Dossiê temático: Resolução de Conflitos e Literatura Clássica / Special Issue: Conflict Resolution and Classical Literature

Paz através do esporte: das fontes antigas à prática moderna1

Peace through sport: from ancient sources to modern practice

Jacques Albert Bromberg
University of Pittsburgh, Pittsburgh, Pennsylvania, USA, Estados Unidos de América

Paz através do esporte: das fontes antigas à prática moderna1

Classica - Revista Brasileira de Estudos Clássicos, vol. 36, pp. 1-28, 2023

Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos

Recepción: 29 Agosto 2022

Aprobación: 12 Septiembre 2022

Resumo: Neste artigo, advogo pela relevância e utilidade de materiais e fontes antigas na teorização e implementação de métodos contemporâneos de construção da paz. Em particular, concentro-me no emprego duradouro de esportes e atletismo como ferramentas para a transição de combatentes de tempos de guerra para tempos de paz, para mitigar as consequências sociais negativas da guerra e para desenvolver uma comunidade transnacional resiliente e interconectada. Extraio exemplos de fontes materiais bem documentadas do atletismo grego antigo para fazer conexões entre as práticas antiga e moderna, extraindo lições úteis para os praticantes de hoje. Ao oferecer comparações transculturais de abordagens de resolução de conflitos por meio da competição atlética, este artigo contribui também para os debates sobre a ética do uso do esporte como ferramenta intervencionista em sociedades pós-conflito e demonstra os benefícios de se ter uma longa visão histórica sobre as questões globais.

Palavras-chave: Atletismo, Esporte, Construção da paz, Jogos Olímpicos, Trégua Olímpica.

Abstract: In this article, I advocate for the relevance and utility of ancient materials and sources in theorizing and implementing contemporary peace building methods. In particular, I focus on the enduring use of sports and athletics as tools for transitioning combatants from wartime to peacetime, for mitigating the negative social consequences of warfare, and for developing a resilient, interconnected transnational community. I draw examples from well-documented source materials of ancient Greek athletics in order to make connections between ancient and modern practice and to draw useful lessons for today’s practitioners. By offering transcultural comparisons of approaches to conflict resolution through athletic competition, this article contributes also to debates about the ethics of using sport as an interventionist tool in post-conflict societies and demonstrates the benefits of taking a long historical view of global issues.

Keywords: Athletics, Sport, Peace building, Olympic Games, Olympic truce.

Introdução

Neste artigo, advogo pela relevância e utilidade de materiais e fontes antigas na teorização e implementação de métodos contemporâneos de construção da paz. Em particular, concentro-me no emprego duradouro de esportes e atletismo como ferramentas para a transição de combatentes de tempos de guerra para tempos de paz, a fim de mitigar as consequências sociais negativas da guerra e desenvolver uma comunidade transnacional tanto resiliente como interconectada. Extraímos exemplos de fontes materiais bem documentadas do atletismo grego antigo para fazer conexões entre as práticas antiga e moderna, extraindo lições úteis para os praticantes de hoje. Ao oferecer comparações transculturais de abordagens de resolução de conflitos por meio da competição atlética, este artigo contribui também para os debates sobre a ética do uso do esporte como ferramenta intervencionista em sociedades pós-conflito e demonstra os benefícios de se ter uma longa visão histórica sobre as questões globais.

Os helenos certamente não eram únicos na história das civilizações mundiais, seja por estarem mais ou menos constantemente em guerra uns com os outros, seja por desenvolverem mecanismos e estratégias de enfrentamento por meio do atletismo para lidar com os traumas de guerra, a síndrome do sobrevivente e a miríade de patologias provocadas pelo conflito e pelas experiências de guerra. No entanto, é fácil ver que a cultura atlética grega tem desfrutado de um status especial nas filosofias modernas, tanto do esporte como da paz. Esse status se deve em parte ao lugar privilegiado da antiguidade “greco-romana” na hierarquia tradicional das histórias culturais do mundo. Isso se deve em maior grau, embora de modo semelhante, à influência da filosofia do “Olimpismo”, que desde suas origens no século XIX tem invocado o antigo Festival Olímpico como um exemplo poderoso, se idealizado, de como o esporte deveria promover relações sociais pacíficas. Estudiosos clássicos iluminaram como a mitologia de uma antiga “Trégua Olímpica” (ekecheiría) ressurgiu no século XX como uma poderosa ferramenta retórica e ideológica para promover a paz através do esporte (Bromberg, 2020). Essa mitologia está consagrada especialmente nos relatos influentes das origens dos jogos, escritos nos séculos V e IV AEC. Enraizadas no solo sangrento da Guerra do Peloponeso (431-404 AEC) – um conflito de gerações de brutalidade singular entre as principais potências do mundo de língua grega – as histórias escritas por Górgias, Lísias e Isócrates sobre as antigas origens dos Festivais Olímpicos, todas enfatizam as fundações lendárias dos festivais e suas habilidades de reunir antigos rivais em paz e em unanimidade. No relato mitológico de Lísias, Héracles fundou o Festival Olímpico acreditando que “o encontro aqui seria o início de uma amizade mútua entre os gregos” (ἡγήσατο γὰρ τὸν ἐνθάδε σύλλογον ἀρχὴν γενήσεσθαι τοῖς Ἕλλησι τῆς πρὸς ἀλλήλους φιλίας, Lys. 33.2; Volonaki, 2011). A expressão mais famosa deste sentimento aparece no Panegírico de Isócrates, que afirma:

[...] tendo feito tratados uns com os outros e resolvido nossas hostilidades pendentes, nos reunimos no mesmo lugar, onde, enquanto fazemos nossas orações e sacrifícios em comum, somos lembrados do parentesco que existe entre nós, e somos levados a sermos mais gentis uns com os outros no futuro, revivendo nossas velhas amizades e estabelecendo novos laços. (Isoc. Paneg. 43).

Os textos contemporâneos ecoam esse sentimento de que o Festival de Atletismo Olímpico e, especialmente, a Trégua Olímpica (ekecheiría) promoveram a construção da paz e a resolução de conflitos entre as cidades gregas em guerra. A mesma narrativa é preservada séculos depois na obra de Flégon de Trales, um liberto de Adriano que escreveu uma história dos Jogos através da 229ª Olimpíada (140 EC). Flégon caracteriza o impulso de reviver os jogos na antiguidade como um desejo de “restaurar a unanimidade (ὁμόνοιαν) e a paz (εἰρήνην) entre o povo novamente” (Flégon de Trales, fr. 1.2-4; Raubitschek, 1988, p. 35-6).2

Esses textos têm exercido uma ampla e profunda influência desde a antiguidade, sobre historiadores e filósofos do esporte, atletas, treinadores, patronos e torcedores, bem como sobre gestores públicos, agentes não-governamentais e praticantes. Pierre de Coubertin, uma das figuras fundadoras das Olimpíadas modernas, acreditava que o esporte e a competição internacional estavam entre os meios mais eficazes para superar mal-entendidos entre as nações e, consequentemente, evitar guerras futuras (Bromberg, 2021b). Sua impressão da trégua olímpica está consagrada tanto na carta do Comitê Olímpico Internacional (doravante, “COI”) como na resolução 48/11 das Nações Unidas (25 de outubro de 1993), que reconheceu os esforços do COI “para restaurar a antiga tradição grega da ekecheiría, ou Trégua Olímpica, no interesse de contribuir para o entendimento internacional e para a manutenção da paz”.3 Porém, mesmo além do Olimpismo e da retórica olímpica internacional, para os quais o discurso de paz e de resolução de conflitos continua a desempenhar um papel significativo, a busca pela paz é talvez o valor mais difundido e consolidado na cultura esportiva global de hoje.

A resistência e a popularidade desse ideal são particularmente visíveis na rápida adoção do esporte como uma ferramenta intervencionista em cenários de pós-conflito em todo o norte e sul do globo ao longo dos últimos trinta anos. Há uma década, o setor do Esporte para o Desenvolvimento e a Paz (doravante, “EDP”) experimentou um enorme crescimento, com número de projetos globais de EDP estimado em milhares.4 Juntamente com inúmeras organizações e programas que agora existem em todo o mundo, uma série considerável de estudos acadêmicos foi realizada e publicada em várias áreas do conhecimento, especialmente em sociologia, antropologia e ciência política. Desde 2013, o Journal of Sport for Development vem publicando estudos de caso, promovendo o conhecimento e divulgando as melhores práticas para pesquisadores, profissionais e legisladores de políticas no setor de EDP. No mesmo ano, uma resolução da Assembleia Geral da ONU (67/296, 23 de agosto de 2013) estabeleceu o dia 6 de abril como o “Dia Internacional do Esporte para o Desenvolvimento e pela Paz” (DIEDP).5 A data foi escolhida por sua ligação histórica com o dia da abertura dos Jogos Olímpicos de 1896 em Atenas. Com mais de 180 nações participantes desde 2014, a campanha de 6 de abril reflete a rede global de apoio aos programas EDP, que inclui não apenas organizações esportivas nacionais e internacionais, escolas e universidades, governos, organizações governamentais supranacionais (como as Nações Unidas) e organizações não-governamentais (ONGs).

Desde essa época, porém, historiadores antigos apontam que mesmo um milênio de Trégua Olímpica na antiguidade parece ter sido insuficiente para evitar a guerra entre os povos, e que a cultura atlética (incluindo a cultura do festival atlético) esteve entrelaçada com a cultura militar ao longo da história dos jogos antigos. Para cada historiador que caracteriza a trégua como “o cessar das hostilidades em toda a Grécia enquanto o festival estava acontecendo”, outro observa que “a guerra dificilmente teria sido possível”, se as hostilidades em torno da Grécia realmente cessassem cada vez que uma das antigas competições invocasse a “trégua sagrada” (Spivey, 2004, p. 189-90; Harris, 1964, p. 156).7 Na história das guerras do século XX, que não mostrou sinais de atenuação no século XXI, o desenvolvimento do Olimpismo não dialoga com alguns dos conflitos mais sangrentos da história, e os Jogos foram cancelados pela guerra (1916, 1940, 1944) ou se tornaram alvo de terrorismo (1972, 1996). Ao mesmo tempo, observa-se há muito tempo que a tensão entre o COI (que reforça a paz, a compreensão e a solidariedade) e os respectivos Comitês Olímpicos Nacionais (“CON”, que privilegiam os interesses nacionais) deixa o esporte internacional vulnerável à crise. “Os interesses nacionais no esporte internacional dificilmente são definidos em termos do bem comum”, escreveu Kalevi Heinilä em um artigo no auge da Guerra Fria: “Em vez disso, eles são enquadrados em termos de vitória e sucesso” (Heinilä, 1985, p. 242). Com base em um estudo piloto sobre essas orientações de valor concorrentes, Heinilä previu que o crescimento da popularidade e visibilidade da competição atlética internacional levaria mais nações a se mobilizarem e a investirem seus recursos disponíveis para alcançar a vitória e o sucesso. Essa característica do esporte internacional coloca em questão a popular e antiga visão idealizada de que eventos esportivos globais como as Olimpíadas “unem o mundo”.8

Levando em conta essas considerações, seria fácil concluir que, até agora, a visão do COI para a paz internacional através do esporte tem sido um fracasso. Contudo, essa conclusão é, como argumentaremos, injusta, e não apenas por causa dos casos em que o COI usou os Jogos para promover o bem-estar social.9 Essa visão pessimista do esporte internacional fortemente enfatiza as nações como os principais agentes na construção da paz e, nessa perspectiva, somente uma paz duradoura entre as nações seria um resultado satisfatório e bem-sucedido. Agora, para sermos justos com os expoentes dessa visão, Coubertin – que continua sendo, em muitos aspectos, um pensador influente entre filósofos olímpicos e que viveu as dolorosas décadas iniciais do nacionalismo europeu – ajudou a estabelecer essa pauta, defendendo o potencial pacificador do esporte em termos explicitamente nacionalistas:

Se [os Jogos Olímpicos retomados] prosperarem – como estou convencido de que, com a ajuda de todas as nações civilizadas, irão – serão um fator poderoso, ainda que indireto, para assegurar a paz universal. As guerras acontecem porque as nações não se compreendem. Não teremos paz até que os preconceitos que agora separam as diferentes raças sejam superados. Para atingir esse objetivo, qual meio melhor que reunir os jovens de todos os países periodicamente para provas amigáveis de força e agilidade? (Coubertin, 2000, p. 360, ênfase adicionada)10

Deixando de lado a fusão de nações e raças de Coubertin, sua visão para a paz através do esporte é apresentada nos termos característicos do século XIX (e do século XX) de conflito armado entre nações soberanas. E sua visão reflete as suposições das escolas reducionistas e “realistas” de relações internacionais: de que as nações (estados soberanos) são os principais agentes nos eventos mundiais, e que as nações são agentes unitários, falando com uma única voz e agindo em resposta a um único e unificado conjunto de interesses nacionais (Waltz, 1979, cap. 2). Tal perspectiva tem raízes antigas, especialmente na influente história escrita por Tucídides, centrada no Estado, sobre a Guerra do Peloponeso, e, talvez, em consequência disso, as críticas à antiga trégua olímpica (ekecheiría) feitas por historiadores e filósofos da antiguidade sobre o antigo esporte também revelem uma abordagem centrada no estado. Seus argumentos privilegiam a cidade-estado (pólis) como o único ponto de referência na cultura política da Grécia Antiga e o único agente significativo nas questões de guerra e paz. Com base na ênfase na pólis, no entanto, pouca atenção tem sido dada às maneiras pelas quais o atletismo pode ter funcionado em níveis diferentes da pólis como meio de construção da paz e resolução de conflitos.

Transcender a necessidade por “paz” para mirar na “paz entre as nações-estados”, e assumir assim uma visãotranslacional de múltipla escalada construção da paz e da resolução de conflitos, permite-nos acessar essas importantes funções e reformular debates sobre o potencial de construção de paz do esporte global. Este artigo explora a visão contrastante de que muitos dos resultados duradouros e impactantes de construção de paz pós-conflito ocorrem em outras escalas além da inter-nacional. Descentralizar a nação (ou a antiga pólis) da discussão sobre a resolução de conflitos pode, portanto, ser visto como parte de um projeto maior de reorientação das histórias culturais e políticas do início ao fim.11 No contexto do esporte, isso significa tirar o foco do papel hierárquico do COI, dos CONs, dos megaeventos esportivos (como as Olimpíadas e a Copa do Mundo) e dos atletas de nível mundial na formação da cultura global e focar, em vez disso, nos agentes locais e projetos de base, liderados por organizadores comunitários em resposta a necessidades e histórias específicas. Seus impactos podem ser reconhecidos, estudados e compartilhados em grande parte graças às ferramentas de mídia sociais dos praticantes de EDP, que destacam e enfatizam os esforços de indivíduos em comunidades locais, e à publicação desde 2013 do Journal of Sport for Development (JSD). Desde sua criação, o “Dia Internacional do Esporte para Desenvolvimento e pela Paz” (DIEDP) tem se promovido através da identificação de elementos do esporte que contribuem para os processos de construção da paz – o esporte transcende fronteiras culturais, linguísticas e geográficas; encoraja o trabalho em equipe, a justiça, a disciplina e o respeito pelos outros; controla ou redireciona as tendências violentas; e é economicamente viável e flexível:

O esporte pode ajudar a criar e consolidar interações humanas e melhorar as relações entre as partes em conflito. Portanto, o esporte e a construção da paz, em conjunto, implicam o valor central de desenvolver a qualidade das relações e de fortalecer a capacidade das pessoas de administrar conflitos e questões sociais de formas não-violentas. (Peace and Sport, 2021)12

O Dia Internacional do Esporte para Desenvolvimento e pela Paz oferece aos participantes ferramentas de mídias sociais para promover a campanha White Card, com sugestões de tweets dirigidos a diferentes públicos, como público geral, atletas, políticos et al. A edição de 2019 do Dia Internacional do Esporte para Desenvolvimento e pela Paz apresentou quase 800 projetos em mais de 180 países, através de eventos organizados localmente e registrados globalmente. Esse modelo organizacional sustenta a visão de que a promessa de paz através do esporte é possível em outras escalas além da internacional, nos muitos contextos em evolução para o esporte e o atletismo dentro e além das nações. Também demonstra a complexa interação entre os aspectos global e local (às vezes descrita como “glocalização”), que é uma das dinâmicas essenciais da globalização. Essas funções intra-nacionais e trans-nacionais do esporte, em contraste com a inter-nacional, são temas deste artigo.13 A minha tese é que programas comunitários hiperlocais refletem objetivos, métodos e resultados da cultura atlética antiga na construção da paz, e que uma análise comparativa de práticas antigas e modernas em resolução de conflitos através do esporte será mutuamente esclarecedora.

A linguagem do Dia Internacional do Esporte para o Desenvolvimento e pela Paz sobre a construção da paz (supracitada) faz alusão ao amplo entendimento de “paz” que surgiu em resposta ao trabalho de Johan Galtung, um dos fundadores da área de estudos da paz. Galtung introduziu a diferença entre “paz negativa” (a ausência de violência “pessoal” e “direta”) e a “paz positiva” (a ausência de violência “estrutural” e “indireta”), a fim de contrastar os efeitos da guerra com aqueles provenientes da pobreza, da discriminação, da injustiça social e das desigualdades econômicas ou políticas: “A violência direta geralmente é medida pelo número de mortes”, pondera. “Pode-se abordar a violência estrutural do mesmo modo, observando, por exemplo, o número de mortes evitáveis que ocorrem pelo fato de recursos médicos e sanitários estarem concentrados nas classes mais altas” (Galtung; Höivik, 1971, p. 73).14 Galtung definiu “paz positiva” como um estado ideal (vislumbrado, mas nunca plenamente atingido) que inclui mas transcende a “paz negativa”, na qual a violência direta da guerra e as desigualdades indiretas e estruturais foram eliminadas (Jeong, 2000, p. 24-25; Cortright, 2008, p. 7; Wilson, 2014, p. 25). A partir dessa perspectiva, a construção da paz é um processo de longo-prazo que, além de estabelecer uma “paz negativa” duradoura, tenta prevenir a recorrência da violência ao não se enfrentar as causas primárias e os efeitos do conflito, através da reconciliação, da formação de instituições e da transformação tanto política como econômica.

Quanto às sociedades pós-conflito, Galtung identificou três estágios pós-guerra, aos quais ele chamou de “os três Rs” (resolução, reconciliação e reconstrução), destacando que “se você praticar apenas um desses três sem os outros dois, você não terá nem o primeiro.” (Galtung, 1998, p. 8). O terceiro desses (“reconstrução”), inclui mais quatro objetivos na construção da paz: reabilitação, que se refere à cura do trauma pós-combate por meio de projetos de suporte psicossocial; reconstrução, que corresponde à recriação da infraestrutura, redes e instituições necessárias, anteriores ao conflito; reestruturação, que se refere à alteração ou ao abandono de estruturas anteriores ao conflito, principalmente aquelas fadadas a comprometer a busca pela paz positiva e a substituição por novas estruturas e entidades sociais que contribuirão para a construção da paz; e a reaculturação, que define a transformação da cultura de violência em uma de não-violência. Dentro dessa perspectiva, o esporte oferece um conjunto único de iniciativas físicas, sociais e estruturais que podem ser utilizadas em cenários pós-conflito. Esses quatro objetivos de reconstrução pós-conflito formam a estrutura organizacional para o restante do presente artigo.

Reabilitação/ reintegração

A reabilitação do tecido social em uma sociedade pós-conflito exige que os membros da comunidade, e especialmente os ex-combatentes, se tornem empoderados e imersos na busca de “uma construção regeneradora de uma nova vida a partir das ruínas da antiga” (Pugh, 1998, p. 2; cf. Jeong, 2000, p. 133). Michael Pugh oferece a seguinte definição útil:

[...] um processo de ajuste social, político e econômico e de sustentação de condições de relativa paz em que os participantes, principalmente aqueles que foram destituídos de poder e pauperizados pela violência, podem começar a priorizar objetivos futuros além da sobrevivência imediata (Pugh, 2000, p. 2).

Ele enfatiza ainda que os sobreviventes de conflito não só devem ser envolvidos nesses processos, mas também devem ser autorizados e incentivados a assumir papéis ativos para alcançá-los. O estudo de caso do EDP por meio do qual gostaríamos de examinar esses processos envolve a experiência de ex-crianças-soldado após a guerra civil em Serra Leoa (1991-2002). Estima-se que mais de 6 mil crianças passaram pelos processos de desarmamento, desmobilização e reintegração (“DDR”) em Serra Leoa, das quais 80% tinham entre sete e 14 anos.15

O estudo de caso publicado por Christopher Dyck em 2011 recorre a dados coletados entre maio e setembro de 2005 em dois acampamentos de DDR. Foram conduzidas treze entrevistas com ex-crianças-soldado e jovens combatentes que participaram do programa DDR, bem como com os adultos que administravam e cuidavam do acampamento. As necessidades de reabilitação/reintegração das ex-crianças-soldadosão ainda mais urgentes:

Após encerrado o conflito, crianças-soldado sofrem com formas ainda mais agudas de violência estrutural, incluindo estresse psicossocial, frequentemente caracterizados por depressão, comportamento violento, memórias perturbadoras, violência, ansiedade e medo. Os jovens combatentes devem se desligar psicologicamente e socialmente de seus antigos grupos armados e de suas identidades militares (Dyck, 2011, p. 399).

As entrevistas de Dyck revelam quatro benefícios imediatos do esporte em acampamentos de DDR. Em primeiro lugar, o estudo revela uma redução gradual no nível de violência direta entre homens jovens. Em segundo, as interações no campo de futebol entre esses jovens e equipes locais promoveram um sentimento de comunidade.

Os ex-combatentes temiam ser estigmatizados (ou pior) pela comunidade, principalmente aqueles que cometeram atos de violência direta contra suas famílias ou comunidades, e as últimas viam os jovens com desconfiança e medo. Um administrador do acampamento caracteriza a atmosfera de suspeita como volátil:

As pessoas da comunidade chamavam os meninos de “rebeldes”. Isso os tornava [os ex-combatentes] muito agressivos. Os jovens não gostavam disso, pois já tinham deixado as armas de lado e explicado que queriam ser novamente cidadãos normais. Isso os magoava muito e os tornava muito violentos para com a comunidade (Dyck, 2011, p. 405, citando uma entrevista pessoal realizada em Bo, no dia 23 de junho de 2005).

Os programas de esporte criaram oportunidades para esses jovens interagirem com seus vizinhos, enquanto a imagem pública negativa dos acampamentos de DDR e de seus habitantes era mitigada. Como explica Dyck, “partidas de futebol tornaram-se a base para restabelecer as relações com essas comunidades, que surtiram o efeito de ajudar todas as partes a se reconciliar com os ex-combatentes no período pós-guerra” (Dyck, 2011, p. 402). Em terceiro lugar, essas partidas de futebol estabeleceram redes sociais que promoveram outros esforços de desenvolvimento. O estudo do autor cita a experiência de duas meninas, também ex-combatentes, que descrevem o papel dos programas de esporte como incentivo para amizades, principalmente para aqueles sem apoio familiar ou comunitário. De acordo com uma das meninas:

Sem esportes, estaríamos por nossa conta. Enquanto jogávamos, nos conhecíamos. Sem esportes, eu só pensaria no que iria fazer. Mas o esporte nos unia e nos fazia interagir, então eu pensava em nós como um time ou um grupo (Dyck, 2011, p. 406, citando uma entrevista pessoal conduzida em Bo, no dia 6 de julho de 2005).

Com base nessas novas redes e amizades, os administradores do acampamento tentaram vincular os programas esportivos ao treinamento vocacional e outros projetos. Um administrador do acampamento de DDR de Freetown, por exemplo, citou o caso de dois jovens que jogaram futebol no mesmo time e receberam treinamento vocacional. Após o término do acampamento, um voltou para sua casa em Freetown, capacitado como carpinteiro, e o outro voltou para a cidade de Kabala, ao norte, capacitado em construção. Quando, mais tarde, o carpinteiro foi contratado para construir uma casa em Freetown, ele chamou seu amigo de Kabala para compartilhar suas habilidades (Dyck, 2011, p. 407, citando uma entrevista pessoal realizada em Freetown, 16 de junho de 2005). Por fim (em quarto lugar), o esporte distraiu os jovens do estresse e do trauma de sua experiência. “O futebol me ajudou a parar de pensar em outras coisas do meu passado”, explicou um ex-combatente, acrescentando: “Sempre que estiver em campo, estarei totalmente concentrado no jogo”. Outra ex-combatente compartilhou um sentimento semelhante e refletiu sobre como “quando jogamos vôlei, estamos juntos com todos os nossos amigos. Nós nos divertimos e rimos. Isso me fez esquecer do meu passado” (Dyck, 2011, p. 407-8, citando entrevistas pessoais realizadas em Bo em 14 e 6 de julho de 2005, respectivamente).

O estudo de caso de Dyck ilustra o grande impacto e valor de intervenções e programas locais na reabilitação e reintegração de ex-combatentes, enquanto ao mesmo tempo atende às necessidades de uma comunidade pós-conflito. Os estudos sobre trauma pós-combate e reabilitação na antiga Atenas – onde a cidadania estava intimamente ligada ao serviço militar – enfatizam o papel do teatro comunitário em oferecer a ex-combatentes uma forma de “catarse” ou “terapia cultural” (Shay, 1994, 1995, 2002; Meineck, 2012).16 Estudiosos há muito têm observado que as tramas das tragédias descrevem os efeitos do trauma de combate com realismo e familiaridade assustadores. Os estudos influentes de Jonathan Shay sobre trauma de combate, culpa do sobrevivente e os desafios da reintegração pós-conflito na Ilíada e na Odisseia demonstram como as experiências antigas e modernas de guerra podem ser mutuamente esclarecedoras; enquanto diretores de teatro – como Peter Meineck e Brian Doerries – utilizaram os roteiros antigos de Ésquilo, Sófocles e Eurípides para desenvolver programas inovadores por e para veteranos e outros sobreviventes de conflitos (Shay, 1994, 2002; Meineck, 2009; Doerries, 2015). Em 1995, Shay também escreveu um breve ensaio para o periódico on-line Didaskalia, elencando cinco “capacidades sociais e cognitivas básicas necessárias para a participação democrática”, derivadas de sua própria experiência clínica com veteranos da Guerra do Vietnã (Shay, 1995):

• ser capaz de comparecer em horário e local marcados, possivelmente em um grupo de estranhos;

• ser capaz de depositar confiança nas palavras;

• enxergar a possibilidade de persuasão, negociação, acordo e concessão;

• ver a possibilidade de vencer sem matar, de perder sem morrer;

• vislumbrar o futuro como real e significativo.

O ensaio de Shay enfatiza o papel da comunidade no processo de cura do trauma de combate, argumentando que o teatro ateniense serviu como um recurso primário de terapia comunitária. Ele argumenta que “o caráter distintivo do teatro ateniense surgiu da necessidade política de purificar, expurgar e reclarificar a compreensão civil a seus soldados retornantes, para que eles possam concretizar de novo o papel de cidadãos da democracia” (Shay, 1995, cf. Meineck, 2012, p. 10-1).

Ao responder a este argumento em outro momento, sugerimos que os programas e instalações atléticas, principalmente a instituição do ginásio/palestra, também foram idealmente elaborados para facilitar a reabilitação e reintegração de veteranos – talvez até mais adequados do que o teatro (Bromberg, 2020, p. 290-1). Mesmo em Atenas, uma cidade renomada (alguns poderiam dizer, notória) por sua influente cultura teatral (ver Platão, Leis 3.701-2; Aristóteles, Política 3.1281b6-10), muitos meses se passariam antes que os soldados – que retornavam de uma campanha de verão – pudessem assistir a uma tragédia. Por outro lado, um veterano poderia correr, jogar, lutar ou boxear no mesmo dia em que retornasse, como Sócrates faz nas primeiras linhas de Cármides de Platão (153a-b):

Ontem à noite retornamos do exército em Potideia, e tendo ficado um longo tempo distante, eu acho que eu deveria ir e ver meus velhos fantasmas. E então, eu fui até o ginásio de Táureas, que fica do lado do templo de Basile, e ali eu encontrei várias pessoas, a maioria eu conhecia, mas não todas. Minha visita era inesperada, e antes de eles me verem entrando, eles me cumprimentaram de longe por todos os lados, e Querefonte, que sempre se comportou como um homem louco, saiu do meio deles e correu até mim, apertando minha e mão e dizendo, “Como você escapou da batalha, Sócrates?”

A comunidade de amigos e estranhos que Sócrates encontrou no ginásio de Táureas o cumprimenta calorosamente e lhe dá as boas-vindas de volta à casa, e o ginásio oferece o contexto para criar e renovar amizades, bem como para retornar à comunidade ateniense em um cenário amigável e previsível.

Reconstrução

A chegada e experiência de Sócrates no ginásio de Táureas reforça o crítico papel da infraestrutura cívica em facilitar a reintegração de combatentes veteranos retornantes. Isso me traz ao segundo objetivo de Galtung: reconstrução e a importância de manter e restaurar a infraestrutura, as redes e as instituições pré-conflito necessárias. As instalações atléticas eram extremamente comuns, quase um bem definidor das antigas comunidades gregas. O escritor itinerante Pausânias lista um ginásio entre as construções cuja ausência na cidade da Fócida, de Panopeu, o leva a questionar seu status de pólis: “Se alguém pode chamar de ‘pólis’ aquelas em que faltam uma prefeitura, um ginásio, um teatro, uma ágora e uma fonte...” (εἴγε ὀνομάσαι τις πόλιν καὶ τούτους οἷς γε οὐκ ἀρχεῖα οὐ γυμνάσιόν ἐστιν, οὐ θέατρον οὐκ ἀγορὰν ἔχουσιν, οὐχ ὕδωρ κατερχόμενον ἐς κρήνην, Paus. 10.4.1). O comentário sarcástico não é somente sarcástico, mas também destaca a importância dessas instalações para o bem-estar (e sem dúvidas, para o prestígio) da comunidade, e o ginásio é o segundo, atrás somente da sede do governo na sua lista de instituições necessárias. Enquanto exploramos o papel do esporte em cenários pós-conflito, estamos em posição de apreciar a importância desses prédios e instituições como espaços onde os veteranos e outros possam encontrar distrações de suas experiências e retornar a salvo à comunidade.

Essas funções essenciais estão expostas nas intervenções do EDP que usam academias locais como espaços seguros para jovens em situação de risco, como no estudo de caso a seguir sobre a Guatemala. A partir de 2012, o programa Hoodlinks concentrou-se no desenvolvimento de valores olímpicos para jovens em situação de risco na Guatemala. O claro propósito é “[colocar] o ensino dos valores olímpicos e do esporte a serviço do desenvolvimento harmonioso da humanidade, com vistas à promoção de uma sociedade pacífica preocupada com a preservação da dignidade humana” (Mandigo et al., 2018, p. 23). O programa inclui boxe e taekwondo na Zona 18 e atletismo, badminton, boxe, judô e ginástica na Zona 7. Combinadas, essas duas zonas representam cerca de um terço de todos os homicídios na capital (Grupo de Apoio Mútuo. Relatório de monitoramento sobre a violência e a situação dos direitos humanos de janeiro a maio de 2014, arrolado em 17 de junho de 2015).17 O estudo liderado por James Mandigo, da Brock University, em Ontário, ocorreu de agosto de 2015 a março de 2016 e envolveu um total de 116 atletas com idade média de treze anos (80 homens; 36 mulheres), juntamente com cinco treinadores. Os atletas foram convidados a preencher questionários avaliando seu desenvolvimento de habilidades de vida e níveis de agressividade. Os questionários foram aplicados no início do período de estudo, em agosto e novamente ao final do estudo, em março. Os participantes enfatizaram a importância de ter lugares seguros para os jovens jogarem, enquanto outros reconheceram, com gratidão, a distração da violência que as instalações ofereciam:

Meu filho não teve oportunidade de ir para outro lugar porque o lugar em que a gente mora é perigoso, então ele não pôde ir. Então agora que a gente teve a oportunidade de vir aqui [para a academia], meu filho está muito animado. Então ele me falou para vir aqui e, graças a Deus, aqui estamos e eu até treino [boxe] com ele... (Mandigo et al., 2018, p. 28).

Outro pai reconheceu que as academias Hoodlinks forneciam uma valiosa distração de atividades potencialmente perigosas:

Quando a Fundação Olímpica ainda não tinha chegado, algumas pessoas vieram tentar convencer os jovens a serem membros de gangues. Mas a gente agradece a Deus porque quando a Fundação Olímpica começou o projeto aqui dentro, todos os jovens aderiram e esse lugar fica cheio. Aos poucos a situação foi se acalmando. (Mandigo et al., 2018, p. 29)

Embora à primeira vista possa parecer contraproducente usar esportes de combate (boxe, judô, taekwondo) para ajudar na redução da violência juvenil, pesquisas anteriores apoiam o uso de tais esportes para facilitar habilidades de vida. Em um artigo de 2006, Whitney Wright fornece uma visão perspicaz sobre a cultura do boxe e porque é um esporte tão positivo para os adolescentes de alto risco, que possuem delitos anteriores:

ambiente dentro do ginásio apresenta uma alternativa a sua vida externa. É focado, solidário e respeitoso ao espaço e aos outros. Quando um jovem entra no ginásio, ele ou ela pode abraçar uma atmosfera envolvente e se tornar um boxeador focado. Ganhar uma ética atlética através dos grupos ajuda os jovens não só a formar uma autoidentidade positiva, que os ajudará a viver uma vida plena, mas tambémincentiva uma prática de autopreservação. (Wright, 2006, p. 150)

Mais uma vez, o ambiente físico e a “atmosfera envolvente” do espaço do ginásio são a chave para o seu sucesso. O boxe, em particular, tem uma história proeminente no esporte para teorias da paz, remontando a Coubertin, que apreciava a natureza paradoxal do esporte (“[o atletismo] pode ser usado para fortalecer a paz ou preparar para a guerra”) e acreditava firmemente no potencial do boxe na construção da paz (Coubertin, 2000, p. 322; Bromberg, 2020, p. 288-96). Em vários de seus escritos, ele faz alusão a professores ingleses que chamavam as luvas de boxe de “guardiãs da paz”, e em uma carta ele até afirma que “a educação de um menino não está completa sem contato com os ‘esportes de combate’” (Coubertin, 2000, p. 136-7;18 177).19

Reestruturação

Dado o objetivo de evitar formas estruturais de violência para alcançar a paz “positiva”, desenvolver infraestrutura social que erradique as causas profundas da violência é tão importante quanto desenvolver espaços físicos para a construção e reintegração da comunidade. A “reestruturação” é o terceiro item na lista de Galtung. Esse objetivo evoca a modificação ou o abandono de estruturas pré-conflito (consideradas como catalisadores de ambos os tipos de violências: direta/física e indireta/estrutural) em prol de novas normas sociais e de instituições que facilitarão a construção da paz positiva e duradoura. Galtung sinaliza a necessidade de justiça e mobilidade econômica e social:

Quando a violência ocorre, há, geralmente, duas causas estruturais: o domínio político excessivo como opressão e/ou econômico como exploração; ou a distância excessiva entre classes sociais ou outros grupos, incluindo países. Combinadas as duas, temos o fenômeno conhecido como exclusão (social) ou marginalização. Em casos extremos, temos o que pode ser chamado de atomie, uma sociedade patológica composta por indivíduos egocêntricos, preocupados com o custo-benefício, com pouco ou nenhum tecido social. (Galtung, 1998, p. 58)20

Em virtude dos longos prazos envolvidos (Galtung ressalta que o progresso na reestruturação é medido ao longo de décadas), os efeitos das intervenções do EDP na desigualdade econômica, no racismo e em outras formas de discriminação e nas demais questões de justiça social são difíceis de mensurar. Ao mesmo tempo, pesquisadores têm observado e criticado como o “propósito neoliberal” do movimento EDP, que se baseia nas estruturas do capitalismo corporativo transnacional, de fato, intensifica as desigualdades e entra em conflito com os objetivos de justiça social (Hayhurst; Szto, 2016, p. 524-5, com bibliografia). A crescente influência do capital corporativo no mundo do EDP faz questionar se as campanhas privadas de justiça social podem realmente abordar as desigualdades estruturais. O estudo de Lyndsay Hayhurst e Courtney Szto sobre a campanha N7 da Nike para a saúde dos povos nativos indica que não: “a justiça social privada se beneficia de um sistema autossustentável que garante que sempre haverá desigualdade que se alimenta do consumo e de outros meios privados” (Hayhurst; Szto, 2016, p. 538). Simultaneamente, alguns têm observado os obstáculos, os perigos e as limitações enfrentadas por atletas internacionais que tentam intervir em questões de justiça social e igualdade. Muitos daqueles que usam seu êxito desportivo para avançar em programas progressistas, em especial antirracistas, como Tommie Smith e John Carlos, Muhammad Ali, Mahmoud Abdul-Rauf e, mais recentemente, Colin Kaepernick, são exemplos de atletas celebridades cujo ativismo impactou negativamente suas carreiras (Kaufman; Wolf, 2010, p. 156). No entanto, outros têm expressado confiança em intervenções em nível hierárquico por atletas internacionais e megaeventos esportivos, os quais difundem mensagens humanitárias e promovem justiça social ao representar os “meios culturais através dos quais seus seguidores podem imaginar de forma mais vívida a humanidade vivendo em comunidade” (Giulianotti, 2005, p. 216; Pelak, 2005).

A relação entre o atletismo grego antigo e as estruturas de classe social é um debate que continua vigente (Pleket, 1974, 1976; Young, 1984, p. 107-76; Pritchard, 2003; Kyle, 2007, p. 205-16; Golden, 2008, esp. p. 32-34; Christesen, 2014; Fisher, 2018). Começando com os estudos sociológicos de Pleket (1974, 1976) sobre o esporte antigo, os estudiosos têm se esforçado para entender se os membros de famílias não nobres e pobres participavam do atletismo, e que papel o esporte poderia desempenhar, se houve algum, em facilitar a ascensão social e econômica. Uma famosa passagem do discurso Sobre o Tronco de Cavalos, de Isócrates, reconhece claramente a tensão entre atletas competitivos de diferentes classes sociais e econômicas. O filho de Alcibíades afirma que seu pai “desprezava competições de ginástica, uma vez que ele sabia que alguns dos atletas eram de classe baixa, de pequenas cidades, e com pouca instrução” (γυμνικοὺς ἀγῶνας ὑπερεῖδεν, εἰδὼς ἐνίους τῶν ἀθλητῶν καὶ κακῶς γεγονότας καὶ μικρὰς πόλεις οἰκοῦντας καὶ ταπεινῶς πεπαιδευμένους, 33). Plekett afirmou que a palavra “alguns” (ἐνίους) nesta passagem, revelou que a maioria dos atletas no início do século IV pertencia às classes mais ricas (Pleket, 1976, p. 73).21 Ao discutir os meios pelos quais os oligarcas centralizavam o controle político, Aristóteles comenta que, “os ricos legislam da mesma forma no que diz respeito à posse de armas e à participação no atletismo (γυμνάζεσθαι)… não existe multa para os pobres (τοῖς ἀπόροις) se eles não participam do atletismo, mas sim para os ricos (τοῖς εὐπόροις), tendo como resultado o fato de que o último participa por causa da multa, enquanto o primeiro,por não temer a multa, não participa” (Política, 1297a30). Por outro lado, temos ampla evidência de que atletas de famílias pobres competiam com sucesso em antigos festivais de atletismo. O próprio Aristóteles cita, em outra passagem, um epigrama em homenagem a um vencedor olímpico que se orgulha: “eu costumava levar peixes de Argos para Tégea, carregando uma cesta dura sobre os meus ombros” (Retórica 1365ª = Simônides, 163 Bergk).

David Young apresentou o caso mais expressivo a favor da mobilidade social e econômica através do esporte (Young, 1984, p. 158-62). Apelando para exemplos de cozinheiros, pastores e filhos de fazendeiros que venceram em Olímpia – Polimestor de Mileto, por exemplo, “que uma vez perseguiu e capturou um coelho enquanto cuidava das ovelhas” (Eusébio, Crônicas, 73) e ganhou a corrida de meninos do stádion nas 46ª Olimpíadas (596 AEC) – Young argumenta que jovens atletas poderiam ganhar grandes somas, o suficiente para financiar carreiras atléticas bem-sucedidas. Em resposta às hipóteses de Young, os historiadores observaram que uma maioria considerável de atletas atenienses conhecidos no período entre 594-490 AEC eram nobres, sugerindo que o atletismo permaneceu elitista (ao menos em um vastamente documentado estado grego). Donald Kyle, por exemplo, mostrou que apenas quatro dos vinte e um atletas atenienses identificáveis daquele período não eram de famílias nobres conhecidas (Kyle, 1987, p. 102-23, com referências a Davies, 1971; cf. Kyle, 2007, p. 205-10).22 Por outro lado, Mark Golden reconhece que o crescimento de festivais locais e regionais deu oportunidades para jovens atletas iniciarem carreiras no atletismo, levando a recompensas financeiras e privilégios sociais; mas ele (como Young) tem dificuldades para localizar evidências concretas para essa trajetória entre as carreiras conhecidas de atletas antigos. Dois exemplos possíveis – de epígrafes conhecidas – incluem Photion,um boxeador cuja carreira se iniciou quando jovem, nos anos 160, com vitórias nas Efésias (Éfeso), próximas a sua cidade natal de Laodicéia, e de Lúcio Septímio Flaviano Flaviliano, um lutador e pancraciasta de Enoanda (Lícia); mas em nenhum dos casos as evidências mostram se esses jovens precisaram de vitórias iniciais para financiar sucessos futuros. Na verdade, Flaviliano parece ter pertencido a uma família influente, talvez aristocrata (Golden, 2008, p. 32-3). As fontes não são categóricas: está claro que alguns atletas bem-sucedidos não eram membros da aristocracia, mas não se sabe se eles financiaram suas bem-sucedidas carreiras através de vitórias anteriores em competições locais e regionais; ao mesmo tempo, outros atletas de fato deslancharam suas carreiras de sucesso com vitórias na juventude em competições locais e regionais, não estando claro se eram aristocratas ou não.

Uma linha de investigação semelhante leva em conta o potencial do esporte de promover ideologias democráticas, incluindo o igualitarismo e a união entre as classes politicamente ativas. Paul Christesen conecta a difusão e a popularização do atletismo na Grécia do séc. VII ao séc. IV AEC com uma tendência – que também começa após 700 AEC – para a democratização dos sistemas sociopolíticos. Ele examina quatro mecanismos através dos quais o esporte fomentou a união entre os participantes nessas comunidades que se democratizavam: “ao servir como modelo de e para relações igualitárias, ao promover competições meritocráticas, ao agir como uma fonte de capital social e ao promover a proximidade de grupo” (Christesen, 2014, p. 213; 221-6). O argumento de Christesen responde ao desafio de Kyle, segundo o qual “a mudança social influenciou o esporte mais do que o esporte influenciou a mudança social” (Kyle, 2007, p. 209), e reconhece que o esporte, paradoxalmente, promoveu a democratização, servindo para estabelecer fronteiras sociais (“proximidade de grupo”) entre grupos recém-chegados ao poder e aqueles ainda dele excluídos. O desenvolvimento e a disseminação das competições atléticas podem, portanto, ser vinculados à inclusão gradual de grupos maiores de cidadãos nos regimes políticos. Além disso, como Nick Fisher explorou em detalhe, o atletismo até possibilitou que os atletas obtivessem cidadania em certas comunidades helênicas,principalmente em cidades ricas e ambiciosas do sul da Itália e da Sicília (Crotona, Siracusa, Himera), mas talvez em Corinto, Argos e Egina também (Fisher, 2018, p. 211-23).

Então, a recreação, o treinamento e a competição atlética promoveram condições de igualdade e refletiram (ou talvez até facilitaram) a reestruturação da sociedade antiga em direção a estruturas mais igualitárias? Não podemos ter certeza. Embora a maior parte das evidências de atividades e competições atléticas envolva indivíduos e famílias ricas, não se supõe mais que a participação e o sucesso no atletismo se limitassem aos mais ricos, mas a um grupo crescente de cidadãos livres. Em uma conferência inédita e fascinante, Cameron Pearson (2019) argumentou que os cidadãos da maioria das póleis arcaicas eram aptos concorrentes em competições atléticas e que o atletismo não deveria ser considerado parte de uma ideologia aristocrática ou de elite, mas de uma ideologia cívica. Pearson adota o modelo de mobilidade social de Edward Harris, que distingue entre uma classe litúrgica, baseada na riqueza, e uma classe social baseada no capital cultural (Pearson, 2019, p. 2; Harris, 1995). De acordo com essa visão, pertencer à classe social de kaloi kagathoi não era uma questão de riqueza, mas de estilo de vida, e a participação – e, principalmente, o êxito esperado – na vida do ginásio era um caminho para a aceitação (Harris, 1995, p. 19-20; p. 182, n. 8).23 Harris rejeita fortemente a visão de uma nobreza ou aristocracia rígida e hereditária, possuindo vasta riqueza e privilégios e, em vez disso, propõe a existência de grupos de status informal e permeável, que compartilhavam um estilo de vida e aspirações comuns. Essa visão de pertencimento a um grupo também apoia o argumento de Christesen, segundo o qual o esporte funciona como uma fonte de capital social. Com base em trabalhos recentes em sociologia do esporte e com base em estudos seminais da política americana, Christesen atribui aos esportes o crédito da promoção de redes interpessoais e de solidariedade, de modo a reoganizar hierarquias rígidas em sociedades mais igualitárias (Christesen, 2014, p. 224-6).

Reaculturação

Na opinião de Christesen, o esporte traz mudanças estruturais ao oferecer contextos para modelar as relações sociais idealizadas. O potencial de reestruturação do esporte, portanto, está em sua capacidade de transformar o pensamento das pessoas por meio de atividades ritualizadas: “o comportamento legitimado nas atividades ritualizadas”, explica ele, “ensina hábitos e disposições que moldam as ações dos indivíduos em todos os ambientes e assim serve de modelo para a atividade fora da esfera ritualizada” (2014, p. 222-3). Ao exigir que os competidores interajam como iguais, o atletismo influenciou seus padrões de pensamento e comportamento e facilitou a formação de relações igualitárias em outras esferas sociais. A mesma atitude é adotada por Eustace Miles (1868-1948), um atleta e estudioso clássico, que escreveu em Let’s Play the Game (1904):

Se alguma coisa vai tirar o esnobismo da Inglaterra, onde também isso é abundante, essa influência é o jogo. Pois quando você recebe uma bola do seuempregado, ou écobrado no futebol pelo seu servente, ou habilmente ultrapassado no hóquei por seu subordinado, é quase impossível para você intimidá-lo, ou ignorá-lo como um ser humano, no futuro. (Miles, 1904, p. 65, com a ênfase no original)

A reflexão admonitória de Miles sobre o esporte e as relações de classe inglesas respondeu ironicamente ao “esnobismo” e ao elitismo por trás do desenvolvimento do conceito de amadorismo, que buscava segregar explicitamente atletas competitivos por classe social – e de muitas maneiras conseguiu fazê-lo por mais de um século.24 A remoção dos limites de exclusão no esporte, aposta Miles, transformará as atitudes dos participantes uns para com os outros e remodelará positivamente seu comportamento.Essa transformação intelectual está diretamente relacionada ao quarto objetivo de Galtung: a reaculturação, a substituição de uma cultura de violência por uma cultura de não-violência. Em particular, Galtung enfatiza o papel dos pacifistas em estimular e liderar discussões e debates (“os pulmões de uma sociedade democrática”, Galtung, 1998, p. 61-3). Que papel o atletismo pode desempenhar na transformação das estruturas mentais e culturais de conflito e violência em contextos de paz e igualdade positiva?

Muitos programas EDP destinados a jovens em sociedades pós-conflito têm como objetivo não apenas fornecer os espaços seguros necessários (como no caso dos Hoodlinks da Guatemala, discutido acima), como também promover habilidades importantes para a vida e redefinir valores. Um exemplo incomum desse tipo de programa é o “Sementes da Paz” (Semillas de la Paz), com sede em Medellín, Colômbia. Durante o início dos anos 90, as atividades do narcotráfico de Pablo Escobar e seu Cartel de Medellín trouxeram violência, terror e corrupção para a cidade. Mesmo que três décadas tenham se passado, os narcotraficantes deixaram um legado cultural complexo que torna crianças carentes vulneráveis a atividades criminosas cada vez mais cedo. Para solucionar esse problema social, a Fundação Conconcreto alavancou a paixão da Colômbia pelo futebol no seu programa “Sementes da Paz”. Meninos e meninas ingressam no programa em mesmo número, jovens entre sete e dez anos de idade, e participam por uma média de cinco anos, apesar de que alguns permanecem envolvidos até deixarem a escola aos dezessete ou dezenove anos. Em um estudo de caso recente, Stephen Hills, Alejandro Gómez Velásquez e Matthew Walker analisam como o programa usa o futebol como analogia para ensinar habilidades de vida e redefinir valores morais (Hills; Gómez Velásquez; Walker, 2018). Quando o trabalho de campo do grupo foi realizado, o programa estava operando em nove bairros de Medellín, com vinte e cinco distintos grupos etários, constituídos por 995 crianças.

Em comparação com outras iniciativas de esporte pela paz, nas quais o esporte funciona como uma distração ou um gancho, “Sementes da Paz” usou cenários de futebol como analogias para cenários da vida real.25 Os treinadores projetaram atividades de futebol que facilitaram comparações diretas com contextos não esportivos, com o propósito de ensinar princípios de habilidades de vida e refletir sobre dilemas morais. Além disso, exigiam que os participantes discutissem e refletissem sobre o seu aprendizado. Por exemplo, para apoiar uma discussão sobre a tomada de decisão ética, os técnicos modificaram um exercício de chute já conhecido, cujo objetivo era chutar a bola com precisão para os cantos marcados do gol. Os participantes efetuaram o arremesso em duas condições diferentes: primeiro, após receberem a bola do técnico, eram orientados a arremessarem sem controlá-la; em seguida, os participantes foram orientados a prenderem e controlarem a bola, com os treinadores incentivando-os a avaliar e considerar suas opções antes de executar o chute a gol. Uma discussão foi liderada pelos técnicos imediatamente após várias rodadas deste exercício. Os autores do estudo de caso descrevem a discussão da seguinte forma:

A discussão envolveu os participantes sentados em silêncio e o treinador fazendo perguntas ao grupo. Aqueles que quisessem responder levantariam a mão e o treinador selecionaria de um a três participantes para responder a cada pergunta. Foi perguntado aos participantes se eles eram mais eficazes e precisos quando tentavam acertar seu chute na primeira vez, ou quando controlavam a bola e aguardavam um tempo antes de chutar. Como esperado, os participantes em geral responderam que eles eram mais precisos e eficazes ao controlar a bola e aguardar. (Hills; Gómez Velásquez; Walker, 2018, p. 31-2)

A discussão aberta consolida a conexão entre o treinamento de futebol e a experiência vivida por jovens em situação de risco, ao mesmo tempo que ajuda a estabelecer hábitos de pensamento e reflexão que orientam as decisões diárias tomadas. A analogia entre praticar esportes e viver de forma ética está ainda mais concretamente estabelecida em outros jogos de futebol e treinamentos que ensinam de modo claro lições por meio de mensagens criativas: “use a cabeça, não use drogas”, “saiba lidar com decisões erradas”, “analise as situações para dar o passo certo”, “realize suas metas de vida” e “dê cartão vermelho para as drogas” (Hills; Gómez Velásquez; Walker, 2018, p. 32-3). Ao associar lições de vida a treinamentos e habilidades atléticas familiares, essas atividades constroem hábitos mentais e promovem mudanças culturais.

A transformação de uma cultura de violência em uma cultura de reconciliação é o tema essencial da Oresteia, de Ésquilo. Apesar de seu aparente enfoque na família real de Argos, a trilogia, encenada pela primeira vez em 458 AEC, dramatiza os efeitos individuais e comunitários de um ciclo destrutivo e multigeracional de violência. Michael Poliakoff observou como as metáforas extraídas da luta servem à função de unificar os diferentes níveis de ação nas três peças (Poliakoff, 1980).26 O uso generalizado por parte de Ésquilo dos recursos imagéticos sobre luta em toda a Oresteia (em contraste com apenas três referências claras à luta nas outras peças e fragmentos remanescentes) sugere que o conceito de luta desempenha uma função única na trilogia. No primeiro exemplo de tais recursos imagéticos, a partir da canção em coro de abertura (párodos), de Agamêmnon, o refrão descreve as dificuldades da guerra de Troia como “muitos combates extenuantes, com os joelhos afundados na poeira” (πολλὰ παλαίσματα καὶ γυιοβαρῆ | γόνατος κονίαισιν ἐρειδομένου, Ag. 63-5). A metáfora de duas linhas é evocativa, apresentando uma cunhagem caracteristicamente esquiliana (γυιοβαρῆ, lit. “que extenuam os membros”) e uma vívida alusão ao esforço físico de uma luta livre. A imagem estabelece uma analogia entre o esporte e as formas de violência e conflito dramatizadas nas peças. Em Agamêmnon, Zeus direciona a violência da guerra “contra Páris” (ἐπ᾽ Ἀλεξάνδρῳ, Ag. 61), e logo depois ele é descrito como um vencedor na luta (τριακτῆρος, Ag. 171) contra seu pai, Cronos. Em Agamêmnon, a fisicalidade representada pela metáfora da luta é primordial, como quando Cassandra, descrevendo seu estupro por Apolo, o chama de “muito lutador” (παλαιστὴς κάρτ᾽, Ag. 1206). Ésquilo mantém essa ênfase em Coéforas, com Electra e Clitemnestra aludindo à luta nas descrições dos infortúnios de sua família: Electra se pergunta “se a destruição não é incapaz de ser lançada três vezes” (οὐκ ἀτρίακτος ἄτα; Cho. 339), e quando Clitemnestra é informada (uma narrativa falsa) da morte de Orestes, ela invoca “a irresistível (lit. difícil de lutar contra) Maldição desta casa” (ὦ δυσπάλαιστε τῶνδε δωμάτων Ἀρά, Cho. 692).

Em Eumênides, o Coro das Erínias continua comprometido com o mesmo sistema de justiça retributiva e violenta estabelecido pelas duas primeiras peças. Em um símile vívido, que antecede o julgamento de Orestes, o Coro (usando uma linguagem que ecoa as palavras de Electra e Clitemnestra em Coéforas) compara o destino do culpado a um marinheiro naufragado, lutando “no meio de um redemoinho irresistível” (ἐν μέσᾳ | δυσπαλεῖ τε δίνᾳ, v. 558-9). Um exemplo marcante ocorre durante a própria cena do julgamento. Quando Orestes admite ter matado a mãe (ἔκτεινα: τούτου δ᾽ οὔτις ἄρνησις πέλει, v. 588), o Coro das Erínias declara que este “já é o primeiro dos três arremessos de luta” (ἓν μὲν τόδ᾽ ἤδη τῶν τριῶν παλαισμάτων, v. 589), uma referência aos três arremessos legais necessários para vencer uma luta.27 Orestes rejeita sua afirmação desafiadoramente, “você se vangloria, mas eu ainda não caí” (οὐ κειμένῳ πω τόνδε κομπάζεις λόγον, v. 590). Embora a imagem permaneça combativa, a ênfase mudou da violência arbitrária da primeira e segunda peças para uma competição regulamentada com competidores invocando as regras do jogo. A passagem faz uma analogia memorável entre o esporte e o processo legal estabelecido na peça final; mas, em contraste com a violência de Agamêmnon e de Coéforas, a metáfora aqui reflete a inadequação da violência física para resolver o conflito. Em vez disso, a referência às regras da luta (e não à violência do esporte) reflete a definição de novas formas de autoridade na peça. No encerramento da cena do julgamento, a imagem até se torna oportuna. As palavras de despedida de Orestes são uma oração pela segurança e pelo sucesso militar dos atenienses: “que a luta seja inescapável para seus oponentes, uma fonte de segurança e portadora de vitória na guerra” (πάλαισμ᾽ ἄφυκτον τοῖς ἐναντίοις ἔχοις, σωτήριόν τε καὶ δορὸς νικηφόρον, v. 776-7).

Poliakoff argumenta que o uso por Ésquilo de imagens de luta na Oresteia demonstra “uma evolução da discórdia divina e humana para o acordo e a arbitragem” (Poliakoff, 1980, p. 255). Essa leitura corresponde a interpretações que enfatizam uma triunfante transição de um sistema “pré-civilizado” de busca por justiça através da vingança e da vendeta para outrode buscapor justiça através da soberania popular e do estado de direito.28 A partir dessa perspectiva, a Oresteia dramatiza um momento de justiça em transição, unindo uma cultura de violência a outra que adere às regras da lei, e a luta desempenha um papel importante na caracterização feita por Ésquilo desse processo. Porém, isso não é tudo. Na verdade, o tão celebrado julgamento não resolve o conflito com as Erínias, mas, ao contrário, o exacerba, prometendo desencadear mais violência e sofrimento na comunidade (v. 778-92; 808-22). O que finalmente conquista as Erínias é a paciência e a persistência de Atena – “Não me cansarei de dizer coisas boas para você” (οὔτοι καμοῦμαί σοι λέγουσα τἀγαθά, v. 881) – cuja abordagem persuasiva e inclusiva na cena pós-julgamento se assemelha a práticas restaurativas de justiça. Como Dugdale e Gerstbauer observaram, o diálogo final entre Atena e as amarguradas Erínias aborda as necessidades da parte derrotada, restaurando a sua reputação e reintegrando-as à comunidade de forma a empoderá-las (Dugdale; Gerstbauer, 2017).

O uso da luta por Ésquilo como uma analogia para o processo legal em Eumênides ilustra a utilidade e o valor de vincular os conceitos de construção da paz e de resolução de conflitos às regras e habilidades dos esportes populares. Como os treinadores do programa colombiano “Sementes da Paz”, Ésquilo se apropria de características comuns do esporte popular para criar mensagens positivas para uma sociedade pós-conflito. Desta forma, a Oresteia pode ser lida como a dramatização de um momento de reaculturação, da violência para a reconciliação, em que as imagens extraídas da luta desempenham um papel importante, embora, em última análise, não decisivo. Portanto, este estudo de caso esclarece as limitações das intervenções baseadas no esporte, sugerindo que elas são mais eficazes quando combinadas com outras formas de reconciliação e construção de relações. Tanto o programa “Sementes da Paz” quanto a Oresteia demonstram como o esporte pode ser usado de maneira integrada, o que aumenta sua influência dentro de um sistema mais amplo de mudança.

Conclusão

Ao explorar esses quatro objetivos para a reconstrução pós-conflito, cada um com paralelos na antiguidade, este artigo procurou oferecer um guia provisório sobre como o esporte poderia contribuir com êxito para a construção da paz, uma vez que o foco nas relações entre nações-estado seja posto de lado. Embora o fenômeno do atletismo internacional dificilmente tenha diminuído a intensidade dos conflitos entre estados, seja na antiguidade ou na atualidade, as intervenções esportivas em escala interpessoal, local e regional têm promovido resultados positivos. Em cada estudo de caso, fontes antigas e contemporâneas ilustram como o atletismo pode construir ou restaurar relações entre indivíduos, reintegrar combatentes desarmados e fortalecer comunidades. Isso não quer dizer que as intervenções de EDP sejam imunes a críticas. Pelo contrário, os praticantes e proponentes de EDP enfrentam uma série de desafios éticos. Alguns críticos têm observado que os prestadores de ajuda humanitária nem sempre posicionam adequadamente os beneficiários para assumir a responsabilidade a longo prazo dos projetos, e isso tem levado alguns a questionar se os programas EDP não seriam outra forma de neoimperialismo. Outros criticam a natureza funcionalista dos programas EDP, que abordam os problemas percebidos pelas partes individuais, usando o esporte para “tirar as crianças das ruas”, mas não são projetados para mudar problemas estruturais complexos, tais como o racismo e a desigualdade econômica, que muitas vezes são as principais causas de conflito.29 Ainda, outros questionam as crenças comuns, subjacentes a muitos programas de EDP para jovens, de que o esporte “constrói caráter” através de tentativas de ensinar “valores apropriados”, e, novamente, questionam a imposição de normas, valores e instituições indesejadas ou desconhecidas com pouca atenção às diferenças culturais. Finalmente, devido ao fato de a filosofia do Olimpismo da paz através do esporte, que empresta legitimidade e credibilidade ao setor de EDP, depender de uma compreensão incompleta, ultrapassada e, em muitos aspectos, problemática da cultura esportiva antiga, deve-se questionar se esse fato não invalida todo o projeto. O próprio Coubertin invocou “o imenso prestígio da antiguidade” para promover sua visão de educação física e moral, extraída do mesmo reservatório de classicismo eurocêntrico que legitimou os sistemas de educação colonial e neocolonial.30 Para que os programas de EDP atinjam seu potencial, ajudando as sociedades pós-conflito a se curar e a se reconstruir, os praticantes devem trabalhar intensamente com essas questões éticas e aprender a conturbada história do colonialismo. Este artigo é, portanto, oferecido como uma intervenção preliminar que tenta delinear esses e outros desafios através das lentes interpretativas da antiguidade.31

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Notas

1 A tradução deste texto foi realizada ao longo do segundo semestre letivo de 2022 pelo curso de Bacharelado em Letras-Tradução da Universidade Federal de Juiz de Fora, mediante convênio firmado com a Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos e no âmbito do Estágio Supervisionado em Tradução-Inglês, coordenado e supervisionado pela Profa. Dra. Sandra Aparecida Faria de Almeida, do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas.Dela participaram os alunos: Déa Lúcia Araújo de Castro, Eduarda Seixas Brandão, Evaldo Luiz Augusto Marconato, Franciany de Oliveira Campos, Jaqueline Victoria Azriel Silva Wenzel, Javier Alejandro Pedroso Domech, Jeniffer da Silva Souza, Letícia Miranda Pessamílio, Patrícia Beltran Carlos, Pedro Henrique Bernardes Costa Mariano, Tatiana Mageste Pacheco, Victor Cesar Rodrigues das Graças e Viviane da Silva Coutinho. As revisões técnicas e o estabelecimento do texto final foram realizados pelas professoras doutoras Charlene Martins Miotti e Lorena Lopes da Costa, membros da SBEC.
2 Para ver o texto de Flégon, cf. McInerney (2016).
3 Ver: https://undocs.org/A/RES/48/11. Acesso em: jun. 2021.
4 Para panoramas do setor de EDP, ver Guest (2009), Giulianotti (2011, 2012), Darnell (2012), Wilson (2012, 2014), Schulenkorf; Adair (2013), Hayhurst (2016), Darnell; Field; Kidd (2019), Giulianotti et al. (2019).
5 Ver: https://undocs.org/A/RES/67/296. Acesso em: jun. 2021.
6 Sobre o conceito controverso e ambíguo de “desenvolvimento”, ver Black (2010), Darnell; Hayhurst (2013), Wilson (2014), Giulianotti et al. (2019, esp. p. 415-20).
7 Cf. uma “trégua nos Jogos Píticos” e uma “trégua nos Jogos Nemeus” em Plutarco (Πυθικὰς ἐκεχειρίας, Mor. 413d e Arat. 28, respectivamente), e uma “trégua nos Jogos Ístmicos” em Pausânias (ὃ Ἰσθμικὰς σπονδὰς, 5.2.1). Ver Harris (1964, p. 155-6, esp. n.7) e Golden (2011, p. 6-7).
8 Adoto a expressão de um vídeo promocional divulgado pela rede NBC para a cobertura dos Jogos Olímpicos de Atenas em 2004. O vídeo pode ser conferido aqui: https://youtu.be/hsbfhoI_ha0. Acesso em: set. 2021. Ver também a discussão em Simpson (2011). Ver Redeker (2008) para uma visão pessimista do esporte como ferramenta de política externa.
9 Em um exemplo comumente citado, o cessar-fogo temporário na Bósnia, negociado pela ONU e pelo COI antes dos Jogos Olímpicos de Inverno de 1994, em Lillehammer, facilitou uma interrupção no conflito longa o bastante para que aproximadamente 10.000 crianças fossem vacinadas. Discussões em Kidd (2007, p. 178) e Wilson (2012, p. 136).
10 Coubertin (2000, p. 360) com ênfase adicional (originalmente publicado em “Os Jogos Olímpicos de 1896”, The Century Illustrated Monthly Magazine, v. 53 n. 31, 1896-7). Em contrapartida, o equivalente americano de Coubertin, Andrew Carnegie, cuja fundação visava cessar os conflitos e promover a cooperação internacional, omitiu deliberadamente o termo “paz” do nome de sua dotação; ver Chatfield (1992, p. 23); Cortright (2008, p. 6); e Wilson (2014, p. 25).
11 Para discussões recentes sobre este movimento de descentralização na história antiga ver, por exemplo, Vlassopoulos (2007); Müller (2018); Bromberg (2021a), principalmente cap. 2.
12 Disponível em: https://www.april6.org/wp-content/uploads/2021/03/fiche-lapaixparlesportEN.pdf. Acesso em: set. 2021.
13 Para uma distinção, ver Bromberg (2021a, p. 17-8, notas 4-5).
14 Ver Galtung (1969).
15 Comissão da Verdade e Reconciliação de Serra Leoa, Testemunha da Verdade: Relatório da Comissão da Verdade e Reconciliação de Serra Leoa, 2004 (Disponível em: http://sierraleonetrc.org.Acesso em: 21 set. 2021); ver Abraham (2001); Keen (2005); Dyck (2011).
16 A bibliografia sobre os contextos cívicos do drama ateniense é vasta; ver, p. ex., Connor (1990); Goldhill (1997); Rhodes (2003); Carter (2011); Meineck (2018).
17 Disponível em: http://www.albedrio.org/htm/otrosdocs/comunicados/GAMInforme DDHHmayo2014.pdf.
18 Publicado originalmente em “The Education for Peace”, Le Réforme Social 2.7, 1889, p. 361-3 e p. 177.
19 Publicado originalmente em “Olympic Letter XV”, Gazette de Lausanne, v. 52, n. 1, 1919.
20 Sobre o termo “atomie” como produto da modernização e do capitalismo global, ver Galtung (1996).
21 Resposta em Young (1984, p. 157). O discurso de Isócrates é comumente datado de 397 AEC.
22 Os quatro atletas em questão, chamados Dyneiketo, Epêneto, Menandro e Sóstrato (o nome é reconstruído), carecem de detalhes suficientes para conectá-los a famílias atenienses conhecidas; mas o fato de que Dyneiketo e Sóstrato levaram créditos por vitórias equestres é um forte indício de que eles também eram aristocratas. Ver Kyle (1987, p. 104-5).
23 A ligação entre a vida no ginásio e a participação na classe social alta é especialmente bem atestada na comédia, ver Aristófanes, Cavaleiros (v. 1383), Nuvens (v. 1002-23), Rãs (v. 727-9), e cf. Isócrates 7.45.
24 Sobre a história do atletismo amador e seus elos com ouras formas de exclusão no esporte, ver Guttmann (1978, p. 30-6); Young (1984, esp. p. 15-27).
25 Os autores do estudo (Hills; Gómez Velásquez; Walker, 2018, p. 27-8) usam o exemplo contrastante do Midnight Basketball (ver Hartmann, 2001) para ilustrar o uso do esporte como um desvio do comportamento considerado indesejável.
26 Entre os pontos valiosos de entrada na enorme bibliografia sobre Ésquilo e a Oresteia, estão Sommerstein (2010) e Mitchell-Boyask (2018). O próprio interesse e conhecimento de Ésquilo pelo atletismo é confirmado nos fragmentos de seu drama satírico, Isthmiastai (“Os competidores dos Jogos Ístmicos”; ver Radt, 1985, p. 194-205), e na afirmação de que ele próprio participou dos Jogos Ístmicos (Plut. De prof. in virt. 879d-e).
27 Para as regras da luta grega antiga, ver Gardiner (1905) e Doblhofer, Petermandl e Schachinger (1998).
28 Para tais leituras “triunfalistas”, ver, por exemplo, Podlecki (1966, p. 80-100); Sommerstein (1989, p. 21) e discussão em Allen (2000, p. 18-24).
29 O exemplo da América do Norte do Midnight Basketball vem à mente; ver acima, nota 26.
30L’immense prestige de l’antiquité.” Retirado de um documento de uma conferência proferida em Paris em 1929, na Salle des Fêtes de la Mairie du XVIe arrondissement, publicado no Le Sport Suisse de julho de 1929; ver em Callebat (1999, p. 564).
31 Agradecemos, em primeiro lugar, ao professor Jacques Albert Bromberg, autor do presente artigo, na pessoa de sua representante, Profa. Dra. Charlene Martins Miotti, por ter-nos gentilmente cedido os direitos autorais para esta tradução. Agradecemos igualmente: ao professor Martin Dinter, organizador do Dossiê temático “Resolução de conflitos e literatura clássica”, por acolher a proposta de nossa colaboração para esta publicação; à equipe editorial da Revista Classica, em especial às professoras Charlene Martins Miotti e Lorena Lopes da Costa, pelas revisões técnicas do texto; e à Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos que, por meio de convênio firmado com a coordenação do curso de Bacharelado em Letras-Tradução da UFJF, propiciou a realização do estágio supervisionado da seguinte equipe de estudantes: Déa Lúcia Araújo de Castro, Eduarda Seixas Brandão, Evaldo Luiz Augusto Marconato, Franciany de Oliveira Campos, Jaqueline Victoria Azriel Silva Wenzel, Javier Alejandro Pedroso Domech, Jeniffer da Silva Souza, Letícia Miranda Pessamilio, Patrícia Beltran Carlos, Pedro Henrique Bernardes Costa Mariano, Tatiana Mageste Pacheco, Victor Cesar Rodrigues das Graças e Viviane da Silva Coutinho.
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