), Arcesilau (Ἀρκεσίλαος, “aquele que protege o exército”), Laódoco (Λαόδοκος, “aquele que acolhe o povo em armas”) e Medonte (Μέδων, “o que manda”). Há também os nomes simples (isto é, formados por um só elemento) que denotam esses valores, como Adamante (Ἀδάμας, “indomável”), Cérano (Κοίρανος, “governante”; “líder do exército”), Pálmis (Πάλμυς, “rei”), Prítanis (Πρύτανις, “chefe”),25 Fílaco (Φύλακος, “guardião”).

Outras formas de exprimir o caráter guerreiro de um personagem através de seu nome são o uso do elemento ἀντι- (‘contra’, ‘em retorno’) na composição do antropônimo, denotando assim o desejo de vingança – Antífates (Ἀντιφάτης, “vingador”, “que mata em resposta”) e Antífono (Ἀντίφονος, “vingador”) –, o uso de πῦρ (‘fogo’), que mostraria um poder de devastação – Deípiro (Δηΐπυρος, “devastador com fogo”) – e a presença de nomes de certos animais na composição, como λέων (‘leão’) e λύκος (‘lobo’), que atribuem ao antropônimo (logo, também ao seu portador) um caráter forte, valente, sagaz, mas também violento e traiçoeiro, como vemos em Leonteu (Λεοντεύς, “[valente] como um leão”), Areílico (Ἀρηΐλυκος, “um lobo por [ou para] Ares”; “um lobo no combate”). Há ainda os nomes com ἵππος (‘cavalo’), que podem tanto exprimir a posse de cavalos – Evipo (Εὔιππος, “nobre por seus cavalos”, “que tem bons cavalos”), Hipótoo (Ἱππόθοος, “que tem cavalos velozes”) – como o uso de cavalos na batalha – Hipóloco (Ἱππόλοχος, “que embosca com cavalos”), Hipômaco (Ἱππόμαχος, “que combate a cavalo”),26 o que sugeriria que seu portador seria de família nobre.

A maioria dos nomes descritivos da Ilíada alude a valores guerreiros, mas outros elementos que aparentemente também eram valorizados no que é normalmente entendido (a partir do que é apresentado na Ilíada e na Odisseia) como “sociedade homérica”, são evidenciados nos nomes, como a fortuna, presente, por exemplo, nos antropônimos Eumelo (Εὔμηλος, “rico em ovelhas”) e Demuco (Δημοῦχος, “que tem terras”); a inteligência – presente no nome Autónoo (Αὐτόνοος, “que tem em si a inteligência”) –; e a beleza física – como em Pandíon (Πανδίων, “esplêndido”) e Cárops (Χάροψ, “de olhar brilhante”). Há ainda nomes que mostram o favoritismo (ou talvez o desejo de um favoritismo) por parte de deuses, que são “nomes pelos quais o portador é designado como propriedade da divindade em questão e, portanto, colocado sob sua proteção” (Kamptz, 1982, § 12 [p. 39]), sendo esse tipo de nome pouco comum entre os heróis, e nem sempre sua interpretação é clara. Não parece haver dúvida quanto à interpretação do nome Diores (Διώρης, “honrado por Zeus”), e Dio (Δῖος) poderia vir da forma genitiva do nome Ζεύς, daí “que pertence a Zeus”, ou poderia ser uma forma abreviada de um nome composto, como Diocles (Διοκλέης, “que tem glória divina” ou “glória de Zeus”).27 Mas os nomes com o elemento Ἄρης tanto podem ter um significado relacionado ao deus como ao substantivo que derivaria desse teônimo e significaria ‘batalha’, ‘combate’. Por isso o nome Areítoo pode significar “rápido no combate”28 ou “rápido junto de Ares”, e Areílico, “um lobo por [ou para] Ares” ou “um lobo no combate”.

Apesar de quase todos os nomes de guerreiros menores possuírem um significado positivo, que seriam “nomes de desejo”, ou seja, nomes que buscam transmitir à criança votos de boa sorte e que refletem características que se almeja que o portador tenha, há aqueles que podem atribuir ao seu portador uma característica negativa, como Deíoco (Δηΐοχος), que pode ser interpretado como “que carrega a hostilidade”, “que tem hostilidade”, Elefenor (Ἐλεφήνωρ, “enganador”, “que engana o homem”) e Mérmero (Μέρμερος, “funesto”). Há também nomes que podem ser entendidos tanto de maneira positiva como negativa, por exemplo Clônio (Κλονίος, “que tumultua”, “que perturba”, “aquele que leva a desordem”), que parece negativo, mas se relacionarmos seu significado ao tumulto natural do combate, talvez possa ser visto como um nome adequado a um guerreiro; e Harpalião (Ἁρπαλίων), que pode ser interpretado como “o amável”, “charmoso”, ou como “ambicioso”, “ávido”. Pensando pelo viés da onomástica histórica (isto é, da nomeação de pessoas reais), os antropônimos negativos, atribuídos tanto a gregos como a troianos, poderiam ser fruto do costume que podemos chamar de caconímia, que consiste em dar à criança um nome de sentido desfavorável para evitar a inveja de outros (Sulzberger, 1926, p. 412). Considerando, porém, uma função poética, a função dos nomes de sentido negativo poderia ser ajudar na construção do quadro de batalha, que então representaria os bons e os maus guerreiros.

Os nomes dos guerreiros menores nos catálogos de batalha

Nos poemas homéricos os catálogos têm a função de transmitir para a audiência a urgência e a dinamicidade da batalha, o que a narrativa detalhada não consegue fazer. Eles podem ser usados com quatro finalidades: 1) descrever os personagens do poema, apresentando detalhes sobre sua ascendência e seus feitos; 2) resumir e dinamizar uma ação sequencial, ou então fornecer uma visão geral de eventos simultâneos; 3) no caso dos catálogos das tropas, eles servem para prenunciar eventos futuros, já que eles são oferecidos antes de começar uma batalha; 4) aumentar o envolvimento da audiência na narrativa, uma vez que ao fornecer informações sobre os personagens, individualizando-os, é possível gerar simpatia ou antipatia por parte da audiência com relação àquele guerreiro.29

Através de uma lista, mesmo uma simples lista de nomes de heróis, um poeta pode multiplicar uma única imagem, ou uma única ação, várias vezes – e com grande economia. Uma lista, portanto, pode evocar o tumulto da batalha, o frenesi e a disputa. E na medida em que dá nomes aos rostos, ela individualiza os atores: esses guerreiros são gente (Minchin, 1996, p. 17).

Uma análise do significado dos nomes de guerreiros menores presentes em listas de batalhas mostra que eles frequentemente evocam a guerra e o combate – com significados ligados ao valor guerreiro, ao comando ou à habilidade com cavalos, por exemplo –, sendo muitas vezes concebidos como um elogio aos seus portadores (Kanavou, 2015, p. 135). Veja-se por exemplo a seguinte cena:

320[Diomedes] Falou; e do carro atirou Timbreu ao chão, atingindo-o
com a lança no mamilo esquerdo. E Odisseu matou
Molíon, o divino escudeiro daquele soberano.
Deixaram-nos onde estavam, tendo-lhes cerceado o combate,
e puseram-se a criar confusão na turba, como quando
325dois javalis destemidos se atiram aos cães de caça.
Deste modo eles se viraram contra os troianos e os mataram.
E os aqueus que fugiam do divino Heitor respiraram melhor.
Tomaram então um carro com dois homens, os melhores do povo,
ambos filhos de Mérops de Percote; ele que acima de todos
330era perito na adivinhação e não queria que os filhos fossem
para a guerra aniquiladora de homens; mas os dois não deram
ouvidos ao pai, pois o destino da negra morte os levava.
A estes tirou o sopro e a vida o Tidida, Diomedes famoso
pela sua lança, e despojou-os das armas famigeradas.
335E Odisseu matou Hipódamo e Hipíroco.
Foi então que, equável, o Crônida lhes estendeu o combate,
olhando do Ida. E eles iam se matando uns aos outros.
O filho de Tideu feriu com a arremetida da sua lança
Agástrofo, herói Peônida, na anca; os cavalos não estavam
340perto para que pudesse fugir, pois o ânimo se lhe obnubilara;
é que o escudeiro mantinha-os longe, enquanto ele combatia
como peão entre os dianteiros, até perder a vida amada.30

Molíon (Μολίων) costuma ser interpretado como a forma curta de algum nome derivado de μολεῖν (‘vir’), daí “o que avança”, “o que ataca”, ou então “corredor” (caso seja derivado de *μόλος, ‘corredor’). Hipódamo (Ἱππόδαμος) é interpretado como “domador de cavalos”, e Agástrofo (Ἀγάστροφος) pode ser interpretado como “que se vira muito”, “muito ágil nos movimentos”. Os guerreiros aqui mencionados apenas como filhos de Mérops são Adresto e Ânfio (Ἄδρηστος e Ἄμφιος; Il. II, 830-831): o primeiro nome poderia ser “aquele de quem não se pode escapar” ou “aquele que não tenta escapar”;31 já Ἄμφιος é considerado uma forma abreviada de algum nome composto, talvez Ἀμφιδάμας (Anfidamante, “aquele que domina tudo em torno”, “que reina com vasto poder”), Ἀμφίμαχος (Anfímaco, “aquele que combate muito”) ou então Ἀμφιάραος (Anfiarau) que talvez não seja um nome elogioso, já que pode ser interpretado como “aquele que suplica por alguém” ou “amaldiçoado por muitos”. Não parece ser elogioso também o nome Hipíroco (Ὑπείροχος), que, composto por ὑπερ-, poderia denunciar um caráter excessivo; Timbreu, conforme já foi mencionado, é aparentemente um étnico, derivado de Timbra, uma cidade na Trôade.

Uma das possíveis razões para os nomes dos guerreiros terem um significado muitas vezes elogioso seria o fato de que assim evidencia-se ainda mais a glória do herói que os mata: este vence um guerreiro que, além de merecer ser nomeado, carrega em seu nome uma característica importante no meio heroico, como a força guerreira, a agilidade ou a velocidade, e, como muitos dos guerreiros da Ilíada são nobres – príncipes ou provêm de famílias poderosas –, há nomes que evocam uma posição de comando ou nobreza. Mas esses nomes podem ter também uma função poética, servindo para dar dinâmica às cenas de batalha, ilustrando-as. Veja-se como exemplo a passagem XI, 320-342, citada acima: temos nela nomes de guerreiros que desempenham diversas funções necessárias no campo de batalha – há o que ataca, o que doma os cavalos, o que é ágil. Outra lista que demonstra bem essa imagem da cena de batalha formada pelos nomes está em XII, 182-194, em que são mencionados os guerreiros Dâmaso (Δάμασος, “domador”, “conquistador”), Pílon (Πύλων, “que fecha as portas”), Órmeno (Ὄρμενος, “que se lança na batalha”), Hipômaco (Ἱππόμαχος, “que combate a cavalo”), Antífates (Ἀντιφάτης, “que mata em resposta”), Ménon (Μένων, “dotado de força” ou “que resiste ao exército”, “que resiste ao inimigo”), Iámeno (Ἰαμενός, “o que cura”) e Orestes (Ὀρέστης, “montanhês”).

O efeito dos nomes aqui é duplo: pela abundância em que aparecem, ilustram vividamente o tumulto no campo de batalha, ao mesmo tempo que falam de ataques e assaltos, de resistir, derrotar e matar, de dividir os despojos e do rugido que antecede a luta, bem como de dirigir os carros e cavalos, e assim criar de forma eloquente um quadro dos acontecimentos da batalha (Kamptz, 1982, § 11e [p. 39]).

Note-se ainda que em ambas as listas citadas há um nome que remete a um topônimo ou um tipo de região. Conforme já foi dito, esses antropônimos podem ligar os guerreiros aos lugares de onde eles vêm, sendo talvez uma homenagem aos rios, lugares e povos que parecem ter baseado sua nomeação, mas é possível que a sua presença numa lista ou cena de batalha represente os contingentes, evocando cidades e regiões de onde vêm os guerreiros. Assim, parece haver, no fundo, uma dimensão geopolítica, pois a guerra redesenha as relações entre os povos e os lugares conhecidos pelo poeta.

Conclusão

Já se sabe que muitos dos guerreiros menores aparecem na Ilíada apenas uma vez, normalmente no momento de sua morte, e há poucas informações a seu respeito – muitas vezes a única informação é o nome. Entre esses guerreiros há aqueles que parecem portar um nome significativo, ou seja, cujo sentido pode ser inferido a partir do contexto, e aqueles que parecem possuir um nome de significado “genérico”, que em geral reflete algum valor heroico, mas é adequado em princípio a qualquer guerreiro, independentemente das circunstâncias de sua atuação. Esses nomes significativos – ou seja, que poderiam refletir alguma característica de seu portador ou cujo significado pode ser relacionado ao contexto – são os chamados “nomes falantes”; sua função na Ilíada pode ser reforçar a ideia que se tem de um personagem (no caso de figuras tradicionais, da tradição mítica), ou a ideia que o poeta parece querer que a audiência tenha de um guerreiro (para as figuras ficcionais, da tradição iliádica).32 Eles podem estar relacionados a algum acontecimento da vida de seu portador (por exemplo seu lugar de nascimento), ou podem ainda antecipar um evento que acontecerá na vida dele. Note-se, porém, que isso não vale para a nomeação histórica (isto é, a nomeação de pessoas reais), uma vez que nesta não seria possível nomear uma pessoa por algo que ela fará na idade adulta, enquanto na heroica isso não só é possível, mas, ao que parece, usual. Nesses casos, “desenvolver a concepção apropriada é apenas uma questão de imaginação mítica” (Kamptz, 1982, § 10c [p. 30]).

Por um lado, podemos pensar que a escolha dos nomes “genéricos” no poema se deveria a uma adequação à métrica, e que seu significado serviria apenas para compor a batalha, em que estariam representados os diferentes tipos de guerreiros e suas ações. Por outro lado, se considerarmos que o nome próprio do guerreiro é por si só uma informação, então pode ser levantada a hipótese de que quando o poema não explicita na narrativa as características dos guerreiros menores que ele nomeia, elas já poderiam vir refletidas no antropônimo em si. O poema não diz expressamente, numa descrição dos personagens, que o guerreiro Xanto (Ξάνθος) é loiro, nem que Agelau é um líder de tropas, nem que Equepolo (Ἐχέπωλος) possui potros, nem que os guerreiros chamados Biante (Βίας) são violentos, mas seus nomes dizem isso, e, sendo o nome próprio uma informação sobre seu portador, evidenciando alguma característica sua, então muitos nomes interpretados como “genéricos”, mesmo os mais vagos, poderiam ser nomes falantes que descrevem seu portador. Desse modo, deveria ser considerada na classificação dos nomes a categoria dos nomes descritivos, que parte da concepção de nome como informação, como algo que complementa a descrição do seu portador – sendo às vezes o único dado sobre ele. Embora os nomes descritivos pareçam genéricos à primeira vista, seriam na realidade nomes falantes que não dependeriam de outras características de seus portadores para serem relacionados a eles, porque eles conteriam em seu significado uma característica.

Em resumo, pode-se afirmar que este tipo de uso e interpretação dos nomes pessoais por Homero não é só um sinal de grande habilidade poética, como também mostra a consciência do simbolismo do nome naquela sociedade. Toda a interpretação de um nome pessoal, desde a que consiste na similaridade auditiva total ou repetição, até a que exige uma conexão semântica entre as palavras, faz com que tenhamos uma compreensão melhor e mais profunda do indivíduo que tem esse nome e da sociedade que o criou (Liović, 2012, p. 14.)

Enquanto o significado de alguns desses nomes é transparente e facilmente inferido, outros são de difícil interpretação, principalmente para o leitor moderno, não só por não possuir as mesmas informações que possuiria a audiência de Homero, mas também porque aquilo que poderíamos chamar de cultura moderna da onomástica não segue, no geral, os mesmos princípios nem tem as mesmas motivações dos antigos, muito embora certos comportamentos comuns na atribuição de nomes possam ser detectados. No geral, ainda somos, hoje, apegados à ideia de que os nomes “falam”, principalmente para expressar um desejo dos pais com relação aos filhos, mas a relação com o passado se mantém antes na forma da ruptura do que na da continuidade, como mostra o acréscimo de elementos como “Filho”, “Júnior” ou “Neto”, que ao mesmo tempo em que preservam na memória um portador “original” do nome, garantem o traço de uma singularidade.

Considera-se em geral que os nomes dos guerreiros menores da Ilíada podem ser trocados e alterados sem prejuízos ao texto, já que eles seriam aleatórios ou determinados apenas conforme um critério fônico, em atenção à expectativa métrica. Mas esse pensamento parece não levar em conta o significado dos nomes, as relações que podem ser feitas, por exemplo, entre vítimas e matadores, e nem a função que eles parecem ter de construir uma ilustração das cenas de batalha, em que diversos guerreiros desempenham diferentes funções ou ações. Os nomes dos guerreiros menores podem não ser, em geral, tradicionais, porém não me parecem imotivados e nem facilmente intercambiáveis; muitos deles talvez só pudessem ser substituídos por nomes que fossem, ao mesmo tempo, equivalentes métricos e semânticos. O que vemos é que o papel dos antropônimos em Homero vai além de simplesmente nomear; ele também confere à pessoa nomeada uma característica que ela deve assumir para se tornar plenamente ela mesma, como se ela fosse chamada a cumprir o destino que seu nome implica.

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Notas

1 Neste trabalho a mitologia é entendida como um conjunto de mitos, isto é, de narrativas tradicionais sobre deuses e heróis, ou sobre a origem do mundo. Sobre isso, ver Burkert (1991); Vernant (1992) (em especial o capítulo “Razões do mito”). Sobre essa tradição aédica, veja-se, por exemplo, Reece (2015); Burgess (2006).
2 Sobre a “glória imortal”, veja-se o artigo “A bela morte e o cadáver ultrajado”, de Jean-Pierre Vernant (1978).
3 Vale lembrar aqui, inclusive, do episódio do Ciclope na Odisseia, quando Odisseu, tendo conseguido escapar, revela seu nome a Polifemo, dizendo-lhe que “se algum homem mortal te perguntar/ quem foi que vergonhosamente te cegou o olho,/ diz que foi Odisseu, Saqueador de Cidades,/ filho de Laertes, que em Ítaca tem seu palácio” (Homero, Odisseia, IX, 502-505, tradução de Frederico Lourenço), para promover a sua glória (cf. Heubeck; Hoekstra, 1989, p. 39). Salvo indicação contrária, todos os trechos dos poemas homéricos citados foram retirados das traduções de Frederico Lourenço.
4 Há, porém, guerreiros que podemos considerar como “menores”, mas que têm uma presença estabelecida na tradição. Pode ser citado como exemplo Macáon, que apesar de ter alguma presença na tradição posterior (segundo consta na Pequena Ilíada (v. 213-214) por exemplo, é ele que cura a ferida de Filoctetes [segundo Apolodoro, porém, é Podalírio que cura Filoctetes [Epítome, V, 8], tem uma participação muito pequena na Ilíada: ele não tem fala alguma no poema, mesmo estando presente num número considerável de episódios; ele apenas figura nas cenas de batalha.
5 Veja-se, por exemplo, Higbie (1995); Peradotto (1990, cap. 4. p. 94-119).
6 As informações presentes nesta seção foram retiradas principalmente de Benveniste (1948); Bouvier (2002); Kamptz (1982); Finkelberg (2011); Kanavou (2015); Masson (2008); Wathelet (1988 e 1989).
7 Os nomes dos guerreiros foram transliterados para a língua portuguesa de acordo com as normas sugeridas por Maria Helena de Teves Costa Ureña Prieto, Maria Isabel Greck Torres e Cristina Maria Negrão Abranches na obra Do grego e do latim ao português (1991).
8 Um esclarecimento sobre o uso das aspas simples e duplas adotado neste artigo: a tradução dos termos da língua grega vem entre aspas simples (p. ex. κοίρανος, ‘rei’); a tradução dos antropônimos vem entre aspas duplas (p. ex. Πρόθοος, “que corre adiante”; Νιρεύς, “brilhante”, “belo”).
9 São exemplos os irmãos Adresto e Ânfio (Ἄδρηστος e Ἄμφιος), cuja morte pelas mãos de Diomedes pode ter sido retirada de mitos anteriores envolvendo Tideu, pois o avô materno de Diomedes se chamava Adrasto (cf. Il. XIV, 121-124) e tinha uma ligação com um personagem chamado Anfiarau (Ἀμφιάραος, sendo Ἄμφιος possivelmente a forma curta do nome Ἀμφιάραος), que era um adivinho, segundo consta em Apolodoro (Bibl. I, 9, 13; III, 6, 2). De modo semelhante pode haver um eco dos conflitos de Diomedes (e de Tideu) com Tebas na morte de Eniopeu (Ἠνιοπεύς) pelas mãos do Tidida (Apolodoro, Biblioteca, III, 6, 3; III, 7, 2), eco sugerido no nome do pai de Eniopeu, Tebeu. Outro caso semelhante é o da morte de Alcmáon (Ἀλκμάων), filho de Testor, pelas mãos de Sarpédon, que pode ter sido pensada de modo a refletir, a partir do nome de Testor, uma proximidade entre Apolo e Sarpédon, criando no poema um vínculo entre vítima e algoz.
10 Cf., por exemplo, Homero, Ilíada, XI, 67-73; XVI, 155-166; Platão, República, 416a-b.
11 Todos os antropônimos estudados neste artigo serão apresentados na forma do nominativo, mesmo que na Ilíada eles apareçam apenas em algum outro caso.
12 [...] ὃς κάλλιστος ἀνὴρ ὑπὸ Ἴλιον ἦλθε/ τῶν ἄλλων Δαναῶν μετ’ ἀμύμονα Πηλεΐωνα (Homero, Ilíada, II, 673-674).
13 [...] Στέντορι [...] χαλκεοφώνῳ,/ ὃς τόσον αὐδήσασχ’ ὅσον ἄλλοι πεντήκοντα (Homero, Ilíada, V, 785-786).
14 οὐδὲ μὲν οὐδὲ βίη Ὑπερήνορος ἱπποδάμοιο/ ἧς ἥβης ἀπόνηθ’, ὅτε μ’ ὤνατο καί μ’ ὑπέμεινε/ καί μ’ ἔφατ’ ἐν Δαναοῖσιν ἐλέγχιστον πολεμιστὴν/ ἔμμεναι (Homero, Ilíada, XVII, 24-27). Nesse caso, contudo, talvez caiba notar que a morte de Hiperenor é rapidamente descrita e essa suposta fala do guerreiro aparece apenas na boca de Menelau. Richard Janko (1985, v. IV, p. 224) comenta que por um lado seria improvável que Menelau tivesse matado dois guerreiros com o mesmo nome, mas que embora Aristarco (Arn./A) afirme que Hiperenor poderia ter dito isso e o poeta apenas não incluiu sua fala, esta seria mais adequada ao vencedor do que ao vencido. Se Menelau tivesse matado dois guerreiros chamados Hiperenor, justamente a morte que ele comenta em XVII, 24-27 não teria sido sequer mencionada antes. Ainda conforme Janko, “Hiperenor é uma mera cifra, cuja morte é elaborada sem total consistência para se adequar à necessidade de Menelau no livro 17”.
15 Cf. Crespo (2004-2005, p. 35-36); Hainsworth (1985, v, III, p. 263).
16 Cf. por exemplo III, 106 (fala de Menelau); IV, 176 (fala de Agamêmnon); XIII, 258 (fala de Meríones); XXI, 459 (fala de Hera). Note-se também que há um guerreiro grego de nome Ὑψήνωρ (Hipsénor).
17 Em II, 746, por exemplo, o narrador usa o adjetivo para qualificar Ceneu, avô do grego Leonteu; em V, 77 ele é usado para Dolópio, pai do troiano Hipsénor; em XV, 576 ele define o troiano Melanipo, e em XXIII, 302 ele qualifica Antíloco. Em todos esses casos o sentido de ὑπέρθυμος pode ser positivo ou negativo, não há como definir com certeza, mas em princípio não haveria motivo para ser negativo; o contexto, ao menos, não indica uma razão.
18 O verso Τρῶες ὑπέρθυμοι τηλεκλειτοί τ’ ἐπίκουροι, por exemplo, aparece três vezes na Ilíada: em VI, 111, numa fala de Heitor em que ele exorta os troianos e seus aliados para a batalha; em IX, 233, quando Odisseu, explicando a Aquiles a situação da batalha, diz que os troianos já se aproximavam das naus gregas; e em XI, 564, quando o narrador conta como os troianos acossavam Ájax Telamônio. No primeiro caso o adjetivo obviamente tem sentido positivo (“troianos corajosos e famosos aliados”); enquanto no segundo e no terceiro caso ele pode ser elogioso – esses versos poderiam exprimir um reconhecimento da coragem dos troianos tanto pela parte de Odisseu como do narrador –, ou negativo, ressaltando algum caráter excessivo dos troianos na batalha. Já na fala de Atena em XV, 135-136 (αὐτίκα γὰρ Τρῶας μὲν ὑπερθύμους καὶ Ἀχαιοὺς/ λείψει – “pois imediatamente [Zeus] soberbos Troianos e Aqueus/ deixará”) certamente o sentido de ὑπέρθυμος é negativo, visto que Atena era inimiga dos troianos. É semelhante o uso de ὑπέρθυμος para Diomedes: em IV, 365, quando Agamêmnon passa as tropas em revista, o narrador diz que o Atrida encontrou o Τυδέος υἱὸν ὑπέρθυμον Διομήδεα, com um sentido provavelmente positivo – “filho de Tideu, [o] corajoso Diomedes”. Já em V, 376, quando Dione pergunta a Afrodite quem a feriu, esta diz que foi o Τυδέος υἱὸς ὑπέρθυμος Διομήδης, certamente “filho de Tideu, [o] excessivo Diomedes”.
19 Pode-se defender que uma vez que existe no grego o termo ὑπερήνωρ (‘orgulhoso’, ‘arrogante’, ‘prepotente’, ‘presunçoso’), o nome Hiperenor (Ὑπερήνωρ) teria o mesmo significado, mas existe também na língua grega o termo ὑπέροχος (épico ὑπείροχος, ‘proeminente’, ’que se distingue acima dos outros’, ‘superior’), mas tende-se a interpretar o nome Ὑπείροχος (Hipíroco) como “excessivo”. Há diversos nomes de guerreiros menores que são graficamente idênticos ou semelhantes a termos existentes na língua grega, e nem sempre a interpretação do antropônimo parte ou se aproxima necessariamente da palavra, uma vez que aceita-se em geral que termos semelhantes podem ter origens etimológicas diferentes. Um exemplo é o nome Afareu (Ἀφαρεύς), cuja grafia é idêntica à do termo ἀφαρεύς (que designa a ‘nadadeira sob o ventre do atum fêmea’ [Liddell; Scott, 1883, s.v. ἀφαρεύς]), mas não costuma ser levantada a possibilidade de eles terem relação e nem a mesma etimologia: Ἀφαρεύς seria derivado de Φαραί (Φεραί e Φηραί), o que poderia sugerir a origem do guerreiro, ou do advérbio ἄφαρ (‘imediatamente’, ‘subitamente’, ‘inesperadamente’), e assim o nome poderia ser interpretado talvez como “o inesperado”. A etimologia de ἀφαρεύς, por sua vez, é incerta: Pierre Chantraine (1999, s. v. ἄφαρ) sugere uma relação com ἄφαρ, mas Robert Beekes (2010, s.v. ἀφαρεύς) considera essa relação incompreensível. Jean-Louis Perpillou (1973, § 98 [p. 106-107]) defende que o termo não designaria a nadadeira do atum fêmea, mas não oferece outro significado e considera a estrutura do termo obscura.
20 O termo ἀνδρεία não é usado em Homero, apenas ἠνορέη, que é o termo poético para ἀνδρεία (Liddell; Scott, 1883, s.v. ἠνορέη).
21 Cabe reforçar aqui a questão de que a interpretação dos antropônimos nem sempre parte da interpretação do termo do qual eles podem derivar.
22 Segundo Estrabão (Geografia, XII, 4, 5), existiam duas regiões chamadas Ascânia, uma na Frígia e outra na Mísia. Ascânio e Fórcis (Ἀσκάνιος e Φόρκυς) teriam vindo da Ascânia frígia, por ser mais longe de Troia, enquanto Pálmis, Ascânio e Móris (Πάλμυς, Ἀσκάνιος e Μόρυς) seriam da Ascânia mísia, por ser mais perto, como sugere o próprio poema ao dizer que eles teriam vindo em auxílio dos troianos no dia anterior – e é isso também que sugere que seriam dois Ἀσκάνιος diferentes (Wathelet, 1988, s.v. Ἀσκάνιος I e II).
23 Note-se que além de o nome desse personagem ser falante por si só, há na passagem em que ele aparece um jogo de palavras: καὶ τοῦ μέν ῥ’ ἀφάμαρτεν, ὃ δ’ ἡνίοχον θεράποντα/ υἱὸν ὑπερθύμου Θηβαίου Ἠνιοπῆα/ ἵππων ἡνί’ ἔχοντα βάλε στῆθος παρὰ μαζόν (Homero, Ilíada, VIII, 119-121. Grifos meus [“não o atingiu, mas ao auriga escudeiro,/ Eniopeu, filho do soberbo Tebeu,/ [Diomedes] atingiu no peito junto ao mamilo enquanto segurava as rédeas”. Tradução de Frederico Lourenço, ligeiramente modificada]). É visível aqui um eco sonoro e semântico entre o antropônimo Ἠνιοπεύς, formado por ἡνία (‘rédea’) e ἕπω (‘se ocupar de’), e a construção ἡνί’ ἔχοντα (“segurando as rédeas”), que se aproxima do significado do nome. É levantada também a possibilidade de que o segundo elemento que compõe o nome seja ὄψ [‘ver’], daí “o que vê as rédeas”.
24 Cf. Kanavou (2015, p. 134); Sulzberger (1926, p. 384).
25 No caso de Prítanis, existe a possibilidade de ele se referir não ao personagem que carrega esse nome, mas a Odisseu, que é quem o mata.
26 Os nomes em ἵππος são atribuídos principalmente a troianos, que seriam os “domadores de cavalos” (ἱππόδαμοι). Note-se que há inclusive um guerreiro troiano chamado Hipodamante (Ἱπποδάμας, “que doma os cavalos”).
27 A outra possibilidade é o nome vir do adjetivo δῖος (‘divino’, ‘maravilhoso’).
28 Embora os dicionários (como o de A. Bailly e o de Liddell e Scott) não forneçam o substantivo Ἄρης, apenas o teônimo, Georg Autenrieth (1895, s.v. Ἄρης) lembra que “o nome de Ares é usado por personificação (embora não seja escrito com inicial maiúscula em algumas edições) para seu elemento, batalha, combate” (cf. Il. II, 381, 385, 440).
29 Cf. Gaertner (2001); Minchin (1996).
30 Ἦ καὶ Θυμβραῖον μὲν ἀφʼ ἵππων ὦσε χαμᾶζε/ δουρὶ βαλὼν κατὰ μαζὸν ἀριστερόν· αὐτὰρ Ὀδυσσεὺς/ ἀντίθεον θεράποντα Μολίονα τοῖο ἄνακτος./ τοὺς μὲν ἔπειτʼ εἴασαν, ἐπεὶ πολέμου ἀπέπαυσαν·/ τὼ δ’ ἀνʼ ὅμιλον ἰόντε κυδοίμεον, ὡς ὅτε κάπρω/ ἐν κυσὶ θηρευτῇσι μέγα φρονέοντε πέσητον·/ ὣς ὄλεκον Τρῶας πάλιν ὀρμένω· αὐτὰρ Ἀχαιοὶ/ ἀσπασίως φεύγοντες ἀνέπνεον Ἕκτορα δῖον./ Ἔνθʼ ἑλέτην δίφρόν τε καὶ ἀνέρε δήμου ἀρίστω/ υἷε δύω Μέροπος Περκωσίου, ὃς περὶ πάντων/ ᾔδεε μαντοσύνας, οὐδὲ οὓς παῖδας ἔασκε/ στείχειν ἐς πόλεμον φθισήνορα· τὼ δέ οἱ οὔ τι/ πειθέσθην· κῆρες γὰρ ἄγον μέλανος θανάτοιο./ τοὺς μὲν Τυδεΐδης δουρικλειτὸς Διομήδης/ θυμοῦ καὶ ψυχῆς κεκαδὼν κλυτὰ τεύχεʼ ἀπηύρα·/ Ἱππόδαμον δ’ Ὀδυσεὺς καὶ Ὑπείροχον ἐξενάριξεν./ Ἔνθά σφιν κατὰ ἶσα μάχην ἐτάνυσσε Κρονίων/ ἐξ Ἴδης καθορῶν· τοὶ δ’ ἀλλήλους ἐνάριζον./ ἤτοι Τυδέος υἱὸς Ἀγάστροφον οὔτασε δουρὶ/ Παιονίδην ἥρωα κατʼ ἰσχίον· οὐ δέ οἱ ἵπποι/ ἐγγὺς ἔσαν προφυγεῖν, ἀάσατο δὲ μέγα θυμῷ./ τοὺς μὲν γὰρ θεράπων ἀπάνευθʼ ἔχεν, αὐτὰρ ὃ πεζὸς/ θῦνε διὰ προμάχων, εἷος φίλον ὤλεσε θυμόν (Homero, Ilíada, XI, 320-342. Tradução de Frederico Lourenço, ligeiramente modificada).
31 É possível também que, no caso do Adresto em questão (há três guerreiros com esse nome na Ilíada; cf. VI, 37 e XVI, 694), o nome derive do topônimo Adresteia (Ἀδρήστεια), cidade da qual o guerreiro viria (cf. II, 827-834).
32 Consideramos aqui que as figuras tradicionais são as que aparecem fora dos poemas homéricos, em contextos que permitem a identificação com o contexto homérico, e as ficcionais são aquelas que estão apenas nos poemas homéricos, ou sobre as quais existem poucas informações, mesmo que sejam mencionadas em outras fontes (como Apolodoro ou nos poemas do Ciclo Épico). São, basicamente, os guerreiros menores.
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